Revista Exame

A Houston de carona na novela das oito

Pouca gente conhecia a Houston fora do Piauí. A solução foi transformar suas bicicletas em coadjuvantes do folhetim mais popular da TV brasileira

João Claudino Júnior, fundador da Houston: formado em administração pela Universidade do Sul da Califórnia e em economia pela Universidade da Califórnia (Ucla) (Germano Lüders/EXAME.com)

João Claudino Júnior, fundador da Houston: formado em administração pela Universidade do Sul da Califórnia e em economia pela Universidade da Califórnia (Ucla) (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de agosto de 2011 às 16h12.

Expediente do dia 17 de maio terminou de forma incomum na fábrica de bicicletas Houston, em Teresina, capital do Piauí. Em vez de voltar para casa, mais de 300 funcionários se dirigiram ao pátio da empresa, onde foram servidos com comida e bebida até que começasse o primeiro capítulo da novela Passione, da TV Globo.

Assim que a novela começou, o vozerio deu lugar ao silêncio, e todos passaram a seguir os dois telões de 150 polegadas instalados no pátio da empresa. No quarto bloco, enfi m, a atriz Fernanda Montenegro, encarnando Bete Gouvêa, quatrocentona que controla uma fi ctícia fábrica de bicicletas em São Paulo, disse duas frases que desencadearam gritos e abraços entre funcionários e convidados: "Há também nossa parceria com a maravilhosa Houston. A Houston é importante para nós".

Para 30 milhões de telespectadores, Houston era uma invenção do autor Sílvio de Abreu. Para o empresário João Claudino Júnior, presidente da Houston, as frases marcavam a estreia de sua empresa no horário nobre da televisão brasileira. Fundada por ele há dez anos, a Houston tornou-se vice-líder em vendas, atrás apenas da Caloi, mas ainda é (ou era) uma desconhecida no Sudeste, o maior mercado do país. "Quero torná-la conhecida e liderar as vendas", diz Claudino.

Nos últimos quatro meses, além de Fernanda Montenegro, os atores Reynaldo Gianecchini e Rodrigo Lombardi vêm se alternando em frases como "A bicicleta deles é boa mesmo". "Deles", no caso, se refere à Houston. Ao longo da trama, que vai ao ar até janeiro, o logotipo da empresa será exibido nove vezes, fora as citações da marca em diálogos, o que deve ocorrer em algumas dezenas de capítulos — é Sílvio de Abreu quem decide quando deve usar o nome da empresa.

Embora ninguém revele o valor do contrato,
EXAME apurou que o pacote não sairá por menos de 6 milhões de reais — inserções isoladas de merchandising nas novelas da emissora custam entre 500 000 e 800 000 reais. Durante a negociação, acertou-se também que a fábrica, em Teresina, seria cenário de algumas gravações. Ao contrário do que se vê na maioria dos casos de merchandising, em que os produtos aparecem de maneira forçada, em cenas fora de contexto, a Houston figura como um ente da trama. Representa a concorrente da empresa controlada pela protagonista de Passione.


Em dez anos, a Houston saiu da irrelevância para a vice-liderança do mercado brasileiro. Em 2009, a líder Caloi vendeu 700 000 bicicletas, enquanto a Houston vendeu 650 000. No começo, a empresa dos Claudino cresceu graças às vendas no Nordeste, valendo-se da vantagem de não arcar com os altos custos de transporte que pesam para as concorrentes da Região Sudeste.

A diferença de preço também ajudou a Houston a avançar sobre o mercado informal — metade dos 5,3 milhões de bicicletas vendidas por ano no país é montada em lojas irregulares. A Houston ainda aproveitou o espaço deixado pelas combalidas Monark — que hoje fabrica apenas cinco modelos, ante 60 da Caloi e 40 da Houston — e Sundown, em crise desde 2006, quando seus sócios foram condenados por evasão de divisas.

O passo seguinte para Claudino foi entrar no mercado de produtos mais sofisticados — no qual impera a concorrente eternizada pela frase "Não esqueça a minha Caloi". Transformar-se em coadjuvante na novela das 8 surgiu como uma possibilidade de encurtar o caminho. Foi o autor, Sílvio de Abreu, quem concebeu a Skinny Top.

Na fi cção, a bicicleta é criada pela Metalúrgica Gouvêa, mas, depois de ser sabotada por um dos herdeiros da própria empresa, é repassada à concorrente Houston e se transforma num sucesso de vendas. Na vida real, a marca criada por Abreu foi licenciada pela Houston, que a lançou no mercado ao preço de 700 reais — o dobro da média das bicicletas da empresa.

"A parceria foi além do esperado", afirma Souza Júnior, sócio da agência Consumídia, que apresentou a proposta de merchandising à Houston e à Globo depois de ler a sinopse da trama. Nascido em Cajazeiras, no sertão paraibano, e criado em Teresina, Claudino Júnior é o quarto de cinco filhos do empresário João Claudino, dono de um conglomerado de 17 empresas, o Grupo Claudino, que faturou 2,5 bilhões de reais em 2009.

Claudino, o fi lho, formou- se em administração na Universidade do Sul da Califórnia e em economia na Universidade da Califórnia. Em 1993, ao voltar para o Brasil, assumiu as importações do Armazém Paraíba, rede de varejo do grupo fundado pelo pai. Foi nessa época que percebeu que o frete da Região Sudeste e de Manaus encarecia signifi cativamente o preço das bicicletas, produto utilizado como meio de transporte no Nordeste e importante no faturamento da rede de varejo do grupo.

Inicialmente, avaliou montar bicicletas com peças importadas da China, mas concluiu que seria melhor produzi-las no Brasil. Em 2000, abriu a fábrica para fornecer às lojas do grupo Claudino. Hoje, a Houston vende suas bicicletas para redes como Casas Bahia, Walmart, Carrefour e Americanas.

Ciclismo em alta

A estratégia de marketing da Houston em Passione não tem retorno garantido.  O formato de merchandising adotado pela empresa foi pouco testado no país. A ação mais parecida ocorreu há cinco anos, quando a fabricante de lingeries Valisere fi gurou na novela global Belíssima como concorrente da empresa da personagem vivida também por Fernanda Montenegro.

"A Valisere aumentou muito as vendas naquele período, mas a marca já era conhecida e a ação foi coordenada com publicidade, o que a Houston não tem feito", diz Karina Daidone Pimentel, professora de propaganda da Universidade Paulista, que destrinchou o caso Valisere em uma dissertação de mestrado. A Caloi — a primeira empresa procurada diretamente pela Globo — recusou a proposta por outro motivo.

"A audiência da novela não reúne uma parte representativa do nosso público-alvo", diz Juliana Grossi, diretora de marketing da Caloi. "Mas é verdade que a novela vai promover o ciclismo e, consequentemente, aumentará as vendas de todo o setor." Sinal de que a corrida para a Houston pode ter um final feliz.


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