Loja do McDonald’s nos Estados Unidos: clientes da rede podem pagar suas refeições usando apenas o celular (Justin Sullivan/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 23 de novembro de 2012 às 05h00.
São Paulo - A americana Christina Bonnington passou por algumas mudanças radicais em sua vida recentemente. Ex-bailarina profissional, Christina ingressou em 2007 num curso de engenharia elétrica na Universidade do Mississippi. Em 2011, abandonou o mundo das ciências exatas, mudou-se para São Francisco, na Califórnia, e tornou-se blogueira da revista de tecnologia americana Wired.
Entre testes do iPhone recém-lançado e textos sobre robótica, Christina teve uma nova ideia para mudar a rotina: por 30 dias, entre setembro e outubro deste ano, ela viveria sem sua carteira. No bolso, haveria apenas um smartphone, com a missão de substituir o dinheiro, os cartões e até os documentos de identidade.
Para surpresa da própria blogueira, o plano deu certo. Todas as suas compras foram feitas por aplicativos de pagamento móvel, que permitem fazer transações financeiras usando celulares ou tablets — do café da Starbucks à gasolina nos postos da Chevron.
Christina comprou uma passagem aérea para o Havaí e conseguiu até embarcar no aeroporto sem identidade — nos Estados Unidos, a identificação de um cidadão no aeroporto pode ser feita por meio de respostas a perguntas pessoais, como endereços antigos e nome do pai. Christina agora quer mais: “Adoraria repetir a experiência no ano que vem, quando todos os aplicativos e serviços que testei estarão mais consolidados”.
A experiência da blogueira americana comprova que os pagamentos feitos pelo celular estão saindo das fronteiras de países asiáticos altamente tecnológicos, como Japão e Coreia do Sul, e começam a se popularizar. Segundo a consultoria Gartner, especializada no setor de tecnologia, o mercado mundial de pagamentos por smartphones e tablets, que no ano passado movimentou 105 bilhões de dólares em transações, será responsável por um volume financeiro de 617 bilhões de dólares em 2016.
O curioso é que, do ponto de vista estritamente tecnológico, é possível dizer que o avanço dos pagamentos móveis poderia ter acontecido antes. Sistemas de transmissão de dados, como o SMS, o wi-fi e os aplicativos para celular, existem há pelo menos uma década. Mesmo a tecnologia apontada como o futuro para o setor, o NFC (sigla em inglês para Comunicação por Campo Próximo), é antiga — existe há mais de dez anos.
Esse sistema permite fazer transações aproximando dispositivos — pode ser um celular, um cartão ou uma máquina de ponto de venda — do comprador e do vendedor.
Para o americano Brian Shniderman, sócio da consultoria americana Deloitte, a trajetória dos smartphones ajuda a entender o ritmo da expansão dos pagamentos móveis. Comuns nas nações ricas da Ásia antes de se espalharem pelo mundo, os smartphones mudaram radicalmente os hábitos das pessoas.
“Muita gente passou a usar o celular como principal meio de acesso ao mundo digital”, afirma. “As pessoas estão transferindo para esses aparelhos tarefas que antes faziam no computador — e comprar é uma delas.”
Outra razão, segundo Shniderman, é o aumento do interesse de grandes empresas americanas. A lógica é conhecida: para uma tecnologia se tornar verdadeiramente global, precisa, antes, conquistar o maior mercado do mundo.
Novos aparelhos com o sistema Android, do Google, já carregam um chip NFC que permite fazer transações pelo Google Wallet, serviço de pagamentos da empresa de internet em parceria com a Mastercard nos Estados Unidos. Foi um desses aparelhos, aliás, que a blogueira Christina usou durante o mês que passou sem carteira.
Além do Google, empresas do porte de Apple e do site de comércio eletrônico eBay já lançaram serviços de pagamento móvel no mercado americano. As empresas novatas também estão na mesma batida.
A startup mais badalada do Vale do Silício atualmente é a Square, criada em 2009 pelo americano Jack Dorsey, cofundador da rede social Twitter.A Square criou um sistema que permite fazer e receber pagamentos usando tablets e smartphones que deverá processar mais de 6 bilhões de dólares neste ano.
Nos Estados Unidos, a febre dos pagamentos móveis também ocorre fora do mundo da tecnologia. Bancos, operadoras de cartões e empresas de telecomunicações investem em parcerias. Em outubro, começou a operar a Isis, joint venture formada pelas três principais operadoras de telefonia do país: AT&T, T-Mobile e Verizon. A nova empresa contou com 250 milhões de dólares em investimentos e oferecerá pagamento por NFC em redes como o McDonald’s e a varejista Macy’s.
O Brasil corre atrás
No mercado brasileiro, os serviços de pagamentos móveis ainda estão em fase inicial, mas a expectativa é alta. Todos os principais bancos, operadoras de telefonia e de cartões de crédito já têm serviços desse tipo. A Cielo, maior processadora de cartões do mercado brasileiro, lançou no ano passado um aplicativo para smartphones e tablets que aceita pagamentos de bandeiras como Visa e Mastercard.
A vantagem para os lojistas que aderem à tecnologia é o preço: a mensalidade do aplicativo é 11 reais, enquanto a da máquina do ponto de venda é 64 reais. O software faz as transações por wi-fi e é compatível com o pagamento por aproximação. De acordo com Eduardo Chedid, vice-presidente da Cielo, o aplicativo já teve 90 000 downloads e as transações movimentam 10 milhões de reais por mês.
Embora os números e as cifras sejam modestos, a expectativa é que esse segmento comece a crescer — e rapidamente. “Pelo menos 15 modelos de smartphone com NFC serão lançados no Brasil em 2013”, diz Chedid. “Fora isso, as leitoras de cartões estão saindo de fábrica hoje já com o NFC embutido.”
Entre as operadoras de telefonia, a Vivo prepara para o primeiro semestre de 2013 o lançamento do Vivo Wallet, outro serviço que terá tecnologia NFC. “A ideia é que todos os bancos e bandeiras de cartões estejam disponíveis no celular do cliente”, diz Mauricio Romão, diretor de produtos financeiros da Vivo.
A operadora estreou recentemente uma parceria com a empresa de pagamentos americana PayPal, braço do varejista online eBay. Clientes da Vivo no Brasil podem recarregar com créditos os celulares pré-pagos diretamente no aparelho usando um cartão registrado no PayPal.
Apesar do clima de otimismo das empresas brasileiras para 2013, há alguns fatores que podem atrasar o avanço dos serviços de pagamentos móveis por aqui. A falta de uma regulamentação específica para o setor é um dos principais. Empresas que estão fora do sistema financeiro — e que por isso não se submetem às rígidas regras que regem o mercado — podem facilitar crimes como evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Uma das saídas estudadas hoje é obrigar que todas as transações passem pelos bancos.
No final de outubro, Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, disse que vai, em breve, submeter à presidente Dilma Rousseff uma proposta de lei para definir um marco regulatório para pagamentos móveis.“O surgimento de novas tecnologias e a crescente participação de empresas não financeiras são uma realidade”, disse ele em pronunciamento na época. “Há riscos inerentes aos serviços de pagamento que merecem ser corretamente dimensionados.”
Como costuma acontecer no Brasil, os problemas não estarão resolvidos mesmo depois de acertadas as questões regulatórias e legais. A popularização dos pagamentos móveis por aqui depende da melhoria de nossa infraestrutura de telecomunicações.
Se um simples SMS às vezes demora horas para chegar a seu destino em algumas capitais brasileiras, como garantir que as operadoras locais poderão criar sistemas de pagamentos rápidos e confiáveis? Se a próxima experiência sem carteira da blogueira americana Christina ocorrer em terras brasileiras, talvez no final ela não tenha muitas histórias para contar.