Fábrica da Whirlpool em Joinville (SC): as vendas de geladeiras e fogões da empresa caíram cerca de 10% no primeiro semestre de 2014 (Raphael Gunther/EXAME/Exame)
Da Redação
Publicado em 23 de julho de 2014 às 16h39.
São Paulo - Os últimos meses têm sido difíceis para o operário José Gilberto Azevedo Dias, de 48 anos. Em janeiro, ele perdeu o emprego de metalúrgico na Torcomp, fabricante de autopeças de Barueri, na Grande São Paulo, onde trabalhava desde 2000.
“As encomendas vinham caindo desde o ano passado, e fui demitido com alguns colegas”, afirma Dias. Seu antigo empregador tem entre os clientes montadoras como Scania e Volvo. Caso as vendas não reajam, a empresa pretende demitir até dezembro 10% dos 240 funcionários restantes.
Hoje, Dias sustenta a família contando com o salário da mulher, auxiliar de enfermagem, e com o seguro-desemprego, que receberá até agosto — o casal divide uma casa no Jardim São Bento Novo, bairro da zona sul de São Paulo, com um filho de 22 anos e uma filha de 15. Dias está à procura de trabalho.
Enquanto não encontra, tem feito o possível para economizar no dia a dia. Ele cancelou o contrato da TV por assinatura e vai tirar a caçula do curso de inglês. “Não estou comprando nada que não seja muito necessário”, diz ele. “Minha ideia é reduzir as despesas até encontrar um emprego, o que está difícil de achar.”
O pessimismo de Dias não é sem motivo. Os dados mais recentes mostram que os principais indicadores nos quais a política econômica do governo ainda se sustenta — a geração de empregos e a expansão no consumo das famílias — estão fraquejando. A indústria vem gerando menos empregos desde 2010.
As empresas de serviços, que respondem por dois terços da economia brasileira e foram as principais criadoras de postos de trabalho no período recente, também estão gradualmente abrindo menos vagas.
“É natural uma desaceleração no número de vagas criadas à medida que a economia se aproxima do pleno emprego”, diz Paulo Caffarelli, secretário executivo do Ministério da Fazenda. “Não há perda de fôlego no mercado de trabalho.”
Não é bem assim. Em maio, o saldo entre empregos criados e demissões foi positivo em 59 000 vagas, o pior número para o mês em duas décadas, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Há poucas perspectivas de que os próximos meses sejam melhores.
Passada a Copa do Mundo, hotéis e restaurantes devem enxugar o quadro. Operários que continuam trabalhando nas obras no entorno dos estádios podem ser demitidos. Os economistas preveem que o desemprego vai subir no ano que vem — um aumento na taxa anual não é registrado desde 2009.
“Muitas empresas demoraram a demitir, mesmo com a economia em queda, porque tinham esperança de uma recuperação”, afirma Rodrigo Leandro de Moura, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas.
Num momento em que a inflação reduz o poder de compra das famílias — em junho, ela superou os 6,5%, teto da meta estabelecida pelo Banco Central —, a perspectiva de que o mercado de trabalho fique mais apertado refreou o ímpeto para consumir.
Um estudo produzido pela consultoria Tendências com exclusividade para EXAME dá ideia do que pode acontecer nos próximos cinco anos: na melhor das hipóteses, o varejo crescerá em média 3,2% ao ano, quase a metade do índice de expansão anual registrado de 2003 a 2014.
Já no cenário pessimista, as vendas deverão cair até 2019 — isso aconteceria no caso de uma conjugação de problemas tanto fora quanto dentro do país.
“Se a economia mundial passar por problemas, como uma desaceleração mais acentuada da China, ou o governo brasileiro mantiver uma política fiscal frouxa, o consumo não só vai parar de crescer como começará a cair, o que ocorreu no período de 2000 a 2003”, diz Adriano Pitoli, sócio da Tendências.
“De todo modo, o fato é que chegamos ao fim de um ciclo de consumo e agora temos uma chance considerável de passar por uma ressaca.” Caffarelli, do Ministério da Fazenda, discorda: “A melhora da distribuição de renda tende a manter o estímulo ao consumo nos próximos anos”.
Por ora, as empresas que dependem de crédito sofrem mais — nos últimos anos, o brasileiro se endividou e comprometeu, em média, um terço de sua renda. É o caso do setor automotivo, que viu suas vendas caírem no primeiro semestre deste ano 7,6% em relação ao mesmo período de 2013.
Um estudo da consultoria econômica FFA, de São Paulo, estima que haverá uma queda de 20% nas vendas de imóveis na capital paulista neste ano.
Outra empresa de análise, a BG&H, prevê que 30 dos 120 shoppings que estão planejados para entrar em operação no país até 2018 devem postergar a inauguração em ao menos um ano, à espera de um cenário melhor na economia. E, nos shoppings que mantêm o cronograma de inauguração, podem sobrar até 5 000 salões de lojas desocupados.
As empresas já tentam se adaptar a esse novo cenário. A fabricante de motos Honda, que detém 80% de participação no mercado, viu suas vendas recuarem 8% nos primeiros cinco meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.
“Cerca de 80% dos consumidores financiam a compra das motos”, diz Paulo Takeuchi, diretor de relações institucionais da Honda. “Do ano passado para cá, os bancos começaram a restringir o crédito, e isso afetou nosso desempenho.”
Para voltar a crescer, a Honda está retomando as vendas por consórcio, principalmente nos estados do Norte e do Nordeste. A empresa também busca se fortalecer entre os consumidores de maior poder aquisitivo, como alternativa ao mercado popular, em queda.
Desde meados de 2013, foram lançados três modelos da marca com motor acima de 500 cilindradas — a expectativa da Honda é, até 2016, aumentar dos atuais 31% para 50% sua fatia nesse segmento do mercado.
Entre os fabricantes de eletrodomésticos — um dos ramos mais beneficiados pela redução de impostos para empurrar o consumo — também há dificuldades. Na Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, as vendas caíram 10% no primeiro semestre de 2014.
“Em junho, tivemos de dar férias coletivas de 14 dias para metade dos funcionários”, diz Armando Ennes do Valle Júnior, vice-presidente de relações institucionais da Whirlpool. “Estamos esperando para ver como o mercado reagirá no segundo semestre. Dependendo do que acontecer, poderá ser inevitável demitir.”
Em parte, o fim do ciclo do consumo está relacionado a um comportamento quase esquizofrênico na condução da política econômica. Enquanto o Banco Central eleva os juros na tentativa de trazer a inflação para o centro da meta, o governo relaxa na política fiscal e estimula o consumo.
Dessa forma, não tem alcançado nem o crescimento mais forte nem o controle dos preços. As previsões para a variação do PIB neste ano estão agora sendo revisadas para menos de 1% de avanço. E os analistas já esperam crescimento minguado em 2015.
“Vamos começar um período de mediocridade no qual o Brasil dificilmente conseguirá crescer mais do que 2% ao ano”, diz Marcos Lisboa, vice-presidente da escola de negócios Insper. “Qualquer expansão maior resultará em mais inflação.” A propósito, o Ministério da Fazenda prevê 3% de crescimento em 2015.
O Brasil chega perto das eleições com a percepção de que os indicadores estão piorando. “O governo tentou manter o argumento insustentável de que a expansão do PIB não importava tanto quanto a taxa de desemprego baixa”, diz José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados.
“Mas, se o crescimento da economia fica próximo de zero, como está ocorrendo agora, o desemprego começa a subir.” Para sair dessa armadilha, será preciso fazer ajustes.
“Um deles é destravar os investimentos em infraestrutura para melhorar a produtividade das empresas e crescer sem gerar inflação”, diz Werner Baer, professor da Universidade de Illinois e autor do livro The Brazilian Economy, Growth and Development. Se isso não ocorrer logo, a ressaca pode ser prolongada.