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Ajuste fiscal à chinesa

Por anos, governos locais na China criaram projetos de infraestrutura para manter o crescimento em alta. Agora burocrata gastão não é mais promovido


	O presidente chinês, Xi Jinping: quem faz dívidas não avança na hierarquia do Partido Comunista
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O presidente chinês, Xi Jinping: quem faz dívidas não avança na hierarquia do Partido Comunista (REUTERS)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2015 às 14h41.

São Paulo — Em Kangbashi, distrito da cidade de Ordos, a 750 quilômetros de Pequim, imensas estátuas de bronze enfeitam as praças do lugar. Obras que retratam o conquistador Genghis Khan e os cavalos selvagens da Mongólia remontam ao passado da região, uma das menos povoadas da China.

Edifícios grandiosos de arquitetura modernista e largas avenidas foram construídos no distrito planejado para receber 1 milhão de pessoas. Doze anos depois do início de sua construção, Kangbashi — que fica numa rica área de extração de carvão — tornou-se um notório bairro fantasma, com apenas 20 000 habitantes entre milhares de apartamentos e estabelecimentos vazios.

Se faltam moradores ao distrito da cidade de Ordos, sobram dívidas. Já foram gastos 161 bilhões de dólares no projeto. Em 2010, quando o dinheiro começou a faltar, obras foram abandonadas e o preço dos imóveis despencou. Problemas como o de Kangbashi são endêmicos na China: projetos megalomaníacos que acabaram naufragando.

“Em quase toda cidade chinesa há bairros inteiros que nunca foram ocupados”, diz Victor Shih, professor de política econômica da China na Universidade da Califórnia. Por longos anos, o governo central incentivou a concorrência entre as cidades para que se tornassem referência em algum segmento da manufatura.

A capital das lava-roupas, das embalagens, da siderurgia... Nessa competição, valia tudo: de renúncias fiscais a investimentos a fundo perdido. Investir foi a fórmula adotada pelas províncias para cumprir metas de crescimento estabelecidas em Pequim. Foi dessa forma que a China se tornou a fábrica do mundo e impressionou a todos com uma expansão nunca vista em tão pouco tempo. 

Veio a crise mundial de 2008 e esse modelo foi anabolizado. É verdade que a política anticíclica chinesa manteve o crescimento alto por mais alguns anos, mas teve um preocupante efeito colateral. Elevou o endividamento de províncias e municípios de 1,8 trilhão de dólares, em 2010, para 5 trilhões, em 2015, o equivalente a quase metade do PIB.

Aumentou também a dívida pública total, que está em 75% do PIB. (O Brasil, cuja situação fiscal é delicada, tem percentuais menores. O endividamento de estados e municípios brasileiros corresponde a 12% do PIB, e o público total gira em torno de 60%.) Uma estimativa recente do governo chinês contabiliza que 6,8 trilhões de dólares foram desperdiçados nos últimos cinco anos em obras desnecessárias.

Hoje, é possível dizer claramente que o pêndulo na China mudou de lado. A ordem do presidente Xi Jinping é apertar o cinto.
Os sinais começaram a mudar no fim do ano passado. Foi quando o governo chinês passou a ter poder de veto sobre qualquer empréstimo feito nas administrações regionais.

Outra medida recente inclui atrelar a ascensão dos burocratas chineses na hierarquia do Partido Comunista ao grau de endividamento dos governos locais — uma espécie de lei de responsabilidade fiscal à moda chinesa. Antes, o principal critério era premiar os funcionários das regiões que mais cresciam. Agora, quem continua se endividando coloca em risco futuras promoções.

Em março, o governo chinês autorizou províncias e municípios a emitir títulos públicos com o objetivo de alongar o prazo de pagamento e reduzir o gasto com juros — algo que era proibido desde 1994. O Ministério das Finanças anunciou que 160 bilhões de dólares, o equivalente a metade das dívidas que vencem ao longo de 2015, devem ser renegociados.

Uma das cidades que deverão ser beneficiadas pelas renegociações é Tang­shan, a 225 quilômetros de Pequim. Na briga para atrair empresas e investimentos, o município adquiriu uma dívida de 91 bilhões de dólares — o equivalente a 105% da economia local — com a construção de um distrito que abrigaria mais de 1 milhão de pessoas na ilha de Caofeidian.

O projeto, considerado o maior aterramento da China, hoje engorda a lista de obras inacabadas. A siderúrgica e a refinaria também não saíram do papel. Um relatório recente do banco HSBC sobre o projeto apontou que o único morador encontrado na ilha foi um vigia de um canteiro de obras. “O governo central pode até conseguir trocar as dívidas dos governos locais por títulos públicos.

Mas a dúvida é se isso será suficiente para estabilizar o sistema financeiro”, diz William Hess, chefe de pesquisas da consultoria PRC Macro, de Hong Kong. Um dos maiores temores dos analistas é a parte do endividamento pertencente ao chamado shadow banking, instituições não bancárias que emprestam a cidadãos, empresas e governos.

Na falta de dinheiro dos bancos estatais, as administrações locais foram buscar crédito no shadow banking, a um custo muito mais alto. Para complicar o quadro, alguns governos locais possuem, eles mesmos, as próprias empresas de shadow banking. O desafio do governo chinês é desatar esse nó e buscar motores para um crescimento não viciado em investimentos monumentais em infraestrutura.

“Uma das melhores alternativas para o país é aplicar em setores como o de serviços, que geram mais empregos e aumentam a renda dos trabalhadores”, afirma Roberto Dumas Damas, professor de economia da escola de negócios Insper, que, depois de viver durante quatro anos em Xangai, acaba de lançar o livro A Economia Chinesa.

Ainda não está claro qual será a es­tratégia de crescimento do governo. Mas chegou-se à conclusão de que espalhar elefantes brancos no interior do país não funciona.

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