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É hora de o Brasil agir na Venezuela, diz Ricardo Hausmann

Para o venezuelano Ricardo Hausmann, professor em Harvard, os brasileiros têm uma obrigação moral de acabar com a tragédia em curso no país vizinho

Hausmann: “Até quandoos brasileiros estão dispostos a ficar de braços cruzados enquanto acontece uma tragédia num país vizinho e irmão?” | Christopher Goodney/Getty Images /

Hausmann: “Até quandoos brasileiros estão dispostos a ficar de braços cruzados enquanto acontece uma tragédia num país vizinho e irmão?” | Christopher Goodney/Getty Images /

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Eduardo Salgado

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 10h19.

Ricardo Hausmann é um dos poucos professores que conseguem encher a maior sala de aula da Kennedy School, a escola de governo da Universidade Harvard. O interesse despertado pelo ex-ministro do Planejamento da Venezuela tem a ver com a metodologia que ele ajudou a desenvolver para identificar barreiras ao desenvolvimento econômico, hoje usada nas principais agências internacionais. Apesar do prestígio do qual goza nos Estados Unidos, Hausmann se diz exasperado com a penúria de seu povo e com a necessidade de começar a reconstruir a Venezuela. Esse pano de fundo ajuda a entender por que o professor escreveu um artigo no começo de janeiro pedindo a intervenção de uma coalizão militar estrangeira — com a participação de países da América Latina, como o Brasil — para remover do poder o regime chavista de Nicolás Maduro. A ideia foi classificada de “pura e simplesmente um delírio” por Aloysio Nunes, o ministro brasileiro das Relações Exteriores. Numa entrevista a EXAME em sua sala no Centro para o Desenvolvimento Internacional de Harvard, Hausmann argumentou por que acha que os brasileiros não podem ficar passivos diante da tragédia venezuelana. 

Qual é a situação na Venezuela?

Nunca houve na América Latina nada que esteja à altura da catástrofe que está acontecendo atualmente na Venezuela. Estou falando de fome e de mortes de crianças por desnutrição. Para mim dói mais porque eu sabia que isso iria acontecer. Houve um colapso da produção agrícola e das importações de alimentos. Hoje não há proteínas nem calorias suficientes para alimentar a população. E o governo se nega a receber ajuda humanitária. Esse mesmo governo anulou o Poder Legislativo depois que a oposição ganhou dois terços da Assembleia Nacional e usa as Forças Armadas para reprimir as pessoas que pedem uma solução.

Qual é a sua proposta para solucionar a crise venezuelana?

Proponho que o Poder Legislativo vote o impeachment de Maduro por violação da Constituição, como diz a Organização dos Estados Americanos, e peça ajuda militar internacional.

Isso seria feito com base em qual precedente histórico?

Os países são livres para pedir assistência militar. Só é preciso obter a permissão do Conselho de Segurança das Nações Unidas quando um país quer invadir outro, mas esse não é o caso na Venezuela. Trata-se de um pedido de ajuda dos venezuelanos aos países latino-americanos, europeus e aos Estados Unidos e ao Canadá para conseguir cumprir a própria Constituição. Algo semelhante aconteceu na Albânia nos anos 90, quando países europeus formaram uma força internacional para restabelecer a ordem no país.

Fila numa clínica de saúde na Venezuela: para Ricardo Hausmann, a crise humanitária no país ficará ainda pior se nenhuma solução for alcançada logo | Meridith Kohut/The New York Times/Fotoarena

Por que o Brasil deveria interferir num problema interno de um país vizinho?

Se o Brasil fosse vizinho de Ruanda ou da Bósnia, o país teria sido contra a intervenção nesses países quando eles foram vítimas de massacres? Os países intervêm nos assuntos uns dos outros porque existe uma obrigação moral. Quando se escrever a história deste período que estamos vivendo, os brasileiros não terão como dizer que não puderam fazer nada enquanto os venezuelanos morriam. Ainda hoje se discute por que os aliados não bombardearam Auschwitz, a rede de campos de concentração na Polônia. Tanto por parte de pai como de mãe, sou filho de sobreviventes do Holocausto. Conheço essa história por osmose. Minha mãe lembrava como um dos dias mais felizes de sua vida aquele em que os soldados americanos chegaram para libertar o local onde ela estava escondida na Bélgica. Ela contava que sentiu uma felicidade enorme, mas, como não falava inglês, não conseguia se expressar. Então correu a pegar flores para dar em agradecimento. Os americanos seguiram para o norte, mas não conseguiram libertar a Holanda naquele setembro de 1944. A consequência disso foi que houve uma fome na Holanda que deixou sequelas históricas. Há estudos sobre o impacto da desnutrição nas crianças nascidas entre 1944 e 1945 e nos filhos dessas pessoas. A fome na Venezuela atualmente é pior do que a da Holanda daqueles anos.

Qual é a magnitude da crise humanitária na Venezuela?

A população não tem acesso a uma série de remédios, os hospitais têm equipamentos obsoletos e as pessoas estão morrendo por besteira. Quando nasce um bebê e a mãe não pode amamentá-lo, esse bebê morre porque não há fórmula láctea industrializada. O jornal The New York Times publicou um artigo em dezembro sobre isso. O governo não publica números há aproximadamente um ano.

Nos meios diplomáticos, teme-se que um eventual apoio brasileiro à sua ideia abra o precedente para, mais tarde, uma força internacional invadir o Brasil sob a alegação de proteção à Amazônia. Qual é sua opinião?

O Brasil vai deixar que morram milhares de venezuelanos por temer que no futuro talvez seja atacado? Essa não é uma posição moralmente sustentável. O direito internacional fala da defesa coletiva da democracia e da universalidade dos direitos humanos. Vamos deixar a defesa desses pontos sempre com as grandes nações, ou o Brasil alguma vez vai se elevar ao nível dos países que têm alguma responsabilidade internacional? Até quando os brasileiros estão dispostos a ficar de braços cruzados enquanto acontece uma tragédia num país vizinho e irmão?

Por que o senhor quer convencer os brasileiros a intervir se antes é necessário convencer os americanos?

Reconheço que não sou um ator político. Sou um professor. E minha função é criar um marco para que a gente possa pensar sobre a natureza do problema. Vejo que as alternativas que estão hoje sobre a mesa não são fortes o suficiente para mudar a realidade. As conversas em curso entre o governo e a oposição não estão indo a lugar nenhum. Pior: a perseguição à oposição só aumenta. Estou tentando pensar fora da caixa. Se houver uma ameaça real de intervenção internacional, acho que Maduro vai aceitar uma negociação política. O Exército venezuelano foi desmantelado. Os tanques, os rádios e os barcos não funcionam. Se minha ideia não for boa, estou aberto a ouvir outras. Quais são as propostas dos brasileiros? Mas é preciso agir logo. Quanto mais se espera, mais aumenta o número de mortos e refugiados.

Quando o senhor pensou numa força internacional?

Confesso que estava vivendo uma crise existencial. A situação econômica na Venezuela vai se deteriorar muito mais se nada for feito. Será muito mais terrível. Terminei meu doutorado em 1981, já trabalhei em mais de 50 países e estudei outros tantos. Não lembro de ter visto uma situação semelhante à da Venezuela. 

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