Todos os investimentos e esforços voltados para o tema eram verdadeiros, ou apenas uma forma de se adequar às cobranças sociais? (Javier Zayas Photography/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 22 de março de 2023 às 06h00.
No Twitter, o trecho de um famoso provérbio japonês que diz “trabalhe enquanto eles dormem” parece não ser o suficiente. No final de fevereiro, a executiva Esther Crawford se destacou por causa de dois episódios. O primeiro foi a repercussão de uma foto sua dormindo em um saco de dormir no escritório do Twitter a fim de cumprir prazos e entregas. O segundo foi o fato de, semanas após a imagem, ela estar na mais recente lista de demitidos pela companhia.
Em tempos de lay-offs, Crawford não é a única. Só nos primeiros dois meses de 2023, as empresas do mercado de tecnologia já cortaram mais de 122.000 funcionários, de acordo com o site Layoffs.fyi, que compila todas as demissões no setor desde a pandemia. Em 2022, foram 161.000 pessoas mandadas embora. Ou seja: a média de demitidos por mês passou de cerca de 13.000 para a casa dos 60.000.
Além de triste por si só, esse número traz consigo outro grande problema. Dos 122.000 funcionários demitidos, mais de 45% eram mulheres. O criador do Layoff.fyi explica que, para chegar à porcentagem, usou um verificador de gênero no nome dos colaboradores cadastrados na plataforma.
A divisão quase igualitária entre homens e mulheres engana em um primeiro momento, mas é preciso destacar que, como apresentado em uma estimativa feita pela consultoria Deloitte, as mulheres representam apenas um terço da força de trabalho no setor de tecnologia, e apenas um quarto das funções técnicas e de cargos de liderança.
Entre as justificativas estão duas. Para as demissões, os empregadores consideram os critérios de tempo de trabalho e setores menos definitivos para o negócio. Geralmente, são as áreas relacionadas ao atendimento ao cliente e recrutamento de pessoas, como vendas, marketing e recursos humanos. Setores que, tradicionalmente, têm mais mulheres.
Outro estudo, conduzido pela Revelio Labs e que usou dados do Layoffs.fyi, apontou que as funcionárias representaram 47% das demissões entre setembro e dezembro de 2022. O levantamento também identificou que 11,5% dos demitidos no segundo semestre do ano passado eram latinos, apesar de eles representarem menos de 10% da indústria.
Não à toa, um estudo realizado pela consultoria Paychex constatou que 74% das mulheres do setor de tecnologia têm medo de serem demitidas. Por causa disso, 57% delas planejam deixar a indústria dentro de seis meses.
Para se alinhar ao discurso de diversidade e inclusão cada vez mais imposto socialmente por consumidores, e cada vez mais valorizado por todos os públicos de contato com o negócio, as empresas de tecnologia e de outros setores passaram os últimos anos investindo na promoção da equidade. O posicionamento claro era de que elas estavam dispostas a mudar o cenário das desigualdades do mercado de trabalho.
Então quer dizer que um mercado de trabalho igualitário para homens e mulheres só é possível no bull market? Qual é a relevância real que todas essas grandes (e também as pequenas) companhias dão à igualdade? Todos os investimentos e esforços voltados para o tema eram verdadeiros, ou apenas uma forma de mostrar que se adequaram às cobranças sociais?
Tenho dois critérios simples para avaliar a veracidade das ações das companhias: se não lhe custa tempo e dinheiro, você não é um aliado. Quem não assina o cheque ou não gasta tempo e esforço para mudar essa realidade não faz nenhuma diferença.
Crises acontecem e, às vezes, ondas de demissões são realmente inevitáveis. Mas alguns pontos podem ser levados em consideração para preservar políticas de diversidade em meio a lay-offs. Se o “tempo de casa” for um dos critérios, automaticamente as contratações com foco em diversidade e equidade, que ocorreram há pouco tempo, serão afetadas. A tomada de decisão deve ser feita levando em conta os fatores de diversidade, e novas métricas podem ser colocadas como parâmetros para os desligamentos. É preciso traçar um plano para não perder a diversidade.
Em 2023 estamos tendo um retrocesso dos processos de igualdade de gênero após a onda de lay-offs. Março é o Mês da Mulher, mas hoje sigo refletindo: o que temos para comemorar? Enquanto escrevo este texto, me sinto cansada. Gostaria de não precisar mais falar sobre isso, queria partir para outros assuntos, falar sobre outros temas.
Queremos avançar na pauta e mover os ponteiros sem precisar andar algumas casas para trás em momentos de crise. Gostaria de focar o objetivo principal para ajudar mulheres a crescer na carreira, alcançar cargos C-Level, entrar para os conselhos de administração e estar onde quiserem estar. Por isso, nós queremos e precisamos mudar de página. As discussões precisam ser mais práticas e pragmáticas.
Deixo aqui um pedido de reflexão. Quais são os novos e melhores caminhos em que vocês gostariam de estar em relação à diversidade?