Stefano De Angelis: o foco sai do chip no metrô para um pacote com a Netflix (Omar Paixão/Exame)
Lucas Amorim
Publicado em 12 de abril de 2018 às 05h01.
Última atualização em 12 de abril de 2018 às 05h01.
Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos. A década de crescimento econômico e ascensão da classe média, que terminou em 2014, deixou marcas profundas nas operadoras de telefonia. A ordem era crescer a qualquer custo, vendendo chips por preços irrisórios em bancas de jornais e estações de metrô. A operadora italiana TIM puxou e liderou esse mercado. E, assim como suas concorrentes, não alcançou os resultados esperados. A empresa reduziu investimentos no Brasil e, mais recentemente, deu uma reviravolta em sua estratégia, por aqui e no mundo.
O israelense Amos Genish, ex-presidente da Telefônica no Brasil, assumiu o comando global da TIM no ano passado para acelerar uma mudança que, por aqui, começou há dois anos, com a chegada do italiano Stefano De Angelis, que já foi diretor financeiro da TIM no país. A ordem é parar de correr atrás da liderança e se concentrar nos nichos de mercado mais rentáveis. Em 2017, o lucro da TIM, de 1,2 bilhão de reais, foi 64% maior do que o registrado em 2016. A margem operacional do último trimestre, de 41%, foi a maior da história. Em entrevista a EXAME, De Angelis fala da mudança cultural na empresa — e do interesse em comprar a concorrente Oi.
A TIM apresentou um plano de crescimento de três anos em que assume a meta de passar de uma operadora vista como barata para uma empresa focada em qualidade. Como se faz isso?
Essa é a parte mais importante de uma reestruturação que começamos há um ano e meio: sair de planos móveis pré-pagos que passavam a imagem de uma empresa em que a conveniência era um atributo mais forte do que a qualidade. Deu resultados no passado, mas o mercado mudou. Se há três anos a exigência básica era a voz, agora os clientes querem estar conectados 24 horas por dia. A banda larga fixa e móvel faz cada vez mais parte da rotina não só pessoal como profissional. Não é que a qualidade da TIM fosse um desastre, mas não era o foco de nosso posicionamento. Isso não tinha sustentação no médio e no longo prazo. Agora oferecemos mais qualidade e um preço justo. Não queremos mais ser a primeira operadora do país em número de clientes, mas, sim, ganhar relevância em pós-pago. Um marco foi o lançamento, no ano passado, do TIM Black, um programa focado no cliente corporativo. Não teríamos lançado se não estivéssemos seguros de nossa eficiência. Tivemos de melhorar muito, até porque esse posicionamento requer custos incrementais. Capturar um cliente pós-pago custa muitas vezes mais do que um pré-pago, que pode ser ativado numa banca de jornal com um chip de 10 reais. Conseguimos ser a empresa que mais cresceu em receita e em rentabilidade nos últimos dois anos.
A empresa demorou muito para dar esse passo e definir que qualidade era o fundamental?
A história da TIM no Brasil é de muita volatilidade em 20 anos. Eu trabalhei na TIM por aqui entre 2004 e 2007. Naquela época nós focávamos muito o pós-pago e o corporativo. Fomos a primeira empresa a lançar o BlackBerry no Brasil. Empresas grandes assinavam contratos só porque os executivos queriam o aparelho. Depois chegou a era do Infinity, que foi um êxito enorme, mas colocou a empresa de cabeça no pré-pago. A TIM se tornou líder no segmento pré-pago, só que essas são -ondas que têm um começo e um final. Agora, além de apresentar nosso plano pós-pago, já estamos correndo atrás também da onda de crescimento residencial, que deve ser a próxima.
O setor é tão competitivo que parece que as empresas entram sempre nas mesmas ondas. Todo mundo brigou pela liderança no pré-pago, e agora todas buscam qualidade. O que vai diferenciar a TIM da concorrência?
Os dois grupos que concorriam com a gente, a Claro e a Vivo, tinham uma vantagem, a operação fixa, com telefonia residencial e televisão. Com isso, por outro lado, elas têm a tendência de tentar segurar os clientes, enquanto nós podemos ser mais disruptivos. A Claro tem uma oferta de cinco pontos com um serviço bom, mas caro. Há muitos clientes das classes B e C que não querem gastar 300 reais por mês com banda ultralarga. É uma excepcional oportunidade. Nós passamos a oferecer, por exemplo, banda ultralarga em parceria com a Netflix. Não precisando fazer todos os investimentos que os concorrentes já fizeram, talvez possamos oferecer justamente o tipo de conteúdo que o cliente mais quer.
Já dá para chegar a esses clientes com preços competitivos?
Os custos tendem a cair. Imagine o in-vestimento para fazer uma instalação técnica de acesso na casa do cliente, com decodificador incluído. Isso exigia pacotes mais caros, com retorno só no longo prazo. Mas o mercado residencial mudou muito. A maioria dos clientes não precisa mais de um decodificador, já que tem Chromecast, Apple TV ou televisores inteligentes. Até o celular pode transmitir a Netflix na TV.
Essas mudanças tecnológicas farão o Brasil finalmente dar um salto em penetração e qualidade de banda?
Esperamos que sim, e queremos ser um ator relevante. Há uma parte importante do país que não tem cobertura ou que é atendida por operadores locais. Grandes provedores não têm uma oferta adequada às regiões mais afastadas. Nós podemos contribuir muito com nossa cobertura 4G, que chega a 96% da população. Até porque compramos uma capacidade que é igual em São Paulo e no interior da Bahia. E, por lá, vamos ter uma capacidade ociosa. Por que não usar isso para servir o mercado residencial com banda larga móvel? Queremos quadruplicar nossos clientes de banda larga residencial não só com acesso fixo, e não quadruplicando os investimentos.
Como mudar a cultura de uma empresa acostumada a competir por preço, e não por qualidade?
Numa empresa com 9 000 funcionários espalhados pelo Brasil, é preciso, primeiro, juntar os gerentes para apresentar o novo plano e começar a mudar a forma de trabalhar. Quando eu cheguei, havia muitos conflitos internos, o clima estava longe do ideal. O pilar mais importante, para nós, é o de accountability, ou seja, o sentimento de dono. Até distribuímos um livro para todos os funcionários, chamado Desculpability, justamente porque as pessoas se valiam da estrutura complexa para empurrar o problema para os outros.
Por que esse setor é sempre um dos campeões de críticas dos clientes?
Só aparecemos quando as coisas não funcionam. Em nenhum momento, de noite, chamamos o diretor de TI para agradecer porque deu tudo certo. Se há um problema até no aplicativo de mensagens, a culpa parece ser sempre nossa. Uma competição muito forte permitiu ao cliente ter sempre mais, não necessariamente pagando mais. E oferecemos um serviço que é parte da vida das pessoas. Qualquer problema de telecomunicações vira um problema vital. Falhamos como indústria ao não investir para melhorar a compreensão do cliente sobre os esforços que fizemos.
O tempo de guerra de preços ficou para trás?
Nosso serviço está se tornando cada vez mais uma commodity. Antes havia dezenas de tipos de chamada. Agora, a maior parte das operadoras tem chamadas ilimitadas para todas as concorrentes. Dois anos atrás, o pós-pago de entrada, de 99 reais, oferecia 2 gigabytes. Agora oferece 5. No futuro vai oferecer 7, depois 10, e vai chegar até o ilimitado, como nos Estados Unidos. A experiência do cliente vai ser cada vez mais relevante. Por exemplo, a possibilidade de mudar de plano sem ter de ir à loja. Ou não ter de assinar uma montanha de papéis para mudar de 5 para 7 giga. Isso terá um valor crescente.
O presidente mundial da TIM, Amos Genish, afirmou que a empresa pode voltar a analisar a compra da Oi. A TIM tem interesse na Oi?
Temos um plano relevante de investimentos que abrange 100% de nossa atenção. Não precisamos de uma fusão. Mas uma integração com a Oi poderia fazer sentido. É uma grande empresa móvel e uma grande empresa fixa com operação móvel. Mas hoje a Oi tem um perfil de investimentos em que os componentes financeiro, regulatório e jurídico são os mais relevantes. Não é o que entendemos como uma oportunidade. Daqui a alguns meses, provavelmente vamos descobrir quem são os acionistas da Oi. E teremos respostas para questões ainda a resolver, como a dívida de 10 bilhões de reais da empresa com a Anatel. Continuamos acompanhando a evolução da Oi, mas falta cumprir muitas etapas.