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Como a Natura quer explorar a Amazônia — Parte II

Há 12 anos a empresa passou a investir na região norte — e ganhou muito dinheiro. Resolveu dobrar a aposta. Nunca o futuro da Natura e o da Amazônia estiveram tão ligados

Laboratório de inovação da Natura (Divulgação)

Laboratório de inovação da Natura (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2011 às 16h43.

Belém - A 2 horas de carro e a 10 minutos de barco de Belém, no Pará, às margens do rio Moju, o ribeirinho Cândido Pereira, de 65 anos, discorre sobre a Natura. Ele conta que foi a empresa de cosméticos que fez com que as famílias da região passassem a gostar da palmeira de murumuru.

Até então, ela era um problema: seus frutos não são saborosos, tem espinhos, e ainda disputa terra e sol com o açaí, a queridinha da região. Por isso, atear fogo à espécie era uma prática comum. Há cinco anos, a Natura passou a comprar a amêndoa do murumuru para transformá-la em uma manteiga usada na composição de vários de seus produtos. Foi quando a palmeira feiosa virou dinheiro — o quilo de sua semente vale hoje 5,35 reais.

Longe dali, na cidade paraense de Altamira, seis cooperativas de produtores espalhadas ao longo da rodovia Transamazônica também estão ligadas à Natura. Neste ano, elas fornecerão à empresa 125 toneladas de cacau orgânico. Em 2007, as primeiras amostras entregues à companhia não atenderam às especificações técnicas. A Natura insistiu.

"Não se trata de uma simples relação comercial: você entrega o cacau e eu te dou o dinheiro", diz Alino Zavarise Bis, funcionário da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura, que trabalha com as cooperativas. "A empresa nos ajuda com treinamentos e logística."


O cacau hoje fornecido à Natura é o do tipo 1, o mesmo que as cooperativas também exportam para a Zotter, marca austríaca de chocolates gourmet. O mercado paga 5 reais pelo quilo do produto. A empresa paga 7,80 reais.

São dezenas as histórias que, como as duas mencionadas até aqui, poderiam ilustrar o vínculo que a Natura estabeleceu com a Amazônia. A empresa fincou o pé no Norte do país em 2000, quando lançou a Ekos, uma linha de cosméticos baseada no uso de ativos da biodiversidade brasileira.

Começava ali sua saga na região que, aos olhos da maioria das companhias de grande porte, não é vista como das mais favoráveis aos negócios. Para muitos, a Amazônia é sinônimo de falta de infraestrutura e mão de obra qualificada, um lugar onde a geração de riqueza se resume à exploração da pecuária, dos minerais e da madeira.

A Natura viu na região uma oportunidade diferente: a de explorar de maneira correta as riquezas da floresta tropical e, com isso, se diferenciar da concorrência e fortalecer sua marca. Passados 12 anos, os resultados financeiros aparecem. Em 2009, os produtos da Ekos representavam 20% de seu faturamento.

A participação atual não é revelada, mas especialistas em marketing afirmam que a Ekos é parte relevante das vendas de quase 7 bilhões de reais da Natura e que a marca confere um brilho único à sua imagem institucional. Atualmente, 1.495 famílias recebem, em média, 2.000 reais por ano ao fornecer ativos da biodiversidade para a empresa.

É muito pouco para o padrão das áreas mais dinâmicas do país, mas acima das opções existentes na Amazônia. “A agricultura de subsistência rende algo como 1 400 reais por ano”, afirma Raoni Silva, analista agroflorestal da Natura.


Em 2009, altos executivos da Natura e Guilherme Leal, um de seus fundadores, hoje copresidente de seu conselho de administração, começaram a se questionar se não era hora de dar um novo gás ao plano definido lá atrás. "Já ganhamos muito com a Amazônia e concluímos que deveríamos impulsionar mudanças mais profundas", diz Marcelo Cardoso, vice-presidente de desenvolvimento organizacional.

Sua frase é carregada do bom-mocismo que virou marca registrada da companhia. Intenções à parte, o fato é que a região, a despeito de suas mazelas e imbróglios, é hoje importante para o crescimento da Natura — e será ainda mais relevante no futuro. A Amazônia talvez seja o maior ativo brasileiro aos olhos do mundo, que ainda espera resultados palpáveis em termos de conservação.

Quem conseguir tornar viável o crescimento da região com respeito ao meio ambiente terá cada vez mais visibilidade — e isso vale muito. Para redefinir a estratégia para a Amazônia, em 2009 os executivos se dedicaram a aprender mais. Eles tiveram palestras sobre o tema com um grupo de especialistas na sede da Natura em Cajamar, região metropolitana de São Paulo.

Feito isso, viajaram à região para ver um pouco de tudo: a Amazônia desmatada, a que ainda está intacta, a urbana. Definiram, então, três frentes de atuação. A primeira, e mais óbvia, é aumentar a presença da Natura na região. Outra diz respeito à geração de pesquisa, ciência e inovação. A terceira frente é promover um fortalecimento do ambiente institucional — algo crucial para que as duas outras premissas se tornem possíveis.

No início deste ano, a Natura submeteu essas ideias a uma avaliação externa: 100 pessoas que se relacionam com a companhia na região, além de 20 especialistas, opinaram sobre a iniciativa, batizada de Programa Amazônia. Agora, a Natura começará a anunciar o que pretende fazer.


Em uma reunião do conselho de administração realizada no final de junho, ficou definido que a companhia deverá investir algo como 1 bilhão de reais até 2020 no programa. Até essa data, a Natura deverá comprar de produtores locais 30% da matéria-prima usada em suas linhas. Atualmente, essa participação é de 10%.

Até o final de 2012, a empresa deverá inaugurar em Benevides, na Grande Belém, uma fábrica para centralizar sua produção de sabonetes. Hoje, o que a Natura produz lá, em uma pequena unidade, é o noodle — a massa vegetal que responde por 90% da composição do sabonete.

É no Sudeste, porém, que empresas terceirizadas se encarregam da etapa final de fabricação. A nova fábrica de Benevides deverá ocupar 10% de um terreno de 172 hectares. Isso porque a Natura pretende ceder o restante do espaço para outras companhias interessadas na criação de um ecoparque — um condomínio industrial que obedece aos preceitos ambientais, como o de uso de energia renovável e de geração zero de resíduos.

Ainda no primeiro semestre de 2012, a empresa também terá seu primeiro grupo de pesquisadores sediados em Manaus — o número de profissionais não foi revelado. O que se sabe é que eles terão de ajudar a Natura, e também empresas de outros setores, a transformar a biodiversidade da floresta em produtos. "Nosso plano é que possamos criar demanda para beneficiar 10.000 famílias em 2020", diz Luciana Villa Nova, gerente de sustentabilidade da Natura.


Os pesquisadores trabalharão em rede com instituições de pesquisa da região, do país e do exterior. "Eles não estarão lá para desenvolver produtos, mas para descobrir o novo", afirma Victor Fernandes, diretor de ciência, tecnologia e conceitos da Natura. "Isso é muito difícil de fazer de Cajamar."

A segunda fase da saga da Natura na Amazônia está apenas começando, e ainda é muito cedo para dizer se ela vai render tanto quanto a primeira.

Mas especialistas em sustentabilidade enxergam importantes avanços em sua iniciativa. "A maioria das políticas públicas do país não é elaborada com essa cautela ou passa por uma consulta tão completa", diz Tasso Azevedo, consultor em florestas que participou das discussões.

Questionado sobre as chances de sucesso do programa, o presidente da Natura, Alessandro Carlucci, é cauteloso: "Se a gente vai conseguir o que queremos? Não sei. O certo é que vamos investir muito tempo e dinheiro nisso".

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