Revista Exame

Na China, aumento da classe média incentiva liberação de sementes transgênicas

Com políticas de incentivo do governo, cultivo de milho deve chegar a 328,69 milhões de toneladas em 2032. Na soja, produção ficará estável e país continuará contando com o Brasil

Shandong, província da China: até 2032 as importações de soja da China devem se estabilizar (Han Jiajun/VCG/Getty Images)

Shandong, província da China: até 2032 as importações de soja da China devem se estabilizar (Han Jiajun/VCG/Getty Images)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 23 de novembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 23 de novembro de 2023 às 17h31.

A escala de grandeza na China é, por vezes, pouco reconhecível ao olhar destreinado. Mas as autoridades do país se veem diante de uma necessidade vital: garantir segurança alimentar à crescente classe média. A fome não é pouca: estima-se que 800 milhões de pessoas componham esse segmento social — que eleva o padrão de consumo alimentar. Agora, além de comprar commodities, como grãos, para a indústria de transformação, os chineses se organizam para ampliar a capacidade de plantar, e com alta tecnologia. Fazem isso na seguinte frente: a liberação de sementes transgênicas, cuja maior resistência possibilita aumento da produção de commodities.

Segundo um documento do Ministério da Agricultura chinês, a previsão é que, até 2032, as rendas per capita urbana e rural aumentem 4,2% e 6,4%, respectivamente. Como o gigante asiá-tico esbarra em questões geográficas para expandir sua área agrícola, crescem o uso e a importação de sementes transgênicas. No último mês, um comitê nacional criado pelo governo aprovou o uso de 37 sementes de milho transgênicas e 14 variedades de sementes de soja. Estima-se que possam aumentar a produtividade na China em até 12%.

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Alcides Torres, diretor da Scot Consultoria e especialista no mercado agropecuário, esclarece que o número de cultivares transgênicas na China não se compara ao de outros paí-ses que já usam a tecnologia há décadas, como Brasil e Estados Unidos. “A população está melhorando seu poder aquisitivo, e o consumo tende a crescer”, diz. “O aumento da importação de sementes transgênicas se explica pelo consumo interno.”

O caso do milho é exemplar. O país é um dos maiores produtores globais, com estimativa de 288 milhões de toneladas para 2023/2024. Com políticas de incentivo do governo, projeta-se expansão do cultivo, cuja previsão é de 303,52 milhões de toneladas em 2027 e 328,69 milhões de toneladas em 2032. Já o consumo de milho deve chegar a 309,11 milhões e 332,35 milhões de toneladas em 2027 e 2032, respectivamente, principalmente para abastecer ração animal e consumo industrial — mostrando que a produção interna não dará conta da demanda. Por isso, para chegar aos resultados previstos para a próxima década, o negócio das sementeiras deve crescer, e é aí que reside uma oportunidade para o agro brasileiro: investir na semente, e não apenas no grão que vai para a indústria. Atualmente, o plantio das culturas transgênicas alcança 267.000 hectares; e a área de milho convencional, 44 milhões de hectares — o que mostra um horizonte a ser conquistado pelas sementes geneticamente modificadas.

Nesse contexto, o documento do governo chinês estima que o milho do Brasil deverá competir com o milho da Europa, a exemplo da Ucrânia. Na avaliação de Marino Colpo, CEO da Boa Safra, do segmento de sementeiras, esse cenário de busca por milho transgênico pode trazer oportunidades no médio prazo. “Precisamos de acordos comerciais, como a aprovação de genética e biotecnologia, mas vejo a tendência de exportação de sementes de milho do Brasil para lá”, diz. O insumo com biotecnologia embarcada tem resistência hídrica e climática, o que possibilita incrementar a produtividade e diminuir a aplicação de defensivos químicos. Mas não significa que a China começará a produzir grãos a ponto de exportá-los e concorrer com o Brasil — pelo menos, não por ora, sobretudo soja.

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“Para produzir a soja, você precisa estar na latitude correta. Em tese, se você se posicionar acima da linha do Equador, como no norte do Pará ou do Piauí, talvez consiga fazer sementes que atendam a China, mas não é simples”, afirma Colpo. Na prática, o país asiático deve procurar por sementes que já tenham alto rendimento na linha do Equador.

O relatório do ministério chinês mostra que o volume da produção de soja será de 36,75 milhões de toneladas em 2032. Já o consumo chegará a 119,47 milhões de toneladas. Ou seja, a China não dará conta dessa demanda sozinha, e a geografia limita a expansão da soja no país. A previsão é que, em 2032, as importações chinesas de soja sejam de 86,53 milhões de toneladas, uma queda em relação aos 93,02 milhões de toneladas importadas em 2023, mas que mesmo assim mantêm Brasil e Estados Unidos como principais fornecedores para a China.

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Ao desenvolver uma semente com alta carga proteica, que dará origem a outras sementes — e não ao grão que abastece a indústria —, a adaptação à região é crucial. É uma questão de fotoperíodo e quantas horas de sol a semente estará apta a receber. Em suma, uma vantagem brasileira, que se soma à extensão territorial, solo, clima e mão de obra. “A China não tem mais área para crescer, os Estados Unidos estão focados em biocombustível, a Europa produz muito para uso interno. Na Argentina, eles não têm novas patentes de sementes”, afirma Colpo. “E você tem o Brasil como grande fornecedor global.”

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