EUA: emprego supera pela primeira vez níveis anteriores à crise (Getty/AFP)
Da Redação
Publicado em 30 de março de 2015 às 17h59.
São Paulo - A mudança nas regras para a concessão do seguro-desemprego, anunciada pelo governo no fim de 2014, é uma medida razoável num ano de ajuste nas contas públicas. Os gastos com o benefício subiram 350% desde 2003, chegando a 35 bilhões de reais no ano passado — no mesmo período, a inflação acumulada foi de 99% e a taxa de desemprego caiu de 12% para 5% nas seis principais regiões metropolitanas do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
A equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prevê diminuir os custos com o seguro-desemprego em 9 bilhões de reais neste ano.
Para isso, a Medida Provisória no 665, que agora está em tramitação no Congresso Nacional, aumenta de seis para 18 meses o tempo de carteira assinada para que um trabalhador demitido tenha direito ao benefício pela primeira vez — o prazo mínimo passa a ser de 12 meses para quem pede o seguro-desemprego pela segunda vez e mantém-se como é atualmente para quem recorre a ele mais de três vezes.
Por mais que a alteração seja eficaz do ponto de vista fiscal, há um problema com ela: o governo está perdendo a oportunidade de usar a ocasião para erradicar uma das muitas distorções da legislação do trabalho. “A justificativa para a mudança foi exclusivamente fiscal”, diz o economista Gustavo Gonzalo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, especialista no tema. “O aspecto trabalhista não foi levado em conta.”
Além de receber o seguro, quem é demitido sem justa causa tem direito a sacar os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) acrescidos de multa de 40% sobre o valor depositado e de um salário como aviso-prévio. Na prática, esse conjunto de benefícios tem sido um incentivo à demissão.
Um levantamento feito por Gonzalo dá uma ideia de como isso é frequente: o número de dispensas registradas pelo Ministério do Trabalho aumenta 17% entre os funcionários que chegam ao sexto mês de serviço, quando pelas regras em vigor eles passam a ter direito ao seguro-desemprego. Nos dois meses seguintes, os desligamentos voltam a cair. No dia a dia, essa realidade é bastante evidente nas empresas.
Na fabricante de roupas Guararapes, do grupo potiguar Riachuelo, as demissões de trabalhadores que chegam ao sexto mês de serviço são 50% maiores do que entre os que completam cinco meses. A empresa mantém 18 000 funcionários em duas fábricas no Nordeste — uma em Natal, no Rio Grande do Norte, e outra em Fortaleza, no Ceará.
“Alguns empregados chegam a quebrar as máquinas para forçar uma demissão. Outros começam a chegar atrasados ao trabalho”, diz Flavio Rocha, presidente do Grupo Riachuelo. “O pior é que eles saem da empresa justamente quando aprenderam a executar suas funções e poderiam ser mais produtivos.”
Tais distorções estão entre as razões da rotatividade elevada no Brasil. Por aqui, 43 de cada 100 trabalhadores com carteira assinada são demitidos ao longo do ano. Para comparar, nos Estados Unidos — onde as regras são mais flexíveis e não encarecem as demissões para as empresas —, apenas 14% dos funcionários são dispensados anualmente.
O descompasso é reconhecido como problema até pelas centrais sindicais e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), órgão de pesquisa mantido pelos sindicatos de trabalhadores. Mas o remédio proposto por essas entidades pioraria ainda mais a situação.
Num estudo sobre a rotatividade publicado em 2014, o Dieese propõe aumentar os custos que as empresas têm para desligar funcionários — embora o custo trabalhista brasileiro já seja considerado o mais alto de uma lista de 25 países, de acordo com um estudo da empresa de auditoria UHY Moreira. Os empregadores brasileiros pagam 57% do salário dos funcionários em tributos. Nos Estados Unidos, a fatia é de 9%. Na França, 43%.
Está marcada para 23 de fevereiro uma reunião entre representantes do governo e das centrais sindicais para discutir como diminuir a rotatividade. Segundo o ministro do Trabalho, Manoel Dias, o governo não pretende adotar medidas para tornar as demissões mais difíceis — ou mais caras — para as empresas. Ele, porém, não vê a legislação trabalhista como a causa do problema. “Não creio que um número relevante de trabalhadores force situações para ser demitido”, disse Dias a EXAME.
Um dos inconvenientes de não reconhecer o problema é que fica mais difícil resolvê-lo. Exemplos internacionais poderiam servir de inspiração. É o caso do Chile. Lá, as empresas depositam uma quantia mensal proporcional ao salário numa conta em nome do empregado. Nesse aspecto, é um programa parecido com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço brasileiro.
As semelhanças param aí. No Brasil, o FGTS fica depositado na Caixa Econômica Federal e rende 3% ao ano, menos do que a inflação. No Chile, o trabalhador pode escolher o banco de sua preferência, que o remunera com juros de mercado. Também é desse fundo que sai o seguro-desemprego para manter o trabalhador quando estiver na rua. Ou seja: quem perde o emprego tem de procurar uma ocupação o mais depressa possível.
No caso brasileiro, mais de 90% dos beneficiários do seguro-desemprego só voltam a procurar trabalho com carteira assinada depois de receber as parcelas do benefício a que têm direito.
“Outra maneira de reduzir o problema seria obrigar o cidadão a se apresentar semanalmente num posto do sindicato ou do Ministério do Trabalho para ter o benefício mantido”, diz o economista André Portela, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. “É assim que funciona em países como os Estados Unidos.” As mudanças estruturais, porém, ainda não vieram. Por enquanto, o governo está preocupado apenas com o dinheiro gasto em decorrência da rotatividade.