Sant’Ana, da Basf: cargo inédito para cuidar da estratégia digital (Germano Lüders/Exame)
Aline Scherer
Publicado em 29 de março de 2018 às 05h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2018 às 15h19.
Há quatro meses, o time de executivos que se reportam diretamente ao presidente da química Basf na América do Sul, Ralph Schweens, ganhou um novo e inédito integrante: o diretor de estratégia digital. A novidade surgiu na matriz alemã em dezembro de 2015.
O anúncio se deu em meio a uma guinada no sentido de usar mais novas tecnologias, como a inteligência artificial, nos negócios da companhia. Em junho de 2017, por exemplo, a Basf lançou um supercomputador dez vezes mais veloz em relação ao que usava antes, capaz de calcular a estrutura ideal de materiais para cada aplicação.
A tarefa de incluir novos métodos de trabalho à rotina de seus 5 100 funcionários na América do Sul coube ao recém-contratado Fabiano Sant’Ana, engenheiro de formação. Sant’Ana não tem uma equipe específica. Em cada projeto, monta times com funcionários de várias áreas. Todas as quintas-feiras se reúne online com o vice-presidente global de estratégia digital e seus pares pelo mundo. “Meu papel é influenciar as equipes a pensar diferente”, diz.
A ascensão da figura de um executivo responsável pela estratégia digital ou análise de dados se observa globalmente. De acordo com uma pesquisa divulgada em dezembro pela consultoria Gartner, pela primeira vez, mais da metade dos executivos responsáveis pela área de novas tecnologias nas empresas consultadas passou a se reportar ao presidente ou a um vice-presidente de operações.
Em 2021, o prognóstico é que 75% deles sejam alçados a esse nível. O orçamento sob a responsabilidade deles também cresceu — 23% somente no ano passado. É uma mudança no status de executivos que por anos foram considerados provedores de infraestrutura e passam a ser estratégicos. “O executivo valorizado é o capaz de influenciar as pessoas e introduzir inovação na maneira de fazer as coisas”, diz Cassio Dreyfuss, vice-presidente de pesquisas da consultoria Gartner, especializada em tecnologia.
À medida que cresce sua relevância, o salário também aumenta. Uma pesquisa exclusiva realizada pela consultoria Korn Ferry sobre remuneração executiva com 318 empresas de grande porte no Brasil mostra que o executivo responsável por tecnologia foi o único com aumento real nos últimos cinco anos.“A demanda por esses profissionais aumentou mais do que a oferta de gente qualificada”, diz Carlos Silva, diretor de pesquisas da Korn Ferry.
Aumentar o status desses profissionais surge como uma necessidade, sobretudo, em setores nos quais a informação é o principal ativo. “Percebemos que precisávamos de pessoas mais seniores, que tivessem uma visão total do negócio”, afirma Rodrigo Sanchez, vice-presidente de estratégia de dados da empresa de informação financeira Serasa Experian.
Uma de suas missões é buscar novos parceiros de fontes de dados em mercados nos quais a Serasa ainda não atua, como o agronegócio. Cerca de 20 pessoas de sua equipe trabalham num escritório à parte, o DataLab, onde se procura resolver problemas específicos dos clientes.
Em paralelo, a companhia aumentou a responsabilidade do vice-presidente de TI, cargo existente há mais tempo. “Tenho um plano de 272 ações para concluir em dois anos”, diz Alberto Campos, vice-presidente de TI da Serasa Experian. Uma de suas tarefas é alocar funcionários de seu time para as áreas de negócio, produto, análise de dados e experiência do consumidor. Nos últimos 12 meses, 21% da equipe de TI foi promovida.
A nova realidade das empresas exige que o executivo de tecnologia esteja mais enfronhado nos negócios para sugerir inovações — e não apenas espere passivamente a demanda das diversas áreas. Na farmacêutica Sanofi, um time de 35 funcionários da área de tecnologia na América Latina atua como uma espécie de tradutor das demandas das unidades de negócios para as equipes de tecnologia.
Em dezembro, cinco recém-contratados para esse cargo receberam a missão extra de identificar ferramentas para ajudar na produtividade, melhorar a comunicação e integrar os multicanais de venda. As contratações ocorreram concomitantemente ao lançamento de uma loja online para distribuidores.
“Antes, o funcionário de TI trabalhava como se fosse um tirador de pedidos. Hoje, estamos mais conectados ao negócio, nosso papel é gerar conhecimento sobre os meios digitais para todos os funcionários”, diz Luís Hamilton, diretor de TI e soluções da Sanofi para a América Latina.
Outro fator que aumentou a necessi-dade de reforçar os times de TI é a segurança. Em 2017, uma série de crimes cibernéticos pôs em risco os dados salvos em centenas de milhares de computadores em 153 países. O conteúdo dos arquivos não é danificado, mas criptografado, e o acesso é liberado mediante o pagamento de resgate. Mais de 200 companhias brasileiras foram afetadas.
No Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, hackers invadiram a rede responsável por controlar elevadores e o sistema de ar condicionado. O hospital não pagou o resgate. A solução envolveu todo um planejamento para evitar novos ataques. Agora um sistema monitora diariamente tentativas de crimes cibernéticos. O comando do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo decidiu aumentar em 10% o time de 171 funcionários de tecnologia.
Nos últimos seis meses, o hospital reorganizou a estrutura da diretoria de TI, criando uma gerência de segurança em setembro e uma de arquitetura de dados em janeiro. Em março, a organização lançou o serviço de gestão de ambulatórios corporativos, tendo médicos de família e a análise de dados como chave. “Quando comecei minha carreira há 30 anos, o cargo mais alto que existia nas empresas relacionado à tecnologia era de gerência”, afirma Ailton Brandão, diretor de tecnologia da informação do Hospital Sírio-Libanês desde agosto.
O impacto da tecnologia em novos modelos de negócios também trouxe complexidade ao cargo. Na empresa de educação Kroton, a digitalização foi tema central da elaboração do planejamento estratégico para os próximos anos. Em julho de 2017, Rodrigo Galindo, presidente da companhia, promoveu a diretoria de TI, que respondia à vice-presidência de finanças, à vice-presidência de tecnologia e transformação digital. Sob sua responsabilidade está, por exemplo, a tarefa de implementar metodologias ágeis de trabalho.
“Queremos construir a empresa de educação mais digital do mundo e, para isso, vamos investir em torno de 350 milhões de reais nos próximos quatro anos, 70% desse valor será em horas de trabalho das pessoas”, diz Galindo. Segundo ele, até o final do ano serão 70 milhões de reais investidos.
Hoje, 400 funcionários — 300 da nova estrutura de TI e 100 de negócios — trabalham em 55 times multidisciplinares, apelidados de “ágeis”. Eles são responsáveis por entregar novos softwares e aplicativos para melhorar a comunicação entre funcionários, alunos e professores.
O objetivo é que todos aumentem a produtividade e sejam mais flexíveis para, quando necessário, mudar mais rapidamente. Galindo, assim como outros presidentes que estão transformando suas companhias, já sabe: “A empresa inovadora ou vai criar dentro de si a disrupção de seu mercado ou vai estar pronta para agir rapidamente à -disrupção que virá de fora”, diz.