Revista Exame

O carro pode se tornar o seu mais novo meio de entretenimento

Em um futuro no qual a meta será transformar o tempo de deslocamento em tempo livre, a WGSN prevê que o consumidor usará o carro para trabalhar, descansar e se divertir

Simulação do que a Holoride oferece para os passageiros: jogos imersivos (Holoride/Divulgação)

Simulação do que a Holoride oferece para os passageiros: jogos imersivos (Holoride/Divulgação)

Daniel Salles
Daniel Salles

Repórter

Publicado em 29 de abril de 2024 às 06h00.

Última atualização em 2 de maio de 2024 às 16h59.

Que os veículos autônomos, uma hora ou outra, vão tomar conta das ruas das grandes cidades todo mundo sabe. Elon Musk acredita que os automóveis do tipo ainda vão representar a maior parte do valor da Tesla. Com isso, o bilionário espera posicioná-la quilômetros à frente das demais montadoras, muitas das quais ainda às voltas com a implantação de motores elétricos. Que os veículos a combustão estão com os dias contados também ninguém discute.

A indústria dos carros autônomos, é verdade, ainda não deslanchou como se imaginava. Em 2016, Musk prometeu que daria para cochilar ao volante de um Tesla enquanto o veículo seguisse para o trabalho por conta própria. E afirmou que um carro autônomo poderia cruzar os Estados Unidos sem ninguém a bordo. Até agora, porém, nada disso saiu do papel.

Dojo: a IA para carros autônomos

No ano passado, Musk anunciou que vai direcionar neste ano cerca de 1 bilhão de dólares ao Dojo. Trata-se de um supercomputador cuja função é treinar modelos de inteligência artificial (IA) para carros autônomos. Em janeiro, o bilionário disse que metade dessa cifra será gasta com a instalação de um equipamento do tipo na fábrica da montadora em Buffalo, no estado de Nova York.

Atualmente, o Dojo está sendo utilizado para processar a enorme quantidade de dados de vídeo registrados pelos veículos da montadora que já estão em circulação — tudo para treinar a IA que alimenta o mais novo software de assistência ao motorista da Tesla: o Full Self-Driving Beta.

Carro da Afeela, joint venture entre Sony e Honda: experiências assinadas pela Epic Games (Afeela/Divulgação)

Acidentes de percurso

Reveses a frear o avanço do segmento não faltam. Um dos mais recentes envolveu a Cruise, marca de carros autônomos da GM. Em outubro do ano passado, um de seus táxis atropelou um pedestre na Califórnia, nos Estados Unidos, e a vítima ficou presa pelo carro. No mês seguinte, a marca anunciou um recall no país de 950 táxis autônomos. Entusiasmada com o potencial da Cruise, Mary T. Barra, CEO da GM, afirmou em junho que a marca poderia faturar 30 bilhões de dólares até 2030.

Enquanto os autônomos não deslancham, boa parte das atenções da indústria automotiva está voltada para as demais inovações trazidas pela IA. O mercado global de IA automotiva, de acordo com a Next Move Strategy Consulting, movimentou 4,2 bilhões de dólares no ano passado. E estão previstos 25,7 bilhões de dólares para 2030.

Especializada em reinventar negócios por meio de soluções tecnológicas inovadoras, a Globant debruçou-se sobre esse universo no ano passado para lançar o relatório intitulado IA Aplicada: Impulsionando a Mudança na Indústria Automotiva.

Em resumo, a pesquisa detalha como a IA está transformando a maneira como as montadoras fabricam e projetam seus veículos; gerenciam suas cadeias de suprimentos; encarregam-se da produção e da pós-produção; e desenvolvem sistemas estratégicos, a exemplo do que fornece assistência ao motorista e avalia os riscos enfrentados por ele.

O relatório demonstra, por exemplo, que, ao analisar dados, a IA tende a otimizar processos de tomada de ­decisão e aprimorar a experiência dos clientes. Já a implantação de robôs inteligentes e de automação ajuda a acelerar a logística associada à cadeia de suprimentos, a produção e o pós-produção. Por fim, a pesquisa concluiu que a IA tornará os carros autônomos mais seguros.

“A IA não está apenas revolucionando o setor automotivo, ela está reescrevendo as regras da mobilidade, da fabricação e da condução como um todo”, declarou Marina Saint-Lary, managing director da área da Globant que se debruça sobre as transformações desse universo. “À medida que os algoritmos capacitam os veículos a perceberem, aprenderem e se adaptarem, testemunhamos a transformação de toda a indústria.” E tudo isso abre caminho, acrescenta ela, para uma era de experiências imersivas sobre rodas.

Citroën Skate: pensado para o transporte de cápsulas interativas (Citroën/Divulgação)

Autoentretenimento

Não à toa, uma das 13 tendências-chave que a WGSN previu para 2024 é o chamado autoentretenimento. Ele é fruto tanto dos avanços da indústria em direção aos carros autônomos quanto da utilização da IA para aprimorar a experiência a bordo. “Num futuro em que o tempo de transporte se tornará tempo livre, os consumidores utilizarão seus carros para trabalhar, descansar e se divertir”, decretou a companhia, especializada em detectar novas tendências de consumo.

O autoentretenimento envolve desde mesas retráteis e configurações móveis no carro com assentos tipo lounge até inovações que ajudem os passageiros a relaxar. Daí a aposta de algumas montadoras em equipar os veículos com games, entre outras experiências imersivas.

“A tecnologia fluida e os assistentes inteligentes vão levar os recursos da sala de estar para os carros, transformando-os em espaços móveis com games e entretenimento”, afirmou a WGSN. “Configurações flexíveis, assentos confortáveis e material sofisticado estarão à disposição do público, assim como efeitos olfativos e de iluminação que vão potencializar a sensação de bem-estar.”

“Na corrida do autoentretenimento, uma das montadoras que saíram na frente foi a Audi, sócia da Holoride. Fundada em 2018, essa startup combina o potencial imersivo e ilimitado da realidade virtual com dados colhidos em tempo real dos veículos em movimento para criar experiências imersivas para os passageiros. Faz isso, como é de imaginar, com a ajuda de headsets de realidade virtual (VR).

Imagine alguém que está no banco de trás de um Audi Q8 e-tron circulando por São Paulo. Se colocar o headset sobre a cabeça, deixará de contemplar os prédios e os célebres congestionamentos da metrópole. Em vez disso, poderá se ver em meio a um jogo de fantasia alterado de acordo com as manobras do automóvel. Se este freia no mundo real para dar passagem a um pedestre, por exemplo, no mundo virtual ele também para — só que, nesse caso, para não atropelar criaturas fantasiosas.

Ligado a um controle manual, que permite interações variadas com os jogos disponíveis, o headset também permite aos passageiros se imaginarem a bordo de uma nave espacial ou nas costas de um dinossauro circulando por uma paisagem pré-histórica.

A experiência de realidade vir­tual se molda às freadas e às curvas de cada trajeto e à aceleração. “Criamos não apenas uma jornada perfeitamente sincronizada com o movimento através de mundos virtuais, mas algo radicalmente novo, que entretém passageiros no banco de trás de uma maneira nunca vista antes”, declarou Nils Wollny, CEO e um dos fundadores da Holoride, ao resumir o que ela faz. Além de jogos, desenvolvidos em parceria com a Disney, a Holoride oferece séries e filmes. Atualmente, os dispositivos dela são comercializados nos Estados Unidos, na Alemanha e na Áustria.

Com a chegada dos carros totalmente autônomos, estima a Audi, as pes­soas vão ganhar até 1 hora extra por dia. Equivale ao tempo que elas costumam passar atrás do volante de seus carros — numa cidade como São Paulo, com seus engarrafamentos apocalípticos, a estimativa beira a ingenuidade. Esse tempo extra a Audi apelidou de 25a hora, que fará com que os serviços digitais disponibilizados pelos veículos sejam cada vez mais apreciados. “Conteúdo, e especialmente entretenimento, se tornará uma grande força motriz para a experiência de mobilidade do futuro”, afirmou o CEO da Holoride.

Neue Klasse, da BMW: para-brisa convertido em tela interativa (BMW/Divulgação)

BMW: projeções no para-brisa

Há quem acredite que os vidros dos carros, no futuro, serão convertidos em telas interativas. É o que a linha experimental da BMW, a Neue Klasse, ainda em desenvolvimento, indica. Nos dois veículos que estão em elaboração — um deles deverá chegar ao mercado em 2025 —, informações são projetadas em toda a extensão do para-brisa, seja a respeito do trânsito, seja só para distrair os passageiros.

“Cada vez mais, os veículos vão se transformar em uma extensão daquilo que os proprietários gostam de fazer em seu tempo livre”, diz Emilio Paganoni, gerente sênior de treinamento da BMW. “Foi-se o tempo em que os automóveis podiam ser comparados a ilhas em razão da pouca conexão com o exterior e da impossibilidade de atualização.” Além de indicar maneiras para otimizar o consumo de combustível e eletricidade, o que é feito com a ajuda da IA, os modelos mais recentes da montadora dispõem de sistemas massageadores, entre outras mordomias do tipo.

Paganoni, da BMW: “O carro será uma extensão do que o dono gosta de fazer no tempo livre” (BMW/Divulgação)

Carro pilotado por Playstation

Anunciada no Consumer Electronics Show (CES) do ano passado, a marca de carros Afeela é outra que aposta muitas fichas no autoentretenimento. Pertence à Sony Honda Mobility, joint venture da montadora japonesa com a fabricante do PlayStation. Elétrico, o protótipo apresentado na feira dispõe de 45 câmeras e sensores dentro e fora do veículo — o objetivo é atingir o chamado nível 3 de condução autônoma, em que o computador de bordo assume a responsabilidade pela direção.

No CES deste ano, para impressionar o público, o presidente da joint venture, Izumi Kawanishi, pilotou o protótipo com um console do PlayStation — nada leva a crer, no entanto, que a Afeela vai lançar o veículo com esse tipo de funcionalidade. As pré-encomendas deverão começar no ano que vem, e as entregas, no ano seguinte.

Em parceria com a Epic Games, responsável pelo Fortnite, a marca está desenvolvendo experiências imersivas exclusivas para os passageiros — a parceria também visa integrar o mundo real com o virtual. Os chips utilizados serão da Qualcomm. “O carro está se tornando cada vez mais conectado e inteligente, e a maneira como experimentamos nossos veículos está mudando”, declarou Cristiano Amon, CEO da Qualcomm, quando a parceria foi anunciada. “Estamos animados para colaborar com a Sony Honda Mobility para concretizar nossa visão compartilhada para o carro do futuro.”

Transporte em “cápsulas”

A proposta da Citroën para o futuro da mobilidade em grandes cidades já é conhecida. Ela desenvolveu uma plataforma elétrica autônoma, apelidada de Citroën Skate. Serve para transportar diversos tipos de cápsulas, chamadas de pods. As três últimas opções que a montadora idealizou foram apresentadas no Salão de Xangai do ano passado. A Cozy foi projetada para até dois passageiros e pensada para deslocamentos diários até o trabalho — frascos de perfume franceses serviram de inspiração para o design.

Já o Wander Café é uma versão quase a céu aberto. Foi pensada para elevar os city tours a outro patamar. Com direito a porta de vidro deslizante e janela panorâmica — transparente só de dentro para fora, para favorecer a privacidade dos passageiros —, o Immersive Air é a cápsula que mais chama a atenção. Dispõe de videogame, sistema de som e até karaoke. Se a indústria automotiva, no futuro, vai dar fim aos acidentes, ainda não se sabe. Mas, pelo menos, ao que parece, ninguém vai morrer de tédio.

Acompanhe tudo sobre:exame-ceo

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon