Revista Exame

Chegou a era da gestão matemática

O especialista Ram Charan diz que as tecnologias capazes de processar um volume extraordinário de dados vão mudar a forma como as empresas são geridas

Ram Charan, consultor especialista em gestão (ROGERIO PALLATTA)

Ram Charan, consultor especialista em gestão (ROGERIO PALLATTA)

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Da Redação

Publicado em 2 de maio de 2015 às 05h56.

Última atualização em 12 de agosto de 2019 às 18h06.

São Paulo - Aos 75 anos, o indiano Ram Charan ganhou notoriedade ao se tornar conselheiro pessoal de executivos como A.G. Lafley, presidente mundial da Procter & Gamble, e Alan Mulally, ex-presidente da montadora Ford. Doutor pela Universidade Harvard, ele é um dos mais prolíficos pensadores de gestão da atua­lidade, com 15 livros publicados.

O mais recente, The Attacker’s Advantage (A Vantagem do Atacante, cuja versão em português deve ser publicada em maio pela editora HSM), acaba de chegar às livrarias americanas. Na obra, Charan defende que a gestão de empresas nunca mais será a mesma desde que surgiram tecnologias capazes de processar dados digitais numa escala inédita.

Não são só empresas de tecnologia, como Google e Facebook, que devem buscar algoritmos para oferecer novos produtos e serviços. Segundo ele, todas as companhias devem se preparar para usar a tecnologia para atender melhor o consumidor e prever tendências e mudanças de cenário. Charan deu a seguinte entrevista a EXAME.

EXAME - Em seu novo livro, o senhor defende que os algoritmos devem mudar a maneira como os executivos decidem. Por quê?

Ram Charan - Nunca houve tanta inteligência artificial disponível para tantas empresas. Com o cruzamento de um sem-número de dados, é possível obter diversas aplicações, desde detectar padrões de comportamento do consumidor até gerar informações necessárias para gerenciar automaticamente a manutenção de máquinas nas fábricas.

Os algoritmos estão mudando rapidamente a natureza dos negócios. É preciso levar essa inteligência para o topo das organizações. Num contexto em que as incertezas reinam, esse tipo de ferramenta se torna indispensável.

Ele permite detectar padrões e prever ameaças, e assim acender um alerta quando há algum perigo no radar. Quem conseguir aproveitar todas essas potencialidades sairá na frente dos concorrentes. Chegou a era da gestão matemática.

EXAME - Quais são os exemplos mais contundentes de empresas que já se comportam dessa maneira?

Ram Charan - A varejista Macy’s, por exemplo, está usando a tecnologia para unir as informações de vendas online com as de lojas físicas. Os algoritmos ajudam a cruzar dados de compras e estoques de modo que um consumidor possa comprar um produto na loja online e trocá-lo na física, se quiser.

A tecnologia ajuda a cruzar dados de geolocalização com o perfil dos clientes, permitindo que se façam ofertas específicas para cada um deles enquanto estiver dentro da loja. Outro exemplo é o da General Electric, que está criando uma divisão para lidar com análise de dados.

A GE montou um time no Vale do Silício para criar, para seus clientes, serviços de análise avançada capazes de prever quando um equipamento precisará de manutenção. No ano passado, dois terços das receitas já vieram de serviços baseados em patentes matemáticas.

EXAME - Para uma empresa que nunca pensou dessa maneira, qual é o melhor ponto de partida?

Ram Charan - Não adianta deixar esse conhecimento guardado num departamento. As tecnologias que estão mudando o mundo têm de estar sob controle direto do presidente da companhia. É uma alteração no topo, e não na base. Essas novas tecnologias estão modificando indústrias e são uma arma poderosa para proteger as empresas de mudanças de cenário repentinas.

EXAME - O senhor afirma que os executivos devem monitorar mudanças de cenário e ameaças o tempo todo. Como fazer isso na prática?

Ram Charan - Dedicar os 10 minutos iniciais de cada reunião de diretoria tem um valor simbólico enorme. É suficiente para deixar claro que mapear novidades deve ser uma tarefa de todos. O presidente mundial do fundo Blackstone, Stephen Schwarzman, faz isso toda segunda-feira de manhã.

Jack Welch, ex-presidente da GE, fazia o mesmo. O fundador e presidente da varejista online Amazon, Jeff Bezos, pergunta para seu time no início de cada semana: “O que podemos fazer melhor para o consumidor?” O lendário criador do gigante Walmart, Sam Walton, fazia algo parecido. Ele perguntava diariamente: “O que o consumidor quer e nós ainda não temos?”

EXAME - O senhor também prega mudanças nos indicadores de resultado dos executivos. Quais são elas?

Ram Charan - Os executivos devem ter indicadores externos — e não apenas medidas internas de desempenho. Não adianta mais somente medir se a participação de mercado foi atingida, se as vendas aumentaram na proporção desejada. É preciso verificar dados sobre o comportamento do consumidor. Quantos deles estão online? Quantos estão offline?

Manter o acompanhamento de dados externos que mostrem tendências e meçam até que ponto a empresa está acompanhando essas tendências. Poucas empresas têm essas métricas externas. Além disso, é necessário flexibilizar a discussão das metas. Em geral, elas são estabelecidas uma vez por ano, o que deixa a companhia inflexível. As empresas têm de ser ágeis atualmente — de outra forma, não sobrevivem.

EXAME - Empresas grandes costumam ser lentas. Como mudar esse fato?

Ram Charan - Companhias com muitos níveis hierárquicos têm a comunicação mais lenta. É preciso tornar os grupos de trabalho mais horizontais, organizá-los em times. É o modelo ao qual a nova geração de executivos se adapta melhor: eles não gostam de hierarquia e preferem trabalhar em times. Esse é o caminho.

EXAME - Seu primeiro artigo na revista americana Fortune, publicado nos anos 90, explicava por que os presidentes de empresa falham. De lá para cá, a rotatividade no topo só aumentou. Por quê? Os conselhos estão fazendo más escolhas?

Ram Charan - Num cenário de mudanças contínuas, está cada vez mais difícil ser o executivo certo por muito tempo. Junte-se a isso a pressão de investidores em busca de resultados de curto prazo e a receita estará pronta. Do ponto de vista dos executivos, não é mais suficiente tentar se adaptar à mudança. Para fazer a diferença, é preciso ser o protagonista da mudança.

EXAME - Recentemente, a gigante de consumo Procter & Gamble fez uma sucessão interna cuidadosa, que mesmo assim deu errado. O antecessor, A.G. Lafley, teve de abandonar a aposentadoria e voltar. Como evitar essas idas e vindas?

Ram Charan - O mais importante é corrigir erros. Reconhecê-los e corrigi-los o mais rapidamente possível.

EXAME - O senhor é conhecido como conselheiro de presidentes de grandes empresas. O que tem tirado o sono desses executivos?

Ram Charan - Os questionamentos mais frequentes dizem respeito às maneiras de tirar vantagem das incertezas. Todos querem fazer isso antes que os rivais o façam. A instabilidade chegou a um nível nunca antes visto. Está na economia. Ao mesmo tempo, a tecnologia destrói indústrias inteiras, e não apenas empresas. Os presidentes querem e precisam desenvolver o que chamo de vantagem dos atacantes.

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