Revista Exame

Startups apostam no novo Elixir: a cura das doenças do envelhecimento

Elas são uma nova obsessão dos investidores no mundo todo e têm objetivos que vão de até, quem sabe, atingir a eternidade

Crianças em Dallas: se as pesquisas derem certo, talvez elas não enfrentem doenças do envelhecimento | Peter Larsen/AFP Photo

Crianças em Dallas: se as pesquisas derem certo, talvez elas não enfrentem doenças do envelhecimento | Peter Larsen/AFP Photo

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Da Redação

Publicado em 5 de julho de 2018 às 05h00.

Última atualização em 5 de julho de 2018 às 05h00.

O pai do biólogo americano Nathaniel David começou a sofrer os sintomas de osteoartrite na coluna cervical quando ainda era adolescente. Hoje, aos 78 anos, sua postura é curvada e ele não consegue mais se mover. David, de 50 anos, descobriu há três anos que herdou a doença degenerativa do pai e está numa corrida contra o tempo para não ter o mesmo destino. Em maio, o biólogo molecular com doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, conseguiu captar 85 milhões de dólares para desenvolver tratamentos que devem ajudar os 31 milhões de pessoas que já sofrem com a doença no país. O dinheiro veio de uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) de sua startup Unity Biotechnology na bolsa americana Nasdaq. Sediada em São Francisco, no coração do Vale do Silício, a Unity está desenvolvendo medicamentos para prevenir, retardar ou até mesmo reverter doenças relacionadas à idade — e, de quebra, expandir a expectativa da vida humana. Em 2016, a empresa já havia chamado a atenção ao receber 116 milhões de dólares de investidores, entre eles Jeff Bezos, fundador do gigante de comércio eletrônico Amazon, e Peter Thiel, um dos criadores da empresa de pagamentos PayPal. “Imagine ficar velho sem ficar velho”, disse David recentemente em Paris, na França, num evento de startups cujas tecnologias prometem mudar o mundo. Em junho, a empresa realizou o primeiro teste clínico de uma de suas drogas — justamente a de osteoartrite — em uma pessoa.

A Unity Biotechnology é uma das muitas startups que apostam na ampliação da longevidade. Se por muito tempo esse setor foi sinônimo de cremes de beleza e Botox, hoje ambiciosas startups espalhadas por Estados Unidos, Europa e Ásia têm objetivos que vão desde acabar com doenças que impedem o envelhecimento saudável até expandir a vida humana em 20 anos, 50 anos ou, quem sabe, até a eternidade. Com seu IPO, a Unity tornou-se a segunda startup de longevidade listada na bolsa. Em janeiro, a Restorbio, que também desenvolve remédios para doenças relacionadas ao envelhecimento, levantou 98 milhões de dólares em sua oferta pública de ações. “Há muita expectativa sobre o potencial de melhora da saúde tratando doenças degenerativas. Nosso foco é aplicar a ciência para ajudar as pessoas a viver com mais saúde e por mais tempo”, afirma o israelense Chen Schor, cofundador e presidente da Restorbio. Se antes os estudos sobre o tema estavam confinados em laboratórios de universidades, eles ganharam impulso com a indústria da tecnologia. “Sempre houve investidores habilidosos e confortáveis com alto risco e alto retorno, mas as pesquisas que tratavam de longevidade não se enquadravam nessa categoria. Com os avanços recentes, as empresas que lidam com o prolongamento da vida agora estão dentro de uma faixa de risco que permite investimentos”, afirma Aubrey De Grey, um dos maiores pesquisadores sobre envelhecimento e diretor da ONG dedicada à longevidade Sens Research Foundation.

O valor dos investimentos em startups de biotecnologia especializadas em saúde humana chegou a 9 bilhões de dólares em 2017. Apenas nos dois primeiros meses deste ano, outros 2,8 bilhões foram captados por empresas novatas. Uma das maiores aceleradoras do mundo, a Y Combinator anunciou no início do ano que está à procura de startups de longevidade que estejam em fase inicial para fazer aportes que podem variar de 500 000 a 1 milhão de dólares. A ONG Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos também lançou uma premiação para pesquisas sobre longevidade que totaliza 100 milhões de dólares. À medida que a oferta de dinheiro se espalha pelo setor, a morte é tratada cada vez menos como um processo biológico natural e mais como um cadeado com um segredo. Para descobrir a solução, portanto, seria preciso encontrar uma combinação de milhões — talvez, bilhões — de possibilidades. “Creio que o corpo perde a resiliência com a idade, perde a capacidade de responder aos desafios. Precisamos descobrir por que isso acontece e parar esse processo. O envelhecimento é algo codificado e, se algo está codificado, é possível descobrir seu segredo”, afirma o médico sul-coreano Joon Yun, que comanda o Palo Alto Investors, fundo americano de investimentos de 1 bilhão de dólares, que doou 2 milhões de dólares ao prêmio da Academia Nacional de Medicina, além de lançar seu próprio prêmio na área no valor de 1 milhão de dólares.

Estreia da Restorbio na bolsa Nasdaq: a empresa captou 98 milhões de dólares em sua oferta de ações | Divulgação

Antes mesmo de se tornarem desejadas pelo mercado financeiro, as startups da longevidade contaram com o dinheiro — e o interesse pessoal — dos bilionários do Vale do Silício nos últimos anos. Em 2013, Sergey Brin e Larry Page, os fundadores da empresa de tecnologia Google, foram precursores na área ao criar a Calico, empresa de pesquisa em longevidade. Os dois esperam, entre outras coisas, ajudar o próprio Brin — que tem uma variante genética que o predispõe à doença de -Parkinson. O fundador da empresa de softwares Oracle, Larry Ellison, gastou 430 milhões de dólares em pesquisas de longevidade depois de afirmar que “a morte nunca fez nenhum sentido para mim”. Peter Thiel, do PayPal, já declarou que espera algum dia poder “curar a morte”, e é constantemente associado ao boato de que faz transfusões sanguíneas com sangue de adolescentes para ficar mais jovem — uma espécie de drácula do século 21. A ideia pode parecer maluca, mas nada é demais para o Vale do Silício. Fundada em 2016, a startup Ambrosia Plasma faz transfusões com sangue de adolescentes para clientes com 35 anos ou mais por um preço inicial de 8 000 dólares e afirma ter 150 clientes. Ninguém supera Jeff Bezos quando o assunto é saúde — sobretudo a dele. Um magrelo desengonçado no fim dos anos 90, época de criação da Amazon, Bezos, hoje com 53 anos, vem chamando a atenção por seus músculos avantajados. A aparência, segundo ele, é fruto de uma rotina de exercícios desde 2013. Mas o bilionário tem investido tempo e dinheiro no tema saúde. Em 2014, colocou 25 milhões de dólares em uma companhia dedicada ao combate ao câncer, a Juno Therapeutics. No ano passado, fez um aporte de valor não revelado na startup Grail, especializada no diagnóstico rápido de câncer. No início deste ano, Bezos anunciou uma parceria com o megainvestidor Warren Buffett, presidente do conglomerado Berkshire Hathaway, e o banqueiro Jamie Dimon, presidente do banco JP Morgan Chase. O objetivo do trio é criar uma empresa sem fins lucrativos que ofereça serviços de saúde acessíveis aos trabalhadores de suas empresas. O último negócio veio no final de junho: a Amazon anunciou a aquisição da loja digital de remédios PillPack, em um negócio avaliado em 1 bilhão de dólares.

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Em busca da fonte da juventude

As startups de longevidade de certa forma se beneficiam de décadas de estudos que, no início dos anos 90, chegaram a um ponto decisivo: num verme minúsculo chamado Caenorhabditis elegans, verificou-se que uma única mutação genética podia prolongar sua vida, enquanto outra impedia que isso ocorresse. A descoberta de que a longevidade poderia ser manipulada com algumas modificações genéticas impulsionou novas pesquisas ao redor do mundo para aumentar a vida do verme (que chegou a ser multiplicada por dez em laboratórios) e posteriormente a de ratos (que chegaram a viver o dobro). Os desenvolvimentos seguintes mostraram que as coisas não são tão simples assim e que não existe um gene humano único ligado à expansão da vida. Por isso, há startups trabalhando em diversas frentes para resolver a equação da longevidade. A americana Insilico Medicine, de Baltimore, usa a inteligência artificial para analisar gigantescas bases de dados com o objetivo de identificar os fatores moleculares que influenciam o tempo de vida. “Há dois anos eu precisava bater de porta em porta para explicar o que a companhia fazia. Agora, os investidores vêm nos procurar, principalmente por causa de nossa plataforma de inteligência artificial, e descobrem quanto isso é importante para as pesquisas de longevidade”, afirma Alex Zhavoronkov, presidente da Insilico Medicine.

Jeff Bezos, da Amazon: dinheiro para o prolongamento da vida, incluindo a dele | Drew Angerer/Getty Images

Apesar do crescente número de startups nesse mercado, poucas já chegaram ao ponto de oferecer produtos à população em geral. A startup nova-iorquina -Elysium Health é uma das exceções. Seu primeiro produto, um suplemento chamado Basis, é vendido pelo site por 60 dólares (custo da dose mensal) e promete aumentar e sustentar os níveis de NDA no corpo. A NDA é uma coenzima necessária para processos biológicos essenciais, incluindo a criação de energia e a regulação dos ritmos cardíacos. Geralmente, os níveis de NDA começam a cair a partir do fim da segunda década da vida humana. “Acreditamos que a pesquisa tem de andar junto com o desenvolvimento de produtos que vão beneficiar a população. Não dá para fazer só um ou outro”, afirma o americano Eric Marcotulli, presidente e cofundador da Elysium e ex-sócio do Sequoia Capital, um fundo que administra 14 bilhões de dólares. A startup já recebeu 31 milhões de dólares em aportes desde sua fundação, há dois anos, e está realizando uma nova rodada de investimentos. No Brasil, o número de startups de saúde passa de 260, mas muitas estão focadas em desenvolver soluções para facilitar a vida de idosos. São produtos como, por exemplo, o da startup MaturiJobs, que criou um site para oferecer vagas de emprego a pessoas com mais de 60 anos.

Embora a indústria da longevidade esteja em franca expansão, ainda é difícil estimar quanto essas -startups podem valer no futuro. O mercado de produtos e tratamentos estéticos relacionados ao envelhecimento devem alcançar 288 bilhões de dólares no mundo neste ano, segundo a empresa de pesquisas Orbis. Mais do que cremes para rugas, investidores e consumidores querem soluções para doenças relacionadas ao envelhecimento. “Tenho certeza de que esse mercado se tornará maior do que qualquer outro que já vimos. Todos querem viver mais e de forma mais saudável”, diz o investidor britânico Jim Mellon, que há cerca de sete meses abriu um fundo especializado em longevidade, o Juvenescence, e espera investir os 63 milhões de dólares captados ainda em 2018. A evolução, no entanto, ainda é difícil de prever. “É um mercado diferente dos outros. Não é como a indústria da tecnologia, que apresenta resultados rapidamente e causa uma disrupção do dia para a noite. Ainda há muita pesquisa a ser feita”, afirma a americana Alexandra Bause, sócia do fundo de investimentos em longevidade Apollo Ventures, da Alemanha. Mesmo que se encontre a cura para as doenças relacionadas ao envelhecimento, como o câncer, as pesquisas mostram que isso elevaria a média de vida humana para algo em torno de 90 anos (ante a atual expectativa de 71,4 anos, na média mundial). Enquanto as startups de longevidade procuram o caminho para que possam viver (muito) mais e melhor, a receita para envelhecer bem continua a indicada pelos médicos: dieta saudável, exercícios físicos, pouco estresse e, de vez em quando, uma taça de vinho.

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