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Bombas de chocolate para Nestlé e Garoto

Por que a compra da Garoto pela Nestlé se tornou o caso mais gorduroso do Cade

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Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2011 às 08h48.

Está em curso, até 4 de fevereiro, a mais complexa avaliação de uma aquisição de empresa já realizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Encerrando um processo que se arrasta há exatos dois anos, espera-se que o órgão finalmente decida se aprova ou não a compra da capixaba Garoto, que em fevereiro de 2002 passou das mãos da família Meyerfreund para as da multinacional suíça Nestlé por um valor estimado em 500 milhões de reais.

Não era para ser mesmo uma decisão fácil: a transação revirou um apetitoso mercado que movimenta cerca de 3,5 bilhões de reais, segundo estimativas de executivos do setor. Mas dois anos é um prazo bem além do razoável. Nesse ínterim, a Nestlé foi obrigada a manter as operações da Garoto em separado, para garantir a reversibilidade do negócio -- uma condição verificada mensalmente pela auditoria PricewaterhouseCoopers.

A dificuldade do processo ultrapassou em muito o polêmico caso da criação da AmBev, que esteve em pauta entre julho de 1999 e março de 2000. Isso porque, enquanto as disputas entre Brahma e Antarctica, de um lado, e Kaiser, de outro, não pouparam espalhafato na mídia, a batalha entre a Nestlé e sua concorrente Kraft, que quer barrar o negócio, vem se dando entre conflitantes pareceres e intrincadas simulações de mercado, que correram nos bastidores do Cade.

No início, o caso parecia comum: os querelantes apresentaram análises econométricas tradicionais, baseadas em pesquisas de opinião para indicar a provável reação dos consumidores a uma variação nos preços. Com o passar do tempo, a coisa foi se complicando. Em março de 2003, os representantes da Nestlé apelaram para modelos matemáticos complexos, em pareceres dos economistas da Universidade de São Paulo Elizabeth Farina e Naércio Menezes Filho e dos consultores da LCA e da Trevisan.

A Kraft contra-atacou, primeiro com um parecer do economista Jorge Fagundes, também da USP, e em seguida com mais seis estudos de outros especialistas. Juntas, as duas companhias utilizaram uma dúzia de metodologias diferentes. Resultado: o processo acumulou 6 000 páginas. O último documento entregue pela Kraft, no início deste ano, com 150 páginas, acabou adiando a data inicialmente acertada para a decisão final, 21 de janeiro, porque a Nestlé pediu tempo para responder.

"A Kraft exagerou no volume de informações enviadas ao Cade", diz o principal advogado da Nestlé no caso, Tercio Sampaio Ferraz Junior. "Não se trata de uma disputa contra uma empresa", diz José Roberto Prado de Almeida, diretor jurídico da Kraft. "Mas, sim, uma defesa das leis que visam garantir a concorrência."

A companhia, dona da marca Lacta e atual líder do mercado de chocolate, com 33,8% de participação segundo a consultoria ACNielsen, teme que a Nestlé controle as duas pontas do mercado, com a marca mais cara e a mais barata, o que lhe permitiria mexer nos preços para sufocar a Lacta. O time da Nestlé diz que não pretende aumentar preços. "Concluímos que, para cada ponto percentual de aumento, a marca perderia 1,6% dos clientes", diz Elizabeth, da USP. "Não faria sentido."

A decisão do Cade vai definir se a Nestlé pulará para a liderança desse mercado, com quase 54% de participação, e se poderá se beneficiar da sinergia estimada em 10% dos custos, ou se terá de vender a Garoto. Nesse caso, os principais candidatos seriam as subsidiárias da americana Mars, dona da marca M&M, e da inglesa Cadbury (que também contribuíram com alguns pareceres ao Cade durante o processo).

Qualquer que seja a conclusão, está claro que o Cade precisa de reformas. O relator do caso Nestlé-Garoto, Thompson Andrade, tem outros dois casos relevantes para resolver ao mesmo tempo -- a fusão entre a TAM e a Varig e a disputa entre a DirecTV e a Rede Globo. Não vai ser chocolate.
 

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