Revista Exame

Detector de mentiras nas entrevistas de emprego

Livre-se das pegadinhas nas entrevistas

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Da Redação

Publicado em 26 de abril de 2013 às 12h23.

O terror de qualquer entrevistador é bater de frente com o candidato mais-que-perfeito. Aquele que se veste superapropriadamente, responde a tudo mais que adequadamente e esbanja tanto charme que até as baratas saem detrás dos móveis para ouvi-lo e admirá-lo.

Só que, no mais das vezes, o candidato mais-que-perfeito está para o mundo corporativo assim como a senhora Ronaldinho Fenômeno está para o mundo do futebol: impressiona uma barbaridade nas embaixadinhas, mas não mostra a mesma competência depois, na hora do vamos-ver, quando tem de entrar em campo e sair correndo atrás do resultado.

É por isso que as empresas tentam se proteger, fazendo o candidato passar por múltiplas entrevistas ou submetendo-o a uma batelada de testes: avaliação psicológica, grafologia, detector de mentiras, hipnose, tarô, e por aí vai. Mas nada disso parece abalar o especialista em fazer embaixadinhas verbais nas entrevistas, porque ele sempre está um passo à frente das armadilhas dos entrevistadores.

Então, quero contar a história de um exemplar processo de entrevista de que participei, porque nunca mais vi nada parecido.

Foi numa empresa média, sem muita expressão, mas o cargo era atrativo: gerente industrial. Na época, eu era supervisor de produção e achava que aquela seria a minha grande chance de dar um salto qualitativo na carreira. E parti para a entrevista disposto a seguir o conselho de um amigo meu: "Em entrevistas, não há mentiras. Há insinceridades convenientes". Ou seja, exagerar um pouco a verdade não é mentir.

Não me lembro se o processo usado tinha um nome técnico, mas nunca mais me esqueci de seu apelido: "pega-mentiroso". E ele era de uma simplicidade tocante. O entrevistador -- seu Freitas, o diretor industrial da empresa -- me mandou sentar e, antes mesmo que eu pudesse me acomodar na cadeira, puxou da gaveta um pacotinho de quatro cartas, do tamanho de um baralho.

-- Vamos começar falando de sua visão de curto e longo prazo.

E eu, bem preparado que estava, imediatamente tomei um fôlego e já ia desandar a relatar minhas fantásticas experiências anteriores quando o seu Freitas pediu:

-- Escolha uma dessas quatro cartas. A que mais combina com seu perfil.


Cada carta tinha uma frase:

"Sou melhor executor do que planejador."

"Gosto mais de planejar do que de executar."

"Tenho certas deficiências em ambas as coisas."

"Planejo e executo muito bem."

Não era logo na primeira questão que eu ia começar a revelar certas fraquezas funcionais. Por isso escolhi, rapidinho, a última carta. E já estava preparado para defender meus predicados quando o seu Freitas puxou outro pacotinho de quatro cartas.

-- Certamente, você tem expectativas quanto a seu futuro aqui conosco.

-- Certamente. Eu...

-- Então escolha uma carta.

"Sou ambicioso, mas não sou muito criativo."

"Sou criativo, mas não tenho muita ambição."

"Eu poderia ser mais criativo e gostaria de ter mais ambição."

"Criatividade e ambição são dois de meus pontos fortes."

Dei uma titubeada, mas escolhi a carta que mais combinava comigo. A última. E a entreguei a seu Freitas com minha melhor cara de insinceridade conveniente. O seu Freitas então colocou as duas cartas que eu havia escolhido sobre a mesa, lado a lado, e guardou na gaveta as que eu havia descartado.

E puxou o terceiro pacotinho. E eu comecei a suar frio. No total, foram oito pacotinhos de cartas e, quando eu escolhi a última delas, o seu Freitas pediu que eu lesse as oito escolhidas, em voz alta.


Enquanto eu lia, comecei a perceber que aquele não era exatamente o meu perfil. O que eu estava descrevendo era mais ou menos um cruzamento entre Napoleão e Einstein com toques de Madre Teresa de Calcutá.

Lá pela sexta carta, eu pensei em jogar aquela baralhada para o alto e confessar a seu Freitas que eu não gostava muito de trabalhar em equipe. E que também não era lá essas coisas na linha de frente. Além de ser péssimo em matemática. Sem mencionar que eu não cortava as unhas com a freqüência necessária. Mas entrevista é entrevista, e eu, com algum esforço, concluí a leitura.

Claro que não fui o escolhido. Aliás, como nunca mais vi o teste das cartas ser usado por nenhuma outra empresa até hoje, minha conclusão é que ninguém foi escolhido, e mais: tenho quase certeza de que a empresa do seu Freitas faliu por falta de funcionários, já que o teste "pega-mentiroso" simplesmente eliminava todo e qualquer candidato.

Mas nem por isso eu deixei de aprender uma valiosa lição: enrolar em entrevistas não leva a nada. Por que eu estou contando tudo isso? Porque faz um mês eu recebi uma mensagem urgente de um leitor, o Welberson Dantas, de Niterói, que iria participar de um processo de seleção e me pedia dicas de como se comportar.

Eu relatei ao Welberson o episódio das cartas, falei de minha frustração por ter tentado camuflar minhas deficiências e concluí com uma sugestão: "Em uma única palavra, Welberson -- sinceridade".

Uma semana depois, o Welberson me escreveu de novo. Todo feliz, agradeceu minha dica e contou que havia se saído muito bem no primeiro dia -- que começou com uma dinâmica de grupo em que cada candidato tinha de atravessar a sala o mais rápido possível, carregando uma bandeja com quatro copos cheios de água.

E, por não derrubar nenhum copo e conseguir o melhor tempo -- sinal de concentração, foco e equilíbrio, segundo a dinâmica --, o Welberson passou para a fase seguinte. Uma redação, cujo tema, bastante apropriado para o atual momento corporativo, era: "Se você estivesse sozinho no deserto e dispusesse apenas de uma colher e de um isqueiro, o que faria?"

E o Welberson, sei lá como, conseguiu convencer quem avaliou sua redação de que não só sobreviveria com os ditos utensílios como ainda construiria uma pirâmide. E se classificou para a última fase do playoff, a da entrevista cara a cara. Aí, entusiasmado, me escreveu pedindo novas dicas.

Foi então que eu finalmente me rendi às modernas técnicas de avaliação de candidatos e respondi sugerindo: "Em uma única palavra, Welberson -- embaixadinhas".

Max Gehringer (max.g@uol.com.br) é autor do livro Máximas e Mínimas da Comédia Corporativa

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