Revista Exame

As empresas que aproveitam a crise econômica para crescer

Consumo em baixa, inflação em alta, dólar imprevisível. Para um grupo de empresas, essa é a hora de aproveitar a fragilidade dos concorrentes e ganhar terreno

Fábrica da Ambev: as companhias mais preparadas para períodos de crise são as que geram muito caixa e que têm poucas dívidas (Germano Lüders / EXAME)

Fábrica da Ambev: as companhias mais preparadas para períodos de crise são as que geram muito caixa e que têm poucas dívidas (Germano Lüders / EXAME)

DR

Da Redação

Publicado em 17 de abril de 2015 às 10h48.

São Paulo - O gaúcho José Galló, presidente da Lojas Renner, tem o hábito de se preparar para crises reais e imaginárias. Em 2015, ele se vê de fato diante de uma crise das brabas. O cenário, pelo que lê, é dos piores. A economia brasileira não cresceu em 2014 e, pelas últimas previsões, pode recuar até 1% em 2015.

O setor de vestuário teve queda de 1,1% em 2014 e deve cair 3,7% em 2015, segundo a Confederação Nacional do Comércio. O dólar, fundamental para a compra de roupas e acessórios na China, valorizou 30% nos últimos seis meses.

O endividamento da população está em alta. Ainda assim, Galló não altera o tom de voz para dizer que sua estratégia não vai mudar. No ano passado, a Renner abriu 54 lojas e cresceu 19,4% em receita, para 5,2 bilhões de reais. Para este ano, a projeção é abrir 45 lojas. “Estamos vendo oportunidades, é uma boa hora para investir”, diz. 

O que lhe permite manter o ritmo em um ano complicado é um controle rigoroso dos custos. Em anos ótimos ou péssimos, desperdício é palavrão na Renner. Em 2014, a empresa re­duziu os custos de 34,8% para 33,8% da receita líquida. Foram 46 milhões de reais de economia conquistados no detalhe.

A empresa entrou em 2015 com 834 milhões de reais em caixa — 34 milhões a mais do que em 2014 — e dívidas que somam apenas 0,29 vez o resultado operacional. Quando as perspectivas da economia são sombrias, como agora, Galló tira da ga­veta o discurso de quem já sofreu todo tipo de crise nos 24 anos em que está à frente da companhia. Para ele, é preciso estar preparado para tirar vantagem desses momentos. Galló, obviamente, não é o único.

A combinação de consumo em baixa com inflação em alta e câmbio imprevisível não é boa para ninguém. Mas pode beneficiar um grupo que, como a Renner, tem a casa em ordem. Uma série de questões subjetivas — como um bom ambiente de trabalho, o lançamento de um produto inovador, uma campanha de marketing certeira — pode fazer a diferença nessas horas.

Mas a análise dos balanços financeiros dá algumas boas pistas. Com esse objetivo, EXAME encomendou ao banco Brasil Plural uma avaliação das finanças das 50 maiores empresas de capital aberto do país.

Das dezenas de dados disponíveis, o Brasil Plural selecionou a relação entre os dois considerados mais importantes neste momento — a geração de caixa e a dívida. O resultado é o chamado índice de solvência, que mostra as companhias com menos dívidas para pagar e com mais capacidade de financiar o próprio crescimento.

O grupo das mais bem posicionadas no ranking do Brasil Plural inclui companhias conhecidas pela forte geração de caixa, como a cervejaria Ambev, que gerou 18,7 bilhões em 2014, e a fabricante de cigarros Souza Cruz, com 2,3 bilhões. A lista também traz empresas com dívidas sob controle, como a siderúrgica Gerdau; e companhias com dinheiro em caixa para gastar, como o grupo de ensino Estácio e a locadora de veículos Localiza.

Isso não quer dizer que essas companhias vão se dar bem em 2015 — apenas que elas estão posicionadas para aproveitar a desordem. Elas pouparam nos períodos de fartura para passar sem sustos pelos períodos de aperto. Mas, em alguns casos, outras questões internas jogam contra.

É o caso da siderúrgica Usiminas, que tem dívidas sob controle, mas se vê às voltas com uma ferrenha disputa societária. Ou da fabricante de roupas Hering, que tem dívida zero, mas perdeu 2,5 pontos de margem operacional no ano passado.

Na ponta de baixo, entre as empresas em mais dificul­dade, estão companhias com pouca geração de caixa e dívidas nas alturas, como o frigorífico Marfrig e a side­rúrgica CSN (que devem, respectivamente, 8,4 bilhões e 12,5 bilhões de reais — o equivalente a cinco, seis vezes seu resultado operacional). Mais uma vez, não é garantia de que 2015 será terrível, mas elas terão de lidar com desafios bem maiores.

Mina da CSN: com dívidas de 5,6 vezes o lucro operacional, a companhia terá um ano difícil pela frente (Germano Lüders / EXAME)

Disciplinados e paranoicos

O pesquisador americano Jim Collins, um dos mais aclamados gurus de gestão, descobriu que as empresas que se dão bem nas crises não têm executivos que arrisquem, sejam visionários, criativos. Eles são mais disciplinados e paranoicos — têm sempre um colchão protetor con­tra a pró­xima crise.

Foi o que fez a companhia aérea americana Southwest, que, após os atentados de 11 de setembro, tinha 1 bilhão de dólares em caixa e conseguiu ocupar o espaço deixado por concorrentes em dezenas de aero­por­tos.

Essas empresas tendem a sair mais fortes das crises porque podem, por exemplo, avançar sobre a concorrência. A cervejaria Ambev anunciou a aquisição da cervejaria artesanal Wäls e estuda outras compras na América Latina. Investimentos são outra oportunidade.

A locadora de veículos Localiza, prevendo uma piora na economia, reduziu os custos para acumular caixa a partir de 2013. Por causa disso, entrou em 2015 com um recorde de 1,5 bilhão de reais na conta.

Graças ao controle, investirá 2,3 bilhões de reais na renovação da frota, em condições para lá de favoráveis na negociação com as montadoras. “Sabemos que nesses momentos algumas oportunidades podem aparecer”, diz Eugênio Mattar, presidente da Localiza.

As empresas que se dão bem nas crises, é bom que se diga, tendem a ser mui­to criticadas nas fases de euforia. O pre­ço que elas pagam para ter o caixa cheio e as dívidas controladas é um crescimento menos acelerado.

A rede de ensi­no Estácio é um caso. Nos últimos anos, a empresa iniciou negociações importantes, como a fusão com a concorrente Anhanguera, e depois desistiu. Resultado: cresceu 37% em 2014, enquanto as rivais Kroton, Anima e Ser Educacional cresceram 87%, 50% e 54%.

“Como não fizemos muitas aquisições, estamos com boas condições de compra”, diz Rogério Melzi, presidente da Estácio. Ele tem 700 milhões de reais para gastar em 2015 e tem a chance de comprar barato. Já está sendo procurado por investidores e executivos para comprar empresas que enfrentam dificuldade por causa das mudanças no financiamento estudantil do go­verno.

Mas as crises não abrem oportunidades apenas para os paranoicos. Os sortudos também têm vez. Neste ano, as maiores beneficiadas são as companhias exportadoras, que ganham com o tombo do real. É o caso da exportadora de produtos agrícolas SLC Agrícola. Em 2014, a empresa ampliou 22% a área plantada e 37% o lucro operacional. Para 2015, a estratégia é manter o ritmo.

Já a produtora (e exportadora) de celulose Fibria, que aproveitou o dólar favorável e o aumento no preço da commodity para engordar o caixa em 75%, estuda fazer em 2015 o maior investimento de sua história.

Seriam 2,5 bilhões de dólares na construção de uma nova fábrica em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Se o investimento será acertado, é outra história. Mas ter dinheiro para gastar é, sem dúvida, uma vantagem num ano difícil como 2015.

Texto atualizado às 10h48

Acompanhe tudo sobre:ConcorrênciaConsumoCrescimento econômicoCrises em empresasDesenvolvimento econômicoEdição 1087

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon