Arcangeli: "Não crio uma marca para ser vendida. Mas as oportunidades apareceram e eu decidi aproveitá-las" (Daniela Toviansky/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
Assim que terminou a faculdade de administração, aos 21 anos de idade, o paulistano Omilton Visconde Junior sabia exatamente qual seria seu primeiro desafio profissional: trabalhar num pequeno laboratório recém-comprado por seu pai. Pouco tempo depois, seus irmãos mais novos, Henry e Marcel, seguiram o mesmo caminho. Com a morte repentina do chefe da família, nos anos 90, os três tiveram de assumir definitivamente o comando da operação — e conseguiram transformar a Biosintética no maior fabricante de genéricos do país. Cobiçada por concorrentes nacionais e estrangeiras, a companhia, que durante mais de duas décadas foi o centro das atenções dos irmãos Visconde, acabou vendida por 600 milhões de reais ao grupo Aché em 2005. Subitamente, Omilton, Henry e Marcel — todos eles na faixa dos 40 anos de idade — viram-se com uma bolada no bolso. Sem nenhuma vocação para aposentadoria precoce, eles logo perceberam que seria preciso recomeçar. Poucos meses depois, Omilton avaliou a possibilidade de reativar uma pequena divisão da Biosintética rejeitada na venda — a Glicolabor, produtora de soros hospitalares localizada em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, que na época estava praticamente inoperante. Em 2007, os primeiros frascos de soro saíram da fábrica de sua nova empresa, já rebatizada de Segmenta. Hoje líder nesse mercado, com 25% de participação, a companhia registrou um faturamento de 144 milhões de reais em 2009. “Fiquei nove meses sem colocar a mão na massa. Não aguentava mais ficar parado”, diz Omilton, presidente da Segmenta. Embora também sejam acionistas, seus irmãos não participam da gestão.
Com a criação da empresa, Omilton entrou para o time crescente de empreendedores seriais brasileiros. Essa turma vende suas empresas para, logo em seguida, montar outra empreitada em sua antiga área de atuação — muitas vezes com fôlego para atrapalhar as mesmas concorrentes do passado. É um movimento que ganha impulso à medida que aumentam as transações de compra e venda de companhias no país. Segundo dados da consultoria KPMG, o volume dessas operações vem crescendo rapidamente e deve atingir um nível recorde neste ano. A estimativa é que se chegue a 710 transações — 60% mais em relação a 2009 e mais que o dobro dos negócios registrados há uma década. Em 2009, 15% dos brasileiros entre 18 e 64 anos estavam envolvidos na criação de novas empresas. Trata-se do maior índice dos últimos dez anos. Um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade identificou a proporção de empreendedores seriais nessa massa. Segundo a pesquisa, 32% dos empresários que abriram uma nova empresa em 2007 já tinham vendido pelo menos outra companhia antes. No ano seguinte, esse percentual de reincidentes chegou a 36%. Trata-se de um ciclo comum em países com economia madura. Um dos casos emblemáticos é o do americano Elon Musk, um inveterado empreendedor de empresas de tecnologia. Na década de 90, ele criou a rede social Zip2 e o sistema de pagamento eletrônico PayPal com um investimento de menos de 1 milhão de dólares. As duas empresas foram vendidas por cerca de 2 bilhões de dólares. Hoje, Musk é dono da badalada fabricante de automóveis elétricos Tesla Motors e da SpaceX, empresa de turismo aeroespacial, que lançou seu primeiro foguete em junho. “Quem empreende uma vez dificilmente fica parado depois”, diz Luís Motta, sócio da KPMG no Brasil. “Um mercado aquecido cria um ambiente favorável à renovação do empreendedorismo e é isso que está acontecendo no Brasil agora.”
Os empreendedores reincidentes têm a seu favor diversas vantagens em relação a quem começa do zero. Uma das mais óbvias é o dinheiro na mão. Omilton investiu cerca de 40 milhões de reais do próprio bolso na criação da Segmenta. O BNDES entrou com o mesmo valor, um montante que dificilmente um novato conseguiria levantar com o banco. Outros trunfos do empresário experiente são o conhecimento dos mecanismos do setor e a conexão com profissionais tarimbados. Para criar a Segmenta, Omilton buscou no mercado alguns executivos de sua antiga companhia. Hoje, dos quatro diretores da nova empresa, três são ex-Biosintética. “Fui atrás das pessoas em quem confiava”, diz.
Invariavelmente, os empreendedores seriais têm o perfil de quem gosta de colocar a mão na massa. É o caso da paulistana Cristiana Arcangeli. A empresária começou sua carreira de empreendedora ao criar a marca de xampus Phytoervas em 1986, com apenas cinco funcionários em um pequeno escritório em São Paulo. Em 1998, já com mais de 600 empregados, a empresa foi vendida à Bristol-Myers Squibb por 30 milhões de reais, segundo informações da época. (A empresária não confirma esse valor.) Depois, Cristiana criou uma importadora, a PH Arcangeli, e a loja de cosméticos Phytá — ela se desfez de ambas em 2006. No ano seguinte, fundou a marca de xampus e condicionadores Éh em parceria com João Alves de Queiroz Filho, dono da Hypermarcas (ex-dono da Arisco, Júnior, como o empresário é conhecido, é um dos mais bem-sucedidos empreendedores seriais do país). Em 2008, Cristiana decidiu vender sua participação de 50% na empresa ao sócio por 7 milhões de dólares. Neste ano, partiu sozinha para uma nova empreitada — a Beauty’in, empresa que produz bebidas e balas à base de colágeno, na qual investiu 10 milhões de reais. Em todos os casos, ela sempre esteve à frente de detalhes do negócio, desde a concepção dos produtos até a definição das campanhas publicitárias. Na Beauty’in, Cristiana se envolveu diretamente até com o design das embalagens dos produtos. “É maravilhoso começar algo do zero, pensar em cada detalhe e ver o produto materializado nas suas mãos. Para mim, é a parte mais estimulante de todo o processo de criação de um negócio”, diz.
Em alguns casos, recomeçar não é exatamente uma escolha. Até pouco tempo atrás, o engenheiro Antonio Setin, de 54 anos de idade, não imaginava que empreenderia novamente. Em 2007, quase três décadas depois de fundar a construtora que levava seu sobrenome, ele decidiu vendê-la à concorrente Klabin Segall. O empresário recebeu 97 milhões de reais em dinheiro e outros 100 milhões em ações da Klabin Segall — além disso, ficou com o cargo de diretor de novos negócios e ganhou uma cadeira no conselho de administração da empresa. “Estava feliz como sócio, não me imaginava me dedicando a outra companhia”, diz ele. O problema é que a crise internacional iniciada em 2008 atingiu em cheio a Klabin Segall. Com uma dívida de 600 milhões de reais e sem perspectiva de reforço de caixa, sua venda tornou-se inevitável. O comprador, o espanhol Enrique Bañuelos, da Veremonte, pagou 3,30 reais por ação — uma pequena fração dos 17 reais que o papel valia quando Setin se desfez de sua construtora. Assim que assinou a papelada, ele embarcou para a Europa para uma viagem de 20 dias de férias. “No 15º dia, eu já estava desesperado para voltar a trabalhar”, diz o empresário, que decidiu reativar a empresa que havia fundado nos anos 70 (na negociação com a Veremonte, ficou acertado que os vendedores não precisariam cumprir a cláusula de não concorrência). Para isso, o empresário utilizou terrenos próprios que não haviam entrado na negociação com a Klabin Segall e definiu que a nova empresa trabalharia apenas com incorporação. Recriada em janeiro de 2010, a Setin possui projetos de lançamentos com valor estimado em 400 milhões de reais neste ano. Seu banco de terrenos deverá contabilizar um montante equivalente a 2 bilhões de reais até o final de 2011. “Ganhar dinheiro sem colocar a mão na massa não é comigo”, afirma o empreendedor. “Não é só o dinheiro que importa, é a realização.”