João Ramos, produtor no Amazonas: a adoção de sistemas agroflorestais gerou ganhos no plantio de café (Divulgação Idesam/Exame)
Renata Vieira
Publicado em 29 de junho de 2017 às 15h00.
Última atualização em 30 de junho de 2017 às 14h27.
Amazonas — Cerca de 60% das áreas desmatadas da Amazônia são ocupadas por pastos. É o resultado de uma herança histórica. Por décadas, a derrubada de florestas funcionou como instrumento de ocupação do território brasileiro. O lema “integrar para não entregar”, que ganhou força durante o governo militar, instituiu a cultura da pecuária extensiva, que vê a terra como uma espécie de matéria-prima infinita. No entanto, a história do agricultor rondonense João Ramos, de 40 anos, mostra que é possível reverter essa lógica.
De Porto Velho, Ramos migrou para o município amazonense de Apuí, no sul do estado, em 2003, numa das últimas levas de pequenos produtores que chegaram à região em busca de um lote de terra num assentamento da reforma agrária. Com cerca de 600 000 hectares de extensão, a área começou a ser aberta em 1983 com a promessa de alocar 7 500 famílias do sul do país e, mais tarde, do estado vizinho, Rondônia.
Até o começo da década de 80, o município nem sequer existia. Hoje, Apuí é o segundo maior responsável pelo desmatamento do estado, atrás de Lábrea. Assim como a maioria de seus pares, Ramos se viu estrangulado pelo modelo da pecuária extensiva dominante na região. A prática degrada o solo em poucos anos e só se torna viável com a abertura de mais áreas de floresta. Os mais de 3 000 assentamentos da Amazônia responderam por 28% das derrubadas em 2016.
Para fugir da armadilha da pecuária extensiva, a empreitada de Ramos em Apuí se deu com a lavoura de café. O solo fraco e a incidência de fungos na plantação, como a broca, ainda o mantiveram numa situação de penúria por muito tempo. Em 2012, porém, com a ajuda do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), ONG que se dedica a promover a produção sustentável na região, a lavoura finalmente vingou — dessa vez, com um sistema agroflorestal.
A aplicação de uma série de tecnologias simples de controle biológico de pragas e de seleção das melhores mudas de café, associada ao plantio consorciado do grão com árvores amazônicas, fez a produtividade dobrar de 15 para cerca de 30 sacas por hectare ao ano. “A lavoura sombreada permite que o grão se desenvolva melhor”, afirma Ramos.
O produtor faz parte de um grupo de 54 assentados de Apuí que estão conseguindo escapar da sina da miséria e do desmatamento que impera no assentamento. O catarinense Adelário Ronnau, de 52 anos, também ilustra essa transformação. Em Apuí há mais de 30 anos, ele chegou a abandonar a pequena propriedade para, numa área maior, ganhar a vida com a pecuária.
Na época, sem documentação da nova terra, Ronnau desmatou ilegalmente e foi sufocado pelas multas do Ibama. Também sofreu com o baixo retorno de uma produção de gado extensiva. Em 2013, decidiu voltar ao lote menor, de 80 hectares, e passou a se dedicar à pecuária leiteira num sistema intensivo, com mais animais por hectare em pastos cercados por centenas de espécies de árvores nativas, como andirobas e paricás. “A qualidade do capim melhorou 100%, e estamos dando escala a uma produção própria de laticínios”, afirma Ronnau.
Experiências como essas, no entanto, ainda são exceção. “Enquanto não apostarmos em assistência técnica de qualidade e crédito focado em sistemas produtivos inteligentes, não vamos conseguir dar escala a um modelo rural que valorize a floresta”, afirma Mariano Cenamo, pesquisador do Idesam.