Revista Exame

Ambição oriental

Criada há cinco décadas, a rede varejista paulistana Hirota acelerou a expansão inspirada em lojas de conveniência japonesas

Francisco Hirota: “Oferecemos os alimentos do futuro”   (Germano Lüders/Exame)

Francisco Hirota: “Oferecemos os alimentos do futuro” (Germano Lüders/Exame)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 13 de fevereiro de 2020 às 05h30.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2020 às 17h53.

O setor de supermercados vive a moda do atacarejo, a moda das lojas de bairro — e a moda da rede paulistana Hirota, um caso único num setor disputado por gigantes globais. De uma pequena mercearia no Ipiranga, bairro da zona sul paulistana, a rede chegou a 40 unidades em São Paulo e faturou 500 milhões de reais em 2019, 13% acima do ano anterior. A meta para 2020 é chegar a 53 unidades. O Hirota é um caso à parte não só pela velocidade de crescimento mas também pela receita única. A companhia, criada em 1972 pelo imigrante japonês Katsumi Hirota, morto em 2010, hoje é liderada pelo segundo filho, o engenheiro Francisco Hirota, que detém o controle com seus cinco irmãos. Na última década, Francisco aliou a cultura da companhia a um ritmo de inovação e crescimento inéditos — incluindo a produção de alimentos prontos e a busca por novas frentes de distribuição.

Apesar do nome japonês, o Hirota era dono de supermercados tradicionais até a virada do século, quando Francisco Hirota fez sua primeira viagem ao Japão. Lá, conheceu o formato da Kombini, rede de lojas de conveniência que vende alimentos, produtos de necessidades básicas, ingressos de cinema e funcionam até como agências de correio. Outra inspiração vem da rede japonesa Daiso, que desembarcou no Brasil em 2011 para vender itens de decoração, eletrônicos e brinquedos. Hoje, as duas redes são parceiras, com espaços da Daiso dentro da Hirota. O primeiro mercado do novo Hirota, o Express, foi aberto em 2016 na Avenida Paulista. Hoje, 24 das 40 unidades da rede são desse modelo, digamos, mais japonês.

Com eles, o Hirota começou a vender alimentos prontos, preparados diariamente. O objetivo é oferecer opções baratas e rápidas. Algumas lojas têm lanchonete, micro-ondas e mesas. Temakis, sushis e outros pratos japoneses respondem por um terço da comida vendida — o restante inclui até coxinha e feijoada. Com o formato de conveniência, a ideia é tornar a rede indispensável para pessoas sem tempo de cozinhar ou de fazer grandes compras em supermercados. “Trabalhamos para oferecer os alimentos do futuro”, diz Francisco Hirota.

Os alimentos são preparados na fábrica do Hirota no bairro do Ipiranga, em São Paulo, com 1.500 metros quadrados. Para ampliar o negócio, a empresa construirá uma nova fábrica, com 10.000 metros quadrados, que vai sustentar a expansão. O investimento é de 15 milhões de reais, e os equipamentos foram importados de países como Itália e Japão. Cerca de 150 pessoas trabalham no local e produzem 60 toneladas de alimentos por mês. Os alimentos prontos são responsáveis por 20% das receitas totais dos supermercados e 54% das lojas Express.

Ampliada, a fábrica estará preparada para vender produtos com a marca Hirota Foods a supermercados parceiros. Em novembro, a empresa firmou uma parceria com a rede varejista Carrefour para a venda de pratos prontos em suas lojas. São 30 opções, disponíveis em três lojas em São Paulo. “A parceria com o Hirota nos permite ampliar o sortimento de pratos prontos em nossas lojas com, principalmente, opções de comida oriental, uma especialidade da rede”, afirma Joaquim Souza, diretor executivo comercial do Carrefour Brasil. É uma forma também de entrar num terreno em crescimento. O concorrente Grupo Pão de Açúcar tem a própria plataforma de entregas de alimentos prontos: a startup Cheftime, comprada em novembro.

A maior participação de refeições prontas traz um desafio adicional aos varejistas. Como a reposição dos alimentos é diária, os mercados precisam estar em regiões próximas à fábrica. Esse pode ser um fator limitador para o crescimento do Hirota, presente apenas no estado de São Paulo. Por enquanto não há planos para chegar a outros estados — São Paulo concentra quase um terço do mercado de supermercados brasileiro, com receita de 103 bilhões de reais em 2019. Para seguir crescendo sem precisar ir a outras regiões, o Hirota investe em novos formatos. Nos últimos meses, a loja Express chegou à sede de empresas e passou a operar lockers (armários) de entregas. Uma loja do Hirota Express dentro da sede do banco Itaú já é a mais rentável por metro quadrado da rede. Neste semestre será aberta a primeira unidade numa estação de metrô.

A mais nova aposta é a criação de armários resfriados dentro de grandes centros empresariais ou residenciais. Os consumidores fazem o pedido pelo aplicativo e, em poucas horas, a encomenda está disponível para retirada no armário, aberto por meio de um código QR — as entregas são feitas pela loja mais próxima. O mix de produtos é mais restrito —  se nos supermercados há 14.000 itens e, em lojas Express, 3.000, no aplicativo para entrega em lockers há apenas 500 produtos disponíveis. “Residências e condomínios empresariais nem sempre têm tamanho para uma loja Express, então buscamos outros formatos”, diz Hélio Freddi Filho, diretor de marketing da rede Hirota e gerente-geral do Hirota Food Express. Nos próximos 24 meses, o plano é abrir cerca de 100 lockers na cidade de São Paulo.

Atacarejo: o formato é uma das modas no varejo brasileiro | Leandro Fonseca

Para continuar crescendo, o Hirota deve enfrentar uma competição crescente no mercado de entregas. No segmento de alimentos e bebidas, as vendas online ainda representam 3% do número de pedidos, segundo pesquisa da consultoria Ebit/Nielsen. No entanto, é um dos setores de maior crescimento, com alta de 82% no número de pedidos no primeiro semestre de 2019, atrás apenas do setor de petshop, com alta de 144%. Além disso, o consumidor de alimentos e bebidas é o mais ativo entre todas as categorias, com uma média de 6,3 compras nos últimos seis meses. Nos últimos meses grandes redes, como Carrefour e Pão de Açúcar, vêm investindo em parcerias e na aquisição de empresas de entrega. “Se os mercados regionais não se adaptarem às compras digitais, sua vantagem competitiva de proximidade com o cliente irá por água abaixo”, diz João Silva, diretor comercial do Supermercado Now, startup de entrega de alimentos recentemente adquirida pela B2W, da Americanas.com.

Francisco Hirota, católico, acredita que a rede tem trunfos que vão além da inovação. “Nosso propósito passa pelo coração das pessoas e pelo fortalecimento das famílias”, diz. Os valores “fé, família, escola e trabalho” estão em todas as lojas e nas salas de reunião da rede. A empresa oferece desde bolsas de estudos a filhos de funcionários até cursos de finanças pessoais, bem como assessoria jurídica e de psicólogos. Com isso, acredita que consegue diminuir a rotatividade e aumentar a produtividade. Nem sempre a preocupação com a família tem os resultados esperados. A rede tornou-se conhecida por divulgar, em 2017, um panfleto criticando relacionamentos homoafetivos e sexo antes do casamento. O assunto teve repercussão nacional e a empresa chegou a ser notificada pelo Ministério Público, mas foi absolvida. “Houve um tropeço de comunicação. Depois do caso, tivemos palestras sobre diversidade na empresa”, diz Hirota. É no casamento entre inovação e cultura familiar que, acredita a companhia, está a receita do sucesso. Ambição, para os seis irmãos de ascendência japonesa, não falta.

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