Bolsa de valores do Kuwait: queda de 25% nos negócios desde o início do ano (Yasser Al-Zayyat/AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 29 de março de 2011 às 11h23.
Há pelo menos um elemento comum às paisagens das principais cidades do Leste Europeu — de Varsóvia, na Polônia, a Kiev, na Ucrânia, passando por Budapeste, na Hungria — e das capitais dos países bálticos Letônia, Estônia e Lituânia: em todas elas se encontram hoje grandes construções com o trabalho interrompido por causa da falta de dinheiro para financiamentos no mercado imobiliário. Já seria suficientemente ruim se os problemas se concentrassem apenas no mercado imobiliário. Não é o caso. A indústria automobilística, que rendeu à Polônia o apelido de Detroit do Leste, também pena com a escassez de crédito e com o medo de uma recessão mundial à frente. A unidade da Opel na cidade polonesa de Gliwice interrompeu os trabalhos por 20 dias em outubro por causa da queda de demanda — em setembro, as vendas de carro caíram 8% na Europa, fazendo do mês o pior do setor no continente em uma década. Até pouco tempo atrás, obras abandonadas e fábricas paradas seriam cenas inimagináveis no Leste Europeu. Nos últimos anos, a região havia se transformado num dos maiores pólos mundiais de atração de investimentos estrangeiros e vinha registrando crescimento a taxas de até 10% ao ano. Mas agora os europeus, que experimentaram a prosperidade provocada pela emergência do capitalismo após a queda do Muro de Berlim, sabem que os dias de expansão acelerada podem ter ficado para trás. Assim que a crise ultrapassou os limites de Wall Street, saiu dos Estados Unidos, atravessou o Atlântico e chegou à Europa, o ciclo de pujança encerrou-se abruptamente e muitos países agora correm o risco de entrar em colapso.
A Hungria chegou a ser considerada um dos mais prósperos emergentes europeus das últimas duas décadas, uma grande guinada na imagem do país, que, nos tempos do comunismo, era satirizado como “o barraco mais feliz do acampamento soviético”. O rápido e sólido desenvolvimento econômico, impulsionado por volumes robustos e crescentes de investimento estrangeiro, permitiu à Hungria atravessar ilesa as crises asiática e russa, em 1997 e 1998, respectivamente. Dessa vez, porém, o país vem sentindo o golpe da turbulência financeira mundial. Os investidores bateram em revoada, provocando uma baixa de 40% nos negócios da bolsa de Budapeste somente no mês de outubro. Estragos semelhantes ocorreram na vizinhança. A bolsa de Kiev, na Ucrânia, já despencou quase 80% neste ano, a queda em Bucareste, na Romênia, está na casa dos 70%, estrago semelhante ao registrado em Sofia, na Bulgária. Para piorar, existe a questão do déficit na conta corrente, que chega a 15% do PIB nos casos de Romênia, Letônia e Lituânia e a 5% para Hungria e Polônia. O resultado desse panorama é a desaceleração do crescimento e o tão temido retorno de uma inflação acelerada.
Na relação de fatores que vêm provocando a rápida deterioração desses países, o comportamento dos grandes mercados consumidores da Europa Ocidental ocupa lugar de destaque. Em vez de motores que impulsionavam o crescimento do Leste Europeu, como vinha ocorrendo nos últimos anos, eles atuam agora como âncoras da região, arrastando várias economias. Com a chegada da crise, a Europa Ocidental diminuiu o ritmo de compras, afetando seriamente a Hungria, que direciona quase 60% de sua produção para os vizinhos ricos de continente. Em função disso, somente no mês de setembro foi registrada queda de quase 7% nas exportações húngaras em relação ao mesmo período do ano passado. O movimento turístico, outra grande fonte de receita, também acusou o golpe. Segundo um relatório divulgado recentemente pelo governo húngaro, a previsão de crescimento do setor para 2008 é de 2%, a menor taxa desde 1999.
Enquanto os governos da Alemanha, da Inglaterra e de outros vizinhos do lado ocidental dispõem de munição pesada para enfrentar a crise, os países do Leste Europeu têm de ir para o front como se estivessem empunhando velhos fuzis kalashnikov. “Em países como Polônia e Hungria, os bancos centrais não têm os mesmos recursos para combater problemas como a crise de liquidez”, afirma a economista Katherine Terrell, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Diante desse cenário, os governos da Hungria e da Ucrânia — onde a inflação ameaça dobrar para mais de 25% em 2009 — viram-se sem alternativa senão bater à porta do Fundo Monetário Internacional e pedir ajuda. No final de outubro, um pacote de resgate no valor de 25,1 bilhões de dólares foi levantado pelo FMI, Banco Central Europeu e Banco Mundial para resgatar a economia húngara. O primeiro-ministro do país, Ferenc Gyurcsány, logo em seguida anunciou que 3 bilhões de dólares do pacote seriam injetados no sistema bancário para financiar a transição das dívidas em moedas estrangeiras do país para o florim.
A Ucrânia também foi socorrida recentemente pelo FMI, recebendo uma ajuda providencial de 16,5 bilhões de dólares para salvar a hryvnia, moeda local, e seus bancos. O Prominvest, uma das maiores instituições financeiras do país, está prestes a ser nacionalizado, enquanto o banco Nadra foi resgatado com um empréstimo de 300 milhões de dólares do banco central ucraniano. Um dos grandes complicadores da situação na Ucrânia é a queda no preço do principal produto de exportação do país, o aço. Nos últimos quatro meses, o valor da matéria-prima caiu pela metade, o que reduziu 20% o valor total das exportações da Ucrânia. “O crescimento do PIB ucraniano, que foi de 7% nos primeiros nove meses de 2008, será, na melhor das hipóteses, igual a zero no ano que vem”, diz Frank Gill, diretor europeu da agência de classificação de risco Standard & Poor’s.
Não são só as pequenas economias da Europa que estão sofrendo duros golpes com a crise atual. Na Ásia, o Vietnã lida com a perspectiva de ver sua inflação praticamente triplicar para 24% no ano que vem. Em Taiwan, os primeiros sinais de recessão aparecem na taxa de desemprego de 4,3%, a maior dos últimos três anos. A Chei Mei Optoelectronics, quarta maior fabricante de TVs de plasma do mundo, demitiu 10% de seus trabalhadores em outubro, a instituição financeira Taishin Holding reduziu de 10 000 para 9 000 seu quadro de funcionários e a China Airlines, maior companhia de aviação do país, anunciou que as contratações estão congeladas até ao fim de 2009.
Nos últimos meses o mundo ficou mais pobre. Seria previsível que, num cenário assim, a conta fosse dividida — mesmo que em proporções desiguais — entre pobres e ricos. O medo da desaceleração puxou para baixo o preço do petróleo e colocou em alerta vários países produtores do Oriente Médio. Entre julho e o começo de novembro, a cotação do barril baixou de 150 para 65 dólares. Desde o início da crise mundial, os bancos do Oriente Médio já anunciaram perdas que somam 681 bilhões de dólares. No final de outubro, o governo dos Emirados Árabes precisou injetar 32 bilhões de dólares no sistema para garantir os depósitos. O governo do Kuwait, por sua vez, correu em socorro de dois dos três maiores bancos do país. Nos últimos dias, a Justiça do Kuwait rejeitou uma ação movida por um corretor que pediu para o Estado encerrar as negociações na bolsa de valores do país até que a crise financeira esteja ultrapassada. Desde o começo do ano, o movimento do pregão do Kuwait caiu 25%. O pedido inusitado é fruto do desespero que começa a se abater entre os investidores de um país pouco acostumado a apertar os cintos em tempos de crise. “O Kuwait vai enfrentar um ciclo difícil porque seu mercado interno é muito pequeno e o país é dependente das exportações do petróleo”, afirma Mauro Guillen, diretor do centro de negócios internacionais da escola de administração Wharton, da Universidade da Pensilvânia.