Revista Exame

Elas mandam cada vez mais no mercado financeiro

Ampliar a presença de mulheres é um desafio no mercado financeiro. Mas um grupo crescente de bancos e gestoras tem mais executivas. A diversidade ajuda

Sócias e parceiras da Alocc: as mulheres são 70% dos funcionários e têm 55% do patrimônio (André Valentim/Exame)

Sócias e parceiras da Alocc: as mulheres são 70% dos funcionários e têm 55% do patrimônio (André Valentim/Exame)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 5 de dezembro de 2019 às 05h32.

Última atualização em 5 de dezembro de 2019 às 18h22.

Elas são majoritariamente mulheres. E cuidam da fortuna de… mulheres. Cerca de 70% do quadro da gestora de patrimônio Alocc, com 5,5 bilhões de reais na carteira, é composto de funcionárias. Elas são 35 num grupo de 50. Além disso, entre os clientes as mulheres respondem por 55% do patrimônio sob gestão no Rio de Janeiro, onde fica a sede da Alocc. Até no quadro societário elas são maioria: cinco entre nove.

As sócias fundadoras apresentam algo em comum: todas têm alguma história de preconceito no trabalho para contar e resolveram empreender para ter mais flexibilidade, inclusive na vida familiar. A Alocc foi criada em 2011 como uma junção da gestora de patrimônio TNA, de Ricardo Taboaço, ex-sócio da seguradora Icatu, e de sua sócia, Veronica Nieckle, com a Integra Consultoria, de Sigrid Guimarães, ex-executiva das Organizações Globo. Na visão de Sigrid, o tratamento acolhedor, que escuta o cliente e analisa seus objetivos de vida, pode ter contribuído para atrair clientes do sexo feminino. Já no caso das funcionárias, segundo ela, o ambiente no qual homens e mulheres são tratados de forma igual pode ter influenciado na atração. “Contratamos os funcionários mais adequados aos cargos”, diz Sigrid.

Se a inclusão de mulheres é um desafio em todos os setores, no mercado financeiro chega a ser maior. É um ambiente conhecido, ainda hoje, pelas altas doses de truculência e machismo, cristalizadas em personagens como os do filme O Lobo de Wall Street e em expressões como bull market e bear market — o “touro” e o “urso”, respectivamente, representam as tendências de alta e baixa do mercado.

Uma pesquisa feita pela consultoria de recursos humanos americana Russell Reynolds com 339 executivos do setor financeiro em mais de 20 países, inclusive o Brasil, mostra que apenas metade deles acredita que seus líderes reconheçam políticas de diversidade. Em segmentos mais avançados no tema, como o setor governamental, o de ONGs e o de cultura, a proporção alcança até 87%. A pior pontuação do setor, no mercado financeiro, é a de reconhecimento e premiação de líderes inclusivos.

Uma pesquisa da Betania Tanure Associados feita para EXAME mostra que 26% das mulheres em cargos de liderança no setor financeiro veem que suas empresas estão iniciando a divulgação de esforços para inclusão e avanço da equidade de gênero, e 21% delas acreditam que essa já seja uma prática incorporada no dia a dia corporativo. Sobre equilíbrio em cargos de liderança, 15% acreditam que a empresa esteja iniciando essa prática, e 35% dizem que isso já é praticado.

Preocupados com a possibilidade de perda de talentos, os bancos vêm lançando iniciativas para atração e retenção de mulheres. O objetivo é obter melhores resultados financeiros com os melhores profissionais. Esse ganho trazido por um ambiente mais heterogêneo é comprovado por pesquisas como a da consultoria McKinsey, que conclui que empresas que investem mais em diversidade de gênero tendem a ter resultados 15% acima da média dos concorrentes diretos.

Uma das razões para que essas empresas se saiam melhor é que o maior equilíbrio de cargos entre homens e mulheres diminui em 20% a rotatividade dos funcionários, ao mesmo tempo que amplia a produtividade em 12%, segundo um levantamento da Organização das Nações Unidas. A evolução feminina no mercado financeiro do Brasil nos últimos anos é visível em cargos da base da pirâmide. De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais 2018, divulgada em novembro, o número de mulheres em cargos como analista de crédito, analista financeiro e corretor de valores somava 33.700, ante 24.000 homens.

Mas, quando se olham posições gerenciais, há um longo caminho a ser percorrido, segundo mostra a pesquisa Gender 3000, do banco Credit Suisse. No setor, globalmente, elas ocupam apenas 20% dos cargos gerenciais. No Brasil, em todos os segmentos, o número cai para 8%. Ter mulheres na liderança é, portanto, duplamente importante porque o fomento de uma cultura de diversidade tem de vir, necessariamente, de uma liderança mais inclusiva. “É a forma mais efetiva de mudar a cultura”, afirma Fernando Machado, sócio e consultor da Russell Reynolds.

Em pelo menos quatro bancos de investimento estrangeiro no país, as mulheres já estão à frente do negócio ou em posições executivas. Maria Silvia Bastos Marques é presidente do conselho consultivo do Goldman Sachs; Maite Leite é presidente do Deutsche Bank; Sylvia Brasil Coutinho é presidente do UBS; e Sandrine Ferdane é presidente do BNP Paribas. Esses bancos não fazem feio quando se trata da participação feminina em sua estrutura como um todo. No UBS, as mulheres representam metade do comitê executivo, enquanto ocupam 30% dos cargos de diretoria. No BNP Paribas, as mulheres são 30% do comitê executivo e do time de gestores. Mas ainda há muito espaço para aumentar a participação.
Para atrair, reter e desenvolver talentos, as quatro executivas se juntaram e criaram neste ano o Dn’A Women, um curso gratuito de desenvolvimento pessoal e profissional para estudantes universitárias de todas as áreas, com duração de quatro meses. Há aulas de matemática e de autoconhecimento. O objetivo é que as estudantes ganhem confiança já no início da carreira para assumir cargos de liderança no futuro. “Ao longo dos anos criou-se a reputação de que o mercado financeiro é mais duro e exigente. Queremos mostrar que o setor tem apelo para elas”, diz Maite. Na visão de Maria Silvia, o tema da diversidade vem ganhando força principalmente por causa de uma demanda da sociedade. “Hoje, fornecedores e consumidores levam isso em consideração.”

Maria Silvia Marques, do Goldman Sachs: curso para ampliar a presença feminina | Zô Guimarães/Folhapress

Entre os bancos de varejo, o Santander já tem maioria feminina no quadro. Mas o banco reconhece que precisa buscar a equidade de gênero em posições de liderança. Para encorajar as mulheres, criou um grupo de liderança feminina com 30 participantes e capitaneado por quatro executivas de áreas distintas. As integrantes participam de encontros com vice-presidentes para ganhar mais desenvoltura e visibilidade. Para o ano que vem, a meta é ampliar e 26% para 30% a participação de mulheres em posições executivas. Em 2017, a proporção era de 24%. No Banco do Brasil, o compromisso de aumentar a presença feminina em cargos de gerência faz parte da agenda para o triênio 2019-2021.

Toque para ampliar.

O maior objetivo dessas ações é ampliar o número de mulheres para atrair um público estratégico para o setor: as próprias mulheres. Uma das conclusões de uma pesquisa da consultoria americana Center for Talent Innovation é que funcionárias podem inovar um modelo de negócios para conectá-lo a mulheres, e investidoras estão mais inclinadas a aplicar dinheiro em empresas com diversidade no time de liderança sênior. Segundo a consultoria, 67% das mulheres com um consultor financeiro não se sentem compreendidas por esse profissional.

Estima-se que 44% das mulheres brasileiras já sejam a fonte primária de renda da família. Em 2007, eram 31%. No entanto, elas ainda são 20% dos investidores da bolsa de valores e 31% dos aplicadores em títulos públicos. De olho no potencial de elevar essa participação foi lançado no mês passado o Ella’s, primeiro escritório de agentes autônomos de investimento dedicado a mulheres. “Não dá para falar em empoderamento feminino sem falar de finanças”, diz Rebeca Nevares, uma das sócias.

Uma pesquisa da gestora Franklin Templeton mostra que, enquanto 40% das mulheres acham que sabem menos do que um investidor médio, 23% dos homens têm essa opinião. Para driblar a insegurança, corretoras como a Guide começaram a realizar cursos voltados para o público feminino, além de eventos exclusivos para elas em todo o país. A impressão é que sem homens, e em um formato de bate-papo, as mulheres se sentem mais confortáveis para fazer perguntas. Já o Women in Finance Summit, promovido pela Franklin Templeton em outubro, teve como objetivo inspirar mulheres e mostrar casos de carreiras no setor financeiro. O evento foi pensado para 80 pessoas, mas recebeu 800 inscrições. Interesse das mulheres por finanças não falta.

Acompanhe tudo sobre:Investimentos-pessoaisMercado financeiroMulheresMulheres executivas

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025