Loja do Carrefour em São Paulo: a investida de Abilio Diniz tornou real a chance de mudança do controle da companhia (Daniela Toviansky/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 23 de agosto de 2011 às 11h19.
São Paulo - Tédio, definitivamente, não consta da variada lista de itens que assombraram os mais de 70 000 funcionários da sede da subsidiária brasileira do Carrefour no Brasil nos últimos meses. Em meados do ano passado, a operação brasileira passou a ser investigada pela matriz e anunciou um rombo contábil de 1,2 bilhão de reais — devido a valores computados indevidamente.
Em seguida, sob a gestão do atual presidente da rede no país, o paulistano Luiz Fazzio, a subsidiária começou a passar por uma ampla reestruturação operacional — ainda em andamento. Agora, com a investida de Abilio Diniz, os empregados do Carrefour no Brasil foram confrontados com a possibilidade concreta de ter um novo dono.
No dia 4 de julho, os conselheiros do grupo na França aceitaram a oferta para a integração com o Pão de Açúcar e a posterior criação de uma nova empresa, chamada NPA.
Num primeiro momento, os controladores da NPA seriam o segundo maior acionista do Carrefour mundial, com 11,7% do capital — atrás do empresário Bernard Arnault, dono do grupo LVMH, e do fundo Colony Capital, que possuem 14%. Nos próximos anos, porém, a ideia era que a NPA chegasse a deter 18% de participação e assim superasse os demais acionistas.
Naquele momento, representantes do time que preparou a oferta afirmaram que já tinham até um novo executivo para comandar as mudanças operacionais da empresa no país — Claudio Galeazzi, sócio do banco BTG e ex-presidente do Pão de Açúcar.
De uma hora para outra, a possibilidade de ter um novo comando não se tornou apenas algo possível, mas ganhou nome e sobrenome. “As pessoas ficaram atônitas com a velocidade de tudo. É inevitável que esse tenha se tornado um assunto constante nos corredores”, diz um alto executivo da empresa.
Na tentativa de minimizar o efeito explosivo da notícia, o presidente mundial do Carrefour, o sueco Lars Olofsson, enviou duas cartas assinadas de próprio punho a respeito das tratativas. Ambas, traduzidas e repassadas por e-mail a todos os executivos, manifestavam o compromisso da matriz com a operação brasileira.
Tanta atenção à operação brasileira tem uma razão bem concreta. Nenhuma outra subsidiária do Carrefour no mundo hoje, além da China, cresce tanto quanto a brasileira. A rede avançou 5% no Brasil no primeiro semestre — enquanto caiu 8% no mundo.
Com vendas em queda na Europa, que concentra 75% das receitas, é no Brasil que estão depositadas as esperanças dos atuais acionistas. A vinda de Olofsson ao país estava prevista, mas foi cancelada com a retirada da proposta de fusão com o Pão de Açúcar.
Novas rotinas
Desde que assumiu a operação, em julho de 2010, com a missão de melhorar as margens da rede no país, o atual presidente Fazzio instituiu novas rotinas. A mais polêmica delas, sobretudo entre os veteranos, é o horário de chegada para o expediente na empresa.
Todos passaram a ser cobrados a comparecer no escritório a partir das 8 da manhã, enquanto antes era normal que os primeiros diretores só aparecessem 1 hora mais tarde.
Encontros para discussão de resultados às segundas-feiras — a exemplo do que faz o próprio Pão de Açúcar — também entraram para o dia a dia e reúnem num mesmo auditório, recentemente montado para essa finalidade, cerca de 100 executivos.
Para encontrar uma metáfora do momento pelo qual passava no fim do ano passado, Fazzio reuniu todos os diretores numa sala para discutir trechos do filme Alma em Chamas, com o ator Gregory Peck na pele de um militar com a missão de recuperar o ânimo de uma esquadrilha fracassada durante a Segunda Guerra Mundial.
A notícia das negociações que poderiam mudar o comando do Carrefour certamente não ajudou a segurar ou a atrair bons profissionais desde então. Dois cargos do primeiro escalão estão vagos há pelo menos três meses — as diretorias de marketing e recursos humanos.
“No meio do tiroteio, tornou-se muito difícil contratar um profissional do mercado para ocupar as posições”, diz um executivo de mercado. No fim do ano passado, a companhia já havia perdido dois executivos-chave para concorrentes — Ney Santos, diretor de tecnologia, e Belmiro Gomes, diretor comercial do Atacadão, ambos com destino ao rival Pão de Açúcar —, cargos preenchidos com promoção interna.
É fato que agora não ficou mais fácil também manter a atenção das pessoas numa mudança decisiva para o desempenho do Carrefour no país — a centralização das compras. Até há poucos meses, esse era o grande assunto do encontro semanal da empresa.
Mas agora Fazzio tem iniciado os encontros comentando as notícias mais recentes a respeito das negociações. Manter o foco das pessoas na reestruturação, porém, é fundamental. Trata-se de uma questão debatida há tempos na empresa, que manteve a independência comercial de suas lojas desde que se instalou no país nos anos 70. Por muitos anos, o modelo deu resultado.
Hoje, a autonomia das unidades atrapalha o ganho de escala e faz com que a rede perca diante de concorrentes que já operam no formato de negócios totalmente centralizado. Nesse esforço, Fazzio trocou 60% dos executivos de compras regionais.
Cada um deles passou a prestar contas não à diretoria operacional, mas, sim, à diretoria comercial. Parece uma diferença irrelevante, mas, na nova configuração, a cabeça comercial está na corporação, e não nas lojas.
“O Carrefour ainda busca mudar uma cultura de descentralização para se tornar uma operação mais eficiente”, afirma Silvio Laban, professor especialista em varejo do Insper. “Com a incerteza sobre uma possível negociação, novos projetos podem perder fôlego.”
A saída para manter o ritmo de crescimento é investir na abertura de lojas do Atacadão, de longe o modelo mais bem-sucedido da empresa no país. Neste ano, a rede — comprada em 2007 e que hoje possui cerca de 80 lojas — pretende abrir pelo menos 15 novos pontos de venda no Brasil.
Por outro lado, nenhum hipermercado será aberto — numa tentativa de não multiplicar um formato menos eficiente. Segundo executivos próximos às negociações, dados que serviram de base para cálculos de ganhos de eficiência numa eventual fusão mostram que os hipermercados da rede francesa no país têm margem operacional de 1% — no Pão de Açúcar, com a bandeira Extra, ela é de 7%.
Nos atacarejos, modelo popular de grandes lojas de baixo custo, a situação é inversa. O Atacadão tem margem de 6% — quase três vezes maior que a do Assaí, do Pão de Açúcar.
O modelo do Atacadão é um trunfo num contexto em que as tentativas da rede em melhorar os resultados de seus hipermercados no mundo parecem patinar — e ajuda a compor a lista de argumentos para a operação brasileira não ser vendida isoladamente. Outro atrativo local é o valor de uma base de imóveis próprios, que corresponde a 65% das lojas da rede no país.
“Sem o Brasil, as demais operações do Carrefour sozinhas não têm atratividade hoje”, diz um alto executivo da empresa. O Brasil, portanto, é o grande chamariz para interessados em fechar negócio com os atuais sócios do Carrefour.
Numa teleconferência em 13 de julho, o diretor financeiro da rede, Pierre Bouchot, afirmou a analistas que a empresa está aberta a estudar outras propostas semelhantes à oficialmente apresentada pela equipe do BTG.
“Discutir as saídas possíveis para que Abilio Diniz consiga articular um contra-ataque virou um dos esportes favoritos nos encontros de corredor”, afirma um diretor do Carrefour.
O banco de apostas também passa pela possibilidade de uma investida de outro histórico interessado na empresa francesa — o Walmart, maior rede varejista do mundo, com faturamento de 405 bilhões de dólares em 2010.
Ao dizer sim para o BTG, os acionistas do Carrefour deixaram implícita a mensagem de que trocar o comando é questão de tempo. O duro, para os executivos da empresa, é continuar trabalhando normalmente sabendo disso.