Revista Exame

Braço de higiene pessoal da J&F prepara sua volta a guerra

Depois de perder espaço nas principais redes varejistas, a Flora - irmã caçula da gigante JBS, inicia retomada.

Marino, da Flora: quatro das 17 marcas ganharam prioridade neste ano (Germano Luders/Exame)

Marino, da Flora: quatro das 17 marcas ganharam prioridade neste ano (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2016 às 17h04.

São Paulo — Um telefonema determinou o destino do paulistano José Vicente Marino em julho do ano passado. Do outro lado da linha, o amigo de infância Gilberto Xandó, presidente do laticínio Vigor, o convidava para conversar pessoalmente com o empresário Joesley Batista, presidente do grupo controlador da empresa, o J&F.

Marino acabara de deixar a vice-presidência de operações da fabricante de cosméticos Natura, após mais de sete anos na companhia. Batista precisava de um presidente para a Flora, fabricante de produtos de higiene e limpeza pertencente ao mesmo grupo, controlador do frigorífico JBS. Seis encontros depois, Marino assumia o cargo vago desde dezembro de 2012.

A proposta informal, feita sem a ajuda de consultorias, seguiu um roteiro já tradicional no grupo, que coleciona nomões como o do atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que relançou o Banco Original. A proposta costuma envolver carta branca e uma remuneração generosa que os executivos do grupo geralmente descrevem como “sem paralelo no mercado”. 

À frente da Flora há 11 meses, Marino tem a missão de ajudar a tirar a empresa de uma espécie de limbo. A partir de 2012, algumas de suas principais marcas simplesmente sumiram das grandes redes de varejo. É o caso das linhas de cuidados pessoais Ox e Francis, que deixaram de ser vendidas durante quase três anos nas lojas da bandeira Pão de Açúcar, do maior grupo varejista do país.

A participação de mercado da Flora em diversos segmentos ficou estagnada ou caiu. Francis, que já havia sido a terceira maior marca do mercado brasileiro de sabonetes, perdeu uma posição de participação de mercado em 2012 — e, de lá para cá, não a recuperou, segundo dados da consultoria Euromonitor. A missão de Marino é voltar a galgar posições.

Os primeiros resultados já começam a ser vistos, com a volta de produtos às principais redes varejistas. “As marcas têm reconhecimento do consumidor, mas estão adormecidas”, diz Marino, em sua primeira entrevista depois de assumir o posto. Até agora a trajetória da Flora destoa de outras incursões do grupo conhecido como vendedor de commodities no território dos produtos com marca.

É um esforço que se tornou mais nítido em 2013, com a contratação do ator Tony Ramos para as campanhas da marca de carnes Friboi. De lá para cá, as marcas Vigor e Seara, pertencentes ao grupo, entraram para o clube dos 100 maiores anunciantes do país, com um investimento superior a 200 milhões de reais por ano cada uma.

Enquanto as receitas líquidas da Flora estagnaram abaixo do patamar de 1 bilhão de reais nos últimos cinco anos (veja quadro na pág. 82), o faturamento do laticínio Vigor cresceu 11% desde 2014. As vendas da empresa de carnes processadas Seara, adquirida em 2013, melhoraram, ganhando uma posição de mercado. Alguns aspectos ajudam a explicar resultados tão distintos.

O primeiro está na complexidade do portfólio. A Flora tem 17 marcas. Boa parte delas foi incorporada à empresa de uma só vez. Fundada em 1980 para utilizar a gordura que sobrava do abate dos bois para fabricar o sabão Minuano e o sabonete Albany, suas primeiras marcas, a Flora cresceu repentinamente com a aquisição em 2011 das oito marcas da antiga divisão de higiene do grupo Bertin.

No mesmo ano, a empresa adquiriu a marca de sabão Assim e a de inseticida Mat Inset da Hypermarcas. O primeiro time de executivos contratados para tocar a Flora, liderado pelo ex-diretor da Ambev Eduardo Luz, não durou mais do que dois anos no cargo.

Divergências sobre o ritmo das mudanças, somadas ao avanço da concorrência, levaram a uma debandada dos seis executivos contratados naquela época. Joesley, presidente do grupo J&F, que controla empresas dos mais diferentes setores, ocupou interinamente a presidência da Flora, mas a ele não faltaram distrações.

O faturamento da Flora não chega a 1% das vendas da JBS, maior processadora de carnes do mundo, com receita de 163 bilhões de reais.

Ao mesmo tempo, o empresário teve de se ocupar com a defesa de uma série de acusações, entre elas a denúncia do Ministério Público Federal de crime financeiro em empréstimo do Banco Rural para a Flora. (Procurado pela reportagem de EXAME, Joesley não deu entrevista.) Aos poucos, porém, o empresário recompôs o time.

O primeiro a chegar foi o diretor financeiro Érico Arruda, da operação argentina da JBS. Sérgio Dantas, diretor comercial, foi contratado em julho de 2013, vindo da fabricante de bebidas Brasil Kirin. Ricardo Gobatto, diretor de vendas para produtos de limpeza doméstica, veio em janeiro de 2015 da Reckitt Benckiser, multinacional do mesmo setor.

Dessa vez, o tom da Flora é bem mais conservador do que foi no passado. Em 2011, a sede estava num imponente prédio na avenida Juscelino Kubitschek, na zona sul de São Paulo. Hoje ocupa parte do 2o andar da sede da J&F, na Marginal Tietê, uma área menos glamourosa da cidade.

Na primeira tentativa de turbinar a companhia, os executivos falavam em quintuplicar as vendas em cinco anos e criar uma “Unilever brasileira”. Agora a meta é que as vendas cresçam 25% em 2016. Desde o início de sua gestão, Marino tentou instaurar um senso de prioridade.

Quando chegou, o time de inovação preparava uma nova versão da pastilha adesiva sanitária Fluss, uma das categorias menos relevantes para a Flora. “Escolhemos quatro marcas com maior potencial de crescimento para investir mais agora”, afirma Marino. As duas primeiras da fila são também as maiores em faturamento — a linha de limpeza Minuano e a de produtos de higiene pessoal Francis.

As demais são as linhas de produtos para cabelos Ox e Neutrox. Para este ano, a empresa dedicará uma verba de publicidade 20 vezes maior em relação ao ano de 2013 e 32% maior em comparação ao ano passado. Uma das primeiras medidas foi eleger a marca Francis como guarda-chuva para “emprestar” credibilidade a marcas menores.

O desodorante Francis Hydratta, que chegou ao mercado em março, foi o primeiro lançamento do gênero. Ao mesmo tempo, a Flora preparou o relançamento do sabonete Francis, com nova fórmula e uma propaganda de TV que está sendo veiculada desde 16 de maio.

A marca Minua­no também ganhou nova campanha de TV, em parceria com a Rede Record, numa promoção que premia consumidores com carros e casas. As celebridades não fazem parte das campanhas atuais. Mas não estão descartadas no futuro. Antes de fazer mais barulho, a nova diretoria reparou problemas em outras duas áreas: distribuição e estratégia de preços.

Até março, as três fábricas tinham armazéns pequenos e, muitas vezes, era necessário parar a produção por falta de espaço para armazenamento ou de caminhões para entrega. Há dois meses um novo centro de distribuição foi construído junto à principal fábrica, em Goiás, com investimento de 22 milhões de reais.

Em paralelo, a estrutura de nove distribuidores aumentou para 32, para chegar a mais pontos de venda no interior. Com isso, a empresa já incluiu 30 000 novos pontos de venda em sua base de distribuição. Na nova fase, a Flora baniu descontos variáveis que vendedores davam livremente a distribuidores e varejistas e criou uma política única. Na revisão de preços, alguns produtos tiveram valores reajustados.

Para concorrer com líderes como Seda, da Unilever, o preço do xampu OX caiu pela metade, para cerca de 10 reais. “Desde janeiro, as vendas da Flora dentro de nossas lojas cresceram 33% em relação ao mesmo período do ano passado”, diz João Pereira, vice-presidente comercial do grupo Pereira, com vendas de 3,9 bilhões de reais em 2015, e lojas em cinco estados do país.

A ênfase nos produtos de higiene pessoal, mais rentáveis do que os demais, tende a aumentar seu peso no faturamento. Hoje correspondem a 45% das vendas. Cinco anos atrás representavam 30% da receita. O setor foi durante muito tempo imune a fatores externos, como a recessão econômica. No entanto, em 2015 teve a primeira queda em mais de 20 anos, encolhendo 8%, descontada a inflação.

Marino acredita que a crise pode ser uma aliada de um portfólio de marcas populares. Não é, porém, uma posição unânime entre especialistas.

Numa pesquisa recente da consultoria BCG com mais de 2 000 consumidores no Brasil, itens da categoria de “beleza funcional”, como xampu e sabonete, estão entre os únicos que os consumidores consideram pagar mais caro, apesar da crise. Para Marino, os próximos meses vão provar se ele está certo. Ou não.

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