Revista Exame

Esquadrão antifraude dentro das empresas

Para evitar o risco de perdas e escândalos, cada vez mais empresas criam métodos sofisticados para identificar e combater desvios de conduta no país

Giovanini (à frente), da Siemens, e sua equipe: parte de um time de 600 profissionais (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Giovanini (à frente), da Siemens, e sua equipe: parte de um time de 600 profissionais (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 20 de outubro de 2012 às 08h00.

São Paulo - O engenheiro paulista wagner Giovanini, executivo da fabricante de equipamentos alemã Siemens, incorporou recentemente uma rotina comparável à de celebridade. A cada quinzena, ele atrai até 150 profissionais de diversas empresas para ouvi-lo em palestras que duram uma manhã inteira.

Também costuma receber grupos menores, de dez a 15 pessoas, entre alunos de administração e representantes do governo, no escritório da Siemens em São Paulo, para contar como desenvolveu uma obsessão — o combate a fraudes. Giovanini é diretor de compliance da empresa, responsável pelas regras de conduta na Siemens.

Nos últimos 18 meses, mais de 2 000 pessoas ouviram suas apresentações. A fama repentina do executivo, que passou 26 de seus 49 anos na área de controle de qualidade da Siemens, deve-se a seu trabalho como “xerife” da operação brasileira. Ele é parte de uma equipe de 600 profissionais da companhia no mundo dedicados a combater desvios de conduta desde 2007.

A máquina de investigação foi criada em meio à descoberta de um amplo esquema de pagamento de propinas que rendeu multas de mais de 2 bilhões de dólares à Siemens e resultou na demissão de seu presidente mundial, Klaus Kleinfeld, e de uma centena de outros funcionários (entre eles o ex-presidente da subsidiária brasileira, Adilson Primo, em outubro de 2011). “O esquema era tão grave que, se não reagíssemos rapidamente, a empresa poderia ter deixado de existir”, diz Giovanini.

Estimativas mostram que o caso da Siemens está longe de ser exceção. Segundo um estudo da consultoria PwC divulgado em fevereiro, 33% das empresas brasileiras sofreram algum crime financeiro nos últimos 12 meses. Há dois anos, essa fatia era de 24%. Em 71% dos casos, a fraude foi cometida por alguém de dentro da empresa.

Uma pequena fração delas, porém, vem à tona, como a história da holandesa D.E. Master Blenders (antiga Sara Lee), dona do café Pilão. Em agosto, a empresa anunciou uma série de problemas nas contas da operação brasileira — as perdas chegam ao equivalente a 240 milhões de reais.

Especialistas afirmam que o aumento das estatísticas se deve em parte à sofisticação dos métodos das empresas para detectá-los. “A atenção ao tema cresceu muito lá fora, especialmente por influência dos Estados Unidos”, diz Juliana de Sá Miranda, coordenadora da área de compliance do escritório de advocacia TozziniFreire.


Para evitar ser novamente vítima de seus próprios executivos, a Siemens criou um método de controle minucioso. Antes do escândalo das propinas, apenas 80 pessoas cuidavam das normas de conduta da empresa em mais de 190 países. Hoje, Giovanini tem 45 profissionais só na operação brasileira (são 600 no mundo). Ele estima que, para montar a estrutura global antifraude, a companhia tenha gasto 1 bilhão de euros só com consultorias.

Mais do que dinheiro, a tarefa exigiu paciência. O primeiro passo foi revisar todos os processos internos. Giovanini comandou um levantamento das competências de cada um dos 10 000 funcionários no Brasil para, em caso de problema, detectar com rapidez a origem e atribuir responsabilidades.

A medida, conceitualmente simples, mas de execução complexa, levou dois anos até ser concluída. “Só a introdução desse tipo de controle já inibe metade dos desvios nas empresas”, diz Humberto Salicetti, sócio da área de controle de fraudes da consultoria KPMG.

Além disso, a companhia investiu em uma série de sistemas para controlar atitudes suspeitas. Um deles, informatizado, impede o registro duplicado da mesma nota fiscal e emite um alerta se alguém tenta alterar a lista de fornecedores — cada mudança tem de ser aprovada pela equipe de Giovanini.

Criou-se também um canal de denúncias anônimas: a cada quatro registros, um se confirma verdadeiro. Um mecanismo adicional garante proteção aos delatores. Quem preferir se identificar ao fazer uma queixa do chefe não pode ser demitido sem a autorização de Giovanini.

Como medida de prevenção, cada funcionário é treinado pelo menos uma vez por ano para saber como agir no trabalho e qual punição para os deslizes. Antes da demissão, existem duas etapas de advertência, de acordo com a gravidade da conduta. Executivos com problemas de fraude na equipe podem ficar sem receber parte ou todo o bônus se não resolverem a situação em seis meses.

Para zelar por essa cadeia, é preciso montar uma equipe de auditoria interna — seja com funcionários próprios, seja com terceirizados de empresas especializadas. No caso da área de compliance da Siemens, todos são próprios.

Embora poucas empresas discutam o assunto abertamente, há sinais evidentes de reforço nesse tipo de controle no país. Um deles é a prosperidade  dos especialistas. Antes um nicho restrito a empresas de investigação, como a americana Kroll, o mercado brasileiro de combate a fraudes cresce rapidamente.


Boa parte das auditorias multiplicou suas equipes dedicadas ao assunto. Uma medida desse avanço: em 2005, a americana Ernst & Young tinha no Brasil um único funcionário dedicado a investigar desvios de conduta nas companhias. Hoje, são 45. A equipe da inglesa PwC, que somava três pessoas em 2009, agora possui 30.

Segundo especialistas, torna-se cada vez mais comum que consultores investiguem candidatos a postos executivos — com a solicitação de atestado de antecedentes criminais, busca por processos na Justiça e, no caso da alta administração, na Comissão de Valores Mobiliários, no Tribunal de Contas da União e em agências reguladoras.

Muitas subsidiárias passaram a ganhar atenção especial da matriz, sobretudo em empresas que sofreram algum trauma recente. É o caso da varejista americana Walmart, acusada em abril de oferecer 24 milhões de dólares em propinas em troca de licenças para a construção de lojas no México.

Logo após o episódio, as ações desvalorizaram 5% na bolsa de Nova York, uma perda de cerca de 10 bilhões de dólares. Em resposta, a rede criou uma nova área de auditoria interna dedicada a observar o cumprimento da lei anticorrupção americana em todo o mundo.

O americano Tom Gean assumiu o comando da equipe e passou a coordenar de perto cinco novas diretorias alocadas em paí­ses considerados críticos em relação à corrupção — um deles é o Brasil (os demais são México, China, Índia e África do Sul). Da mesma forma, na Siemens, Giovanini se reporta ao chefe global de compliance, Peter Solmssen. A atenção rigorosa consome tempo e dinheiro. Mas ninguém duvida que perder a própria reputação sai mais caro.

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