Melhor do que se apegar somente ao ano registrado na certidão de nascimento é conhecer o contexto no qual alguém cresceu e se desenvolveu (Nabil Kamara/Getty Images)
Fundadora e Presidente do Conselho Cia de Talentos/Bettha.com
Publicado em 22 de março de 2024 às 06h00.
Este não é um artigo para derrubar o conceito das gerações, tampouco para negar a importância dessa conversa. O que quero propor aqui, entre nós, é ampliar um debate que, por vezes, cai na cilada de um determinismo reducionista. Sabe quando você ainda não conhece em profundidade alguém, mas observa um comportamento e acha aquilo típico de determinada geração? Quando tudo o que a outra pessoa faz no trabalho é interpretado única e exclusivamente através dessa lente? Estou me referindo a isso.
O ano de nascimento é um marcador temporal que tem nos ajudado a organizar as informações e a compreender as transformações pelas quais a sociedade passa. No entanto, ele deve servir como referência, e não como uma forma rígida na qual forçamos as pessoas a se encaixarem, como se elas não pudessem ser nada diferente daquilo predeterminado por esse “molde”.
Melhor do que se apegar somete ao ano registrado na certidão de nascimento é conhecer o contexto no qual alguém cresceu e se desenvolveu. Na verdade, é nisso que a teoria das gerações se baseia. Por exemplo, os baby boomers receberam esse nome por causa do fenômeno do aumento da natalidade depois do fim da Segunda Guerra Mundial. É uma geração marcada pelo pós-guerra, contexto que influenciou, entre outras coisas, na preocupação com a escassez e na busca por uma estabilidade financeira. Não há um consenso, mas esse grupo teria nascido entre 1946 e 1964.
Já a geração Z é aquela que nasceu em “berço digital”. Ela convive com a internet, redes sociais e com outros reflexos do mundo conectado desde sempre, o que contribuiu para que ela fosse conhecida como um grupo que se comunica intensamente por meios digitais, que está sempre online e que aprende de várias maneiras. Segundo algumas classificações, o recorte vai de 1997 a 2010.
Levando em consideração esses exemplos, repare em dois aspectos. O primeiro é que, mais do que o ano em si, o que influencia na classificação é a conjuntura da época. O momento histórico no qual aquela pessoa cresceu, os fatores culturais e sociais que a influenciaram, os recursos disponíveis, e assim por diante. O segundo é que, talvez, você tenha se identificado com alguma característica descrita em um grupo ao qual você não pertence. Significa que você tem a idade de uma geração, mas a mentalidade de outra? Não exatamente.
O que isso tudo quer dizer é que apesar de, sim, a teoria das gerações ser um bom ponto de partida para começarmos a entender as diferenças naturais entre as faixas etárias, ela não deve ser um ponto de chegada. Ou seja, a nossa maneira de enxergar e de nos relacionarmos com as pessoas não deve limitar-se a isso. Neste mundo complexo no qual vivemos, é natural que um intercâmbio de características aconteça.
Comunicar-se por meio de diferentes plataformas digitais não é característico só da “gen Z”, já que todos nós estamos inseridos em uma realidade de hiperconectividade. Da mesma forma, a busca por estabilidade pode ser latente em determinado grupo de jovens que, devido a um contexto socioeconômico, contribui desde cedo com a renda familiar.
Ao longo da história da pesquisa Carreira dos Sonhos, que já abriu o questionário deste ano, percebemos que, apesar de diferentes, as gerações também são iguais em alguns aspectos. Por exemplo, o que elas valorizam na vida. Qualidade de vida (que inclui saúde física, mental e emocional) está no topo das prioridades para jovens, média gestão e alta liderança. Depois vêm, pela ordem, para os três públicos, relacionamento familiar, segurança financeira, trabalho e carreira.
Os interesses são os mesmos, o que muda é a intensidade em relação a cada um deles e os estímulos, ou seja, o que motiva uma pessoa a querer, por exemplo, segurança financeira. Além, é claro, da diferença natural de maturidade entre os grupos.
Pensar sobre isso pode, a princípio, dar um nó na nossa cabeça. É muita variável a ser considerada. Ater-se apenas ao ano de nascimento é tão mais simples, tão mais confortável. No entanto, em um país de dimensões territoriais como o Brasil, com uma cultura tão rica e diversa quanto a nossa, é improvável que todo mundo viva a mesma realidade, certo? Portanto, é improvável também que a juventude de uma região se limite a uma lista de “cinco características da geração Z”.
De novo, não é que estudar e debater sobre o assunto esteja errado. O ponto é que precisamos resistir à tentação de parar a conversa por aí. Entendo a angústia da liderança de ter de olhar para toda essa complexidade, mas a boa notícia que trago para você é que ampliar o debate acerca das gerações é também libertador.
Ao nos comprometermos a ir além dos rótulos e, de fato, conhecer as pessoas em suas individualidades, estamos nos desprendendo de um determinismo que impõe um roteiro único. Ao expandirmos os horizontes desse debate, entendemos que os talentos ao nosso redor podem compartilhar um conjunto de características, mas que possuem outras que são únicas. Entendemos também que as pessoas não são, elas estão. Ou seja, elas podem se desenvolver, mudar, evoluir.
Seria mais simples se todo mundo se encaixasse em uma caixinha e correspondesse perfeitamente a um rótulo, mas o mundo não é assim. E quer saber? Que bom que não é! Afinal, é essa complexidade do ser humano que nos torna tão únicos, com ideias diferentes e capazes de feitos incríveis.