Revista Exame

Como salvar a economia brasileira

É preciso ter visão, coragem e determinação para transformar nossas fragilidades fiscais e financeiras em impulsos de recuperação


	Fábrica da Fiat: a indústria automobilística eliminou milhares de postos de trabalho em 2015
 (Germano Luders/Exame)

Fábrica da Fiat: a indústria automobilística eliminou milhares de postos de trabalho em 2015 (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 09h06.

São Paulo — Todos sabemos que 2016 será um ano perdido. será mesmo? Recapitulemos. A rápida e perigosa deterioração do ambiente de negócios e da confiança da população não permite um prognóstico melhor do que um melancólico prosseguimento do recuo monumental do PIB de 2015. A imagem do país no exterior virou um borrão.

E ainda nos arriscamos a comprometer as chances de uma recuperação significativa até o fim da década. Nada indica, se prosseguirem as limitações atuais, que o Brasil vá crescer mais do que um aguado 0,5% ao ano na média entre 2015 e 2019. E isso se houver um movimento favorável do pêndulo político nas eleições gerais de 2018.

Algo de maligno parece nos haver acometido — a tal herança maldita talvez tenha, finalmente, nos atropelado no meio da avenida.

O mais preocupante são as prováveis repercussões em cadeia da magnitude da contração do consumo privado, estimada em 4,5% em 2015, acompanhada da eliminação de quase 950 000 postos de trabalho até novembro, e, sobretudo, do drástico recuo da produção industrial, em quase 8%.

Mesmo com a significativa vantagem propiciada pela moeda desvalorizada, a indústria tem respondido palidamente, num claro sinal de que o elemento de confiança, vital para a retomada dos investimentos, não foi resgatado.

Nem seria possível falar em confiança alguma em 2015. A política fiscal foi destroçada — não há exagero no termo —, enquanto a contribuição da política monetária passou a mostrar sua perversidade financeira.

O fim da festa 

Com o fim do extenso ciclo de altos preços das commodities, agora sabemos que não estamos imunes ao contágio da crise recessiva planetária. Desde 2014, os efeitos do estouro da bolha financeira mundial também atingiram em cheio os Brics — entre eles, o Brasil. Com o crescimento da China caindo pela metade, era de esperar uma trava de longa duração no crescimento brasileiro.

Acontece que a reação da economia doméstica tem sido bem pior do que se previa. Portanto, devem ser outros tantos os fatores que se conjugam ao enfraquecimento do comércio exterior para prolongar o prognóstico da crise e nos despertar — quem sabe, a tempo — para a elaboração de um plano de resgate muito mais amplo e decisivo da economia nacional.

Antes de falar de resgate, é importante perguntar que outros elementos de agravamento da crise em 2016 seriam esses. Muito claramente, o notório fator de piora do quadro geral é o próprio médico chamado para curar a doença: o Estado brasileiro. Com seu enorme sobrepeso fiscal e financeiro, o setor público tornou crítica a situa­ção da economia interna e impossibilita a reação dos investimentos privados.

Dito de forma direta e clara, o alto custo imposto à sociedade para continuar financiando os desequilíbrios fiscais, sobretudo no governo central, torna proibitivo o investimento no setor produtivo.

Com a carga tributária vigente, o retorno normal dos negócios é prejudicado diretamente; por outro lado, a burocracia e os juros são muito mais elevados do que a rentabilidade esperada pelas empresas (veja quadro na pág. 43).

Subsídios diretos à produção e a desoneração pontual de tributos, usados à exaustão no primeiro mandato da presidente Dilma, tornaram-se um veneno fiscal por solapar ainda mais a cambaleante sustentação das finanças públicas. Essa foi a cortisona que o médico nos aplicou para enganar os sintomas da enfermidade. Com isso ganhou-se precioso tempo, e “eles” faturaram uma eleição, mesmo assim apertada.

Agora a repetição da dose só nos levaria ao óbito. O governo sabe que a festa das commodities acabou. Nem por isso consegue sair do impasse. Por quê? É que o doente passou do estágio convencional. É caso de UTI, de medidas radicais, ousadas. Ajuste fiscal é o nome da aspirina que vem sendo ministrada.

Erro fatal. Apenas uma mudança de 180 graus na abordagem da doença trará a eventual recuperação do paciente. O “ajuste”, qualquer que seja, é mero estágio no tratamento. É preciso poder mais. A conclusão é que, de fato, desse jeito não iremos a lugar algum em 2016.

Janelas de superação

O quadro fiscal dramático do país neste ano nos apresenta algumas janelas de superação. É preciso ter visão, coragem e determinação se quisermos transformar nossas fragilidades fiscais e financeiras em impulsos de recuperação. As chances são pequenas, por depender de um cenário político conflagrado e com muito maior possibilidade de se arrastar doentiamente.

No entanto, há algumas situações interessantes que ensejariam uma alteração radical da terapêutica. A chance está na própria situação-limite a que chegou o desequilíbrio orçamentário da União. O Orçamento Geral da União de 2016 não tem qualquer chance de ser cumprido, tal como a Comissão Mista do Orçamento curvou-se a aceitar.

A economia não produzirá a arrecadação oficialmente prevista, nem o Congresso votará as novas fontes de receita, como a CPMF, que constam na peça quimérica do orçamento de 2016.

A chance, muito pequena, é verdade, de sucesso fiscal em 2016 começaria por se definir e votar um orçamento sem as atuais vinculações legais e indexação ampla de rubricas, que nos levaram ao engessamento permanente do gasto.

As palavras-chaves para definir e votar o orçamento deveriam ser “flexibilidade” e “eficiência” — que, na ciência da administração, se entende também como “orçamento de base-zero”. Ou seja, um planejamento de execução orçamentária que, partindo do zero, tem flexibilidade absoluta para cumprir todas as tarefas necessárias.

Atualmente, o excesso de rigidez na aplicação dos orçamentos públicos provoca enormes desperdícios. “Normas de desconfiança” sobre a capacidade administrativa dos gestores públicos foram inscritas na legislação, impedindo os administradores, por melhores que sejam, de alocar com flexibilidade as verbas fiscais.

Tudo isso se traduz em uma aplicação inadequada dos tributos arrecadados e também na grande ineficiência na prestação de serviços realmente essenciais. Com novos dispositivos na Lei de Diretrizes Orçamentárias e, no que couber, com emendas aos artigos constitucionais pertinentes, poderíamos trazer os remédios jurídicos necessários para dar concretude ao princípio constitucional da eficiência.

Isso traria ganhos imediatos de produtividade nas ações de governo e, indiretamente, até no setor privado, logo se refletindo no nível de investimentos e do emprego. O orçamento de base zero poderia acontecer ainda em 2016.

Falta a visão longa

O planejamento orçamentário federal exige, além de flexibilidade emergencial no ano que se inicia, normas estruturadoras de médio e longo prazo. O importante projeto de resolução do senador José Serra, que coloca um teto no endividamento federal, ainda em tramitação, deveria ser ampliado para adotar limitadores de rubricas do gasto corrente.

Além disso, para manter o alinhamento dos gastos públicos à real capacidade de financiamento pelos contribuintes, deve ser estabelecida uma regra de limitação do aumento do gasto corrente federal a uma porcentagem do crescimento médio do PIB nominal. Precisamos, enfim, adotar um orçamento com flexibilidade para se adaptar a cada ano e buscar metas plurianuais.

O que hoje a equipe econômica projeta como mero exercício de previsão de futuros superávits primários, dois anos à frente, propomos que seja adotado, formalmente, por períodos não inferiores a oito anos, cobrindo, portanto, dois mandatos presidenciais.

Com isso, na estimativa da RC Consultores, seria possível obter ganhos operacionais cumulativos de quase 200 bilhões de reais de 2016 a 2023, a preços atuais (veja quadro na pág. 45). As economias financeiras sobre os estúpidos encargos de juros seriam ainda mais relevantes.

Para isso, um ponto essencial será o trabalho de avaliação do futuro Conselho de Gestão Fiscal, bem como o apoio do Tribunal de Contas da União. O conselho, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, aumentará o grau de previsibilidade e credibilidade da política fiscal.

Na esteira da regulamentação do conselho, o programa estrutural do Orçamento Geral da União implicará a adoção de uma ampla agenda de reformas complementares, como o projeto de simplificação tributária irrestrita, em tramitação na Câmara.

Há também propostas de racionalização da legislação trabalhista, bem como o esboço de uma ousada “lei geral de desburocratização”, que melhoraria a economia e a vida do cidadão. Há, por fim, estudos do Movimento Brasil Eficiente sobre uma reforma no regime previdenciário, que implicará retomada do mercado de capitais como veículo de investimentos privados.

Sem amarras

Tantas propostas inovadoras, em andamento ou em estudo, se conjugadas a um programa estrutural sobre as despesas públicas baseado no orçamento zero, produzirão um impacto positivo na gestão e na eficiência do Estado. A melhor aplicação dos recursos públicos e a retirada de importantes amarras ao crescimento econômico permitirão a superação mais rápida do atual quadro de estancamento econômico.

A contenção dos gastos públicos e a reativação da economia possibilitarão, num horizonte curto, a redução gradual da carga tributária, desonerando o setor privado e as famílias. A taxa de investimento nacional voltará a contar com uma poupança interna crescente, tanto no setor privado quanto no governo.

A redução gradual e consistente das taxas de juro e, consequentemente, dos encargos sobre a dívida pública (gasto estéril que hoje compromete cerca de 40% da receita tributária do governo federal) passará a ser um grande indutor do desenvolvimento do país.

A urgentíssima necessidade de moderação do juro básico nos remete à questão fundamental do outro programa orçamentário plurianual, o financeiro, dentro da nova gestão fiscal federal. Uma vez obtido o resgate da estabilidade, numa trajetória orçamentária plurianual, seria possível obter economias enormes do lado financeiro do orçamento.

Tanto a composição extremamente indexada da dívida federal como sua rolagem onerosa nos dão indicação da ineficiência da gestão financeira do Estado. Não fosse assim, não tería­mos o duvidoso mérito de sermos o país campeão do mundo em gastos financeiros sobre a dívida pública bruta por anos seguidos.

O mais grave: em 2015, devemos ter superado os 9% do PIB em encargos financeiros públicos, representando um ônus muito superior ao que seria plausível esperar de um país que nem consta na lista dos mais endividados ou inseguros, política e financeiramente. Essa grave distorção nos custou um “excesso” de encargos da ordem de 3,5% do PIB no ano passado — um pagamento superior a 200 bilhões de reais.

Esse é o tamanho da economia potencial de recursos que podemos obter se conseguirmos implantar uma política fiscal mais rigorosa, aliada a uma política monetária menos gravosa. Uma parte substancial desses recursos bilionários, agora desperdiçada, poderia ser economizada e destinada à reconstrução da estabilidade fiscal do país e de sua prosperidade sustentada.

Como dissemos, 2016 será decepcionante apenas se a sociedade não conseguir vocalizar seu anseio por melhor oportunidade de progresso sustentado. A vontade está lá. Mas é difusa, daí se aproveitando os que tudo têm a perder se a hora da virada soar.

Muito pagamos pela boa sorte imerecida de uns poucos. Mas a cara de 2016 pode mudar. Afinal, o novo ano, carrancudo e duro, está apenas começando. Humor se troca. Confiança se reconstrói. Com jeito, aliás, se consegue trocar quase tudo que precisa ser trocado. Inclusive nosso destino recessivo.

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