Revista Exame

Coqueteleiros relatam mudanças no dia a dia dos bares com a chegada da covid-19

Alguns dos profissionais mais famosos do país contam os desafios de 2020

“Se for preciso fechar por mais um mês, não resistiremos”, afirma bartender (Germano Lüders/Exame)

“Se for preciso fechar por mais um mês, não resistiremos”, afirma bartender (Germano Lüders/Exame)

DS

Daniel Salles

Publicado em 17 de dezembro de 2020 às 05h24.

Última atualização em 18 de dezembro de 2020 às 15h44.

De certa forma, sobrou para os bares. Com a pandemia ainda fora de controle, eles acabaram responsabilizados, aos olhos da opinião pública, pelo prolongamento do surto viral e pelo recente recrudescimento dele. As vergonhosas cenas de aglomerações registradas neste ano nas calçadas do Leblon, no Rio de Janeiro, não ajudaram a reverter essa percepção, assim como o comportamento irresponsável de alguns empresários do ramo e de incontáveis frequentadores.

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Apresentar a conta a bares que seguem à risca os protocolos impostos pelas autoridades de saúde, no entanto, é uma injustiça. “Se as novas regras deixam de ser cumpridas, não são no meu bar”, defende-se o bartender Jean Ponce, dono do Guarita, na Vila Madalena, em São Paulo.

A situação do empreendimento, que ficou fechado por mais de quatro meses, durante os quais precisou se reinventar para garantir alguma receita, é ilustrativa da condição em que o setor se encontra. “Se for preciso fechar por mais um mês, não resistiremos”, diz o bartender.

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Com algumas estrelas do meio, a pandemia foi menos nociva. Tai Barbin, por exemplo, relata que seu Liz Cocktail & Co, no Leblon, registra crescimento desde o início da quarentena. Para a retomada, os 33 assentos foram reduzidos a 23 e agora a comida vem do restaurante Massa, ao lado. “Bares como o Liz saem fortalecidos da pandemia”, Barbin acredita. “Não será para ir a qualquer lugar e para beber qualquer coisa que as pessoas vão sair de casa, mas para ter uma experiência diferente.”

Márcio Silva começou 2020 com 27 viagens internacionais marcadas para participar de eventos, das quais só cinco não foram canceladas. Com tempo livre, comandou o Bar Aberto, reality show da TV Bandeirantes para bartenders amadores. Confira como está sendo o impacto da pandemia para essas estrelas da coquetelaria.


JESSICA SANCHEZ  | Vizinho Gastrobar: Avenida das Américas, 8.585, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro

O sucesso de Jessica Sanchez, uma das raras mulheres que se sobressaem nesse meio, é sinal inequívoco de que certo machismo ainda impera na coquetelaria. Não à toa, ela penou até ser levada a sério no ramo. Em seus primeiros trabalhos em bares e casas noturnas, só a deixavam lavar a louça.

“O jeito era lavar rápido para ter tempo de criar drinques”, conta ela, que já perdeu as contas das cartas de drinques que assinou em endereços como o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e o bar Must, no hotel Tivoli Mofarrej, em São Paulo. Hoje ela está à frente do Vizinho Gastrobar, em atividade desde 2016 na carioca Barra da Tijuca. Em fevereiro, criou uma marca de coquetéis autorais, a Bakko, em latinhas. O Nitecap junta vodca, chá de hibisco e morangos.


FABIO LA PIETRA

Astor: Rua Oscar Freire, 163, Jardim Paulista, São Paulo (Germano Lüders/Exame)

A história do bartender italiano se confunde com a do SubAstor desde 2013, quando passou a chefiá-lo ao fim de uma temporada de férias no Brasil. Sua ousadia atrás do balcão do bar, hoje na 68ª posição no ranking The World's 50 Best Bars, materializou-se em drinques com carne-seca e manteiga de garrafa, entre outros ingredientes inusitados.

Na quarentena, a solução foi entregar drinques clássicos, como Boulevardier, em garrafinhas com as guarnições embaladas em saquinhos a vácuo. “A procura excedeu nossas expectativas”, diz. “O consumo de coquetéis em casa cresceu com a pandemia e deve se manter em alta.” Ele responde pela coquetelaria do Sub, da segunda unidade dele, dentro do Farol Santander, e das redes Ici Brasserie e Astor, dos mesmos donos.

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JEAN PONCE

Guarita Bar: Rua Simão Álvares, 952, Vila Madalena, São Paulo (Germano Lüders/Exame)

A respeito do guarita, bar de drinques que inaugurou em 2016, o bartender diz duas frases que resumem bem o impacto da quarentena. Uma delas: “Sucesso agora é continuarmos abertos”. E a outra: “Se for preciso fechar por mais um mês, não resistiremos”. Para garantir a sobrevivência do endereço, Ponce e seu sócio, o chef Greigor Caisley, passaram a vender, pelo delivery e para retirada, pizzas individuais, galeto assado e drinques engarrafados — as versões de 1 litro fizeram sucesso.

“O negócio deixou de se pagar, mas conseguimos mantê-lo até aqui.” As duas hamburguerias do grupo, o Guarita Burger e o Patties, esta com três unidades e especializada em discos finos de carne, ajudaram no balanço.


MÁRCIO SILVA

The Ice Lab: Rua João Moura, 1.174, Pinheiros, São Paulo (Germano Lüders)

Foi um dos divórcios mais comentados do meio. Em junho, o bartender Márcio Silva deixou o Guilhotina, em Pinheiros, que ficou com os dois outros sócios — em 2019, o endereço conquistou a 15ª posição no ranking The World's 50 Best Bars. “A única outra saída era eu comprar a parte deles”, resume Silva.

“Passamos a divergir sobre tudo.” Ao lado de Marina Person, ele comandou o Bar Aberto, reality show destinado a bartenders amadores — foi levado ao ar pela TV Bandeirantes, entre setembro e dezembro, em parceria com a Pernod Ricard. No meio-tempo, associou-se à Ice4Pros, que fabrica aqueles gelos cristalinos, essenciais na coquetelaria, para criar o The Ice Lab. Trata-se de um empório em Pinheiros que vai vender quase tudo que um bom drinque exige, da bailarina aos bitters — a inauguração está prevista para fevereiro.


SPENCER JR.

Caulí: Rua Joaquim Antunes, 248, Pinheiros, São Paulo (Germano Lüders)

Em agosto, o festejado bartender cedeu aos encantos do empresário João Paulo Warzee, dono dos bares Fortunato, Olívio, Mule Mule e Caulí, e passou a comandar o último, conhecido pelos drinques criados para bombar no Instagram. Com isso, chegou ao fim a exitosa trajetória de cinco anos de Spencer no Frank, bar do hotel Maksoud Plaza, que em setembro protocolou um pedido de recuperação judicial.

Sob o comando do exigente bartender, que preparava do gelo ao suco de tomate para o Bloody Mary, o estabelecimento classudo chegou a ocupar a 66ª posição no The World's 50 Best Bars — hoje nem sequer figura no ranking — e acostumou-se a filas eternas. Spencer também comandou outro endereço que marcou a coquetelaria do país, o MyNY, em São Paulo, um dos primeiros a apostar nessa arte como se deve.


TAI BARBIN

Liz Cocktail & Co: Rua Dias Ferreira, 679, Leblon, Rio de Janeiro (Germano Lüders/Exame)

Escolado com os altos e baixos do Rio de Janeiro, o bartender quis que seu primeiro bar próprio, o Liz Cocktail & Co, inaugurado em dezembro de 2019, fosse pequeno e tivesse poucos funcionários. “Seja pelo Carnaval, seja pela violência, os clientes podem sumir de uma hora para a outra. É muito arriscado fazer um investimento enorme com um movimento tão volátil”, diz, com a experiência de quem chefiou o badalado Nosso, em Ipanema, e o Spirit Copa, no hotel Fairmont Rio.

A fórmula permitiu ao Liz, situado num trecho mais calmo da Rua Dias Ferreira, no Leblon, enfrentar de cabeça erguida a quarentena. “Tenho compaixão pelos bares que não resistiram, mas a pandemia foi boa para nós”, afirma ele, que tem o bartender Anderson Santos como sócio. A fala se deve, em parte, à linha de coquetéis engarrafados que o bar passou a comercializar por delivery — mais de 1.000 unidades já foram vendidas.

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