Revista Exame

Eletrobrás: geradora ou destruidora?

Um estudo mostra que a gestão da Eletrobrás, a maior geradora de energia no país, causa distorções no setor elétrico e dá prejuízo aos acionistas

Usina de Itaipu: dona de 40% da geração de energia, a Eletrobrás influi nos preços e na competição de todo o setor (Nani Gois)

Usina de Itaipu: dona de 40% da geração de energia, a Eletrobrás influi nos preços e na competição de todo o setor (Nani Gois)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 11h54.

O que acontece com uma companhia que mantém negócios que dão prejuízo sistematicamente, compra insumos por valor mais alto que a média de mercado e, mesmo apresentando lucro no balanço, não distribui dividendos aos acionistas? Bem, esse é o tipo de comportamento que o mercado não costuma perdoar. E é exatamente por essas razões que a Eletrobrás, estatal que funciona como holding de 12 empresas geradoras e distribuidoras de energia, além de deter 50% de Itaipu, hoje vale tão pouco. Maior companhia do setor na América Latina, a Eletrobrás é responsável por 40% da geração de energia elétrica no país e tem 82 bilhões de reais de patrimônio, mas está cotada por um terço desse montante na Bovespa — na qual mantém abertos 22% do capital total. Isso seria apenas um problema restrito a acionistas e executivos da empresa caso ela não fosse uma propriedade do conjunto dos contribuintes brasileiros. Pior ainda, os movimentos da Eletrobrás, dado o seu porte colossal, provocam impacto no setor como um todo, distorcendo as condições de competição para as demais companhias e causando estragos que se convertem em contas de luz mais caras para os usuários. “A ineficiência de gestão da Eletrobrás prejudica o consumidor brasileiro e aumenta o custo do país”, diz Jerson Kelman, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Uma análise recém-concluída pelo Instituto Acende Brasil, um centro de estudos mantido por operadoras privadas do setor de energia, em parceria com professores da Universidade de São Paulo, mostra um retrato ruim da Eletrobrás. O trabalho avalia o comportamento da empresa em dez situações sob a ótica da governança corporativa — considerando-se o grau de obediência a princípios como transparência na gestão, uso eficaz dos recursos humanos e financeiros, eqüidade no tratamento a acionistas, credores, clientes, fornecedores e funcionários, e responsabilidade com questões sociais e ambientais. Com seu histórico conhecido de sujeição a interesses políticos e loteamento de cargos, não houve surpresa no resultado: em oito das dez situa­ções analisadas, a Eletrobrás foi reprovada. “Nosso estudo mostra que a empresa precisa melhorar muito a governança corporativa para tornar mais saudável a competição no setor elétrico no país”, diz a economista Virgínia Parente, professora da USP e coordenadora do trabalho.

Além da radiografia da gestão da Eletrobrás, o Instituto Acende Brasil avaliou o desempenho da estatal quanto ao aspecto da geração de valor. Para isso, a ferramenta utilizada foi o conceito de Valor Econômico Agregado — ou EVA, na sigla em inglês —, desenvolvido pela consultoria americana Stern Stewart. Trata-se de uma medição do lucro ou prejuízo produzido por uma empresa após subtrair todas as despesas operacionais, os impostos e considerar também o custo do capital empregado para manter a operação. Desse ângulo, ficou claro que, pelo menos no período analisado, dos últimos dez anos, a Eletrobrás se mostrou uma destruidora de riqueza em vez de geradora. Em todos os anos, desde 1998, a empresa apresentou EVA negativo. A soma das perdas acumuladas no período foi de incríveis 149 bilhões de reais — mais que o valor de mercado registrado pela Vale em 7 de novembro. Isso no cálculo feito de forma conservadora, utilizando apenas valores correntes. Aplicando uma correção pelo índice da inflação oficial, a destruição de valor sobe para mais de 200 bilhões de reais. “Isso é inadmissível numa empresa que administra bilhões em ativos construídos com o dinheiro dos contribuintes”, diz Cláudio Sales, presidente do Acende Brasil. “A Eletrobrás deveria se esmerar pela transparência de informações, objetividade das ações, profissionalização e eficiência na gestão.”


Entre os casos estudados que significam perda diretamente no bolso de acionistas está o da retenção de dividendos. A conta, estimada em 9 bilhões de reais, diz respeito a participações em lucros que deveriam ter sido distribuídos desde o final dos anos 70. Entre os prejudicados estão investidores estrangeiros, como a gestora de recursos americana Brandes, que tem entre os cotistas diversos fundos de pensão dos Estados Unidos. Detentora de 6% das ações ordinárias da Eletrobrás, a Brandes teria 500 milhões de reais a receber. No final de outubro, a Comissão de Valores Mobiliários, em resposta a questionamento da Brandes, considerou que a Eletrobrás infringe a Lei das Sociedades Anônimas e determinou apuração de responsabilidades. Curiosamente, o maior credor dos dividendos — por ser o maior acionista — é o Tesouro Nacional, que teria direito a mais de 5 bilhões de reais. A explicação dada pela Eletrobrás para não repartir o lucro é a necessidade de investimentos. A mesma preocupação em preservar o capital para realizar projetos, contudo, não é observada em outras frentes. Uma delas é a da gestão da conta de óleo combustível comprado para manter em funcionamento usinas termelétricas que abastecem regiões isoladas, como Manaus, um gasto anual superior a 3 bilhões de reais. Nessa função, a Eletrobrás foi flagrada pagando à distribuidora BR, da Petrobras, valores acima da média de mercado. “Quem compra 3 bilhões em óleo tem poder para barganhar, mas a Eletrobrás pagou um valor por litro mais caro do que o cobrado na bomba dos postos”, diz Kelman, da Aneel, que por isso multou a empresa em 12 milhões de reais.

Diante disso, o que tem a dizer a direção da Eletrobrás? “Recebi a determinação de criar aqui um sistema integrado, competitivo e rentável”, afirma José Antonio Muniz Lopes, engenheiro com mais de 40 anos de casa, nomeado em março para presidir a empresa. “A ordem, uma decisão política do presidente da República, é fazer da Eletrobrás uma Petrobras do setor elétrico.” Aviso aos navegantes: entenda-se por essa mudança uma empresa talvez ainda mais encorpada, com capacidade até de atuar no exterior. Lopes aponta providências que já foram tomadas para atacar alguns dos problemas listados no estudo do Acende Brasil. “Esse relatório nasceu caduco, porque saiu sem levar em conta as mudanças que estamos fazendo”, diz ele. Uma delas foi a criação de uma diretoria única para cuidar das seis distribuidoras estaduais que deveriam ter sido privatizadas, mas não foram devido a influências políticas. Usadas como cabides de emprego e para promover benesses com dinheiro público, nos estados de Rondônia, Amapá, Amazonas, Acre, Alagoas e Piauí elas deram prejuízo conjunto de 1,2 bilhão de reais em 2007. Agora, todas têm um só presidente, Flávio Decat de Moura, profissional respeitado no setor. O plano anunciado é sanear as operações e fazê-las dar lucro em 2009. Lopes também diz que os acionistas vão receber os dividendos retidos. “Estamos dentro da lei, mas vamos pagar, porque é estratégico para recuperar o valor da empresa na bolsa”, afirma. Quando, ainda não está certo. Recentemente, a Eletrobrás anunciou que conseguiu que seus papéis passassem a ser considerados de nível 2 na bolsa de Nova York, o que significa que podem ser negociados no pregão — no nível 1 estavam confinados a negócios de balcão. “Agora queremos entrar para a lista do índice Dow Jones”, diz o presidente da empresa. Para o bem dos contribuintes brasileiros, é bom que esses planos vinguem e a Eletrobrás se concentre essencialmente em ser uma geradora, e não destruidora — de energia e de riqueza.

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