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Sem reforma no horizonte, continua o inferno fiscal

Está cada vez mais difícil encontrar uma solução política para descomplicar o sistema tributário. Enquanto isso, o contribuinte tem uma vida infernal — e paga caro por isso


	MMX: a empresa do grupo de Eike Batista questiona a cobrança de 3,7 bilhões de reais em impostos e multas
 (Divulgação)

MMX: a empresa do grupo de Eike Batista questiona a cobrança de 3,7 bilhões de reais em impostos e multas (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.

São Paulo - Campos Selos foi o apelido que o ex-presidente Campos Sales recebeu ao criar o imposto do selo. Para se contrapor à tirada popular, ele saiu com esta: “Não posso obrigar ninguém a ser patriota, mas posso obrigar a pagar imposto”.

Campos Sales presidiu o país de 1898 a 1902, ainda na infância da República. Se comandasse o Brasil de hoje, não faltaria inspiração aos galhofeiros para criar novos apelidos para ele.

O país cobra impostos com uma sofreguidão que não se vê em praticamente nenhum outro aspecto da vida nacional. No ano passado, a economia cresceu apenas 0,9%.

A geração de riqueza avançou pouco, mas o governo garantiu seu quinhão: a coleta de impostos aos cofres federal, estaduais e municipais cresceu 1,2% e alcançou 1,6 trilhão de reais. Pela primeira vez, apenas os tributos federais superaram a marca de 1 trilhão de reais.

A carga tributária também ascendeu a um número inédito: 36,2% do produto interno bruto. É equivalente à de nações ricas e com serviços públicos de qualidade superiores, como Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia.

Note que a carga aumentou mesmo com as medidas de desonerações para setores escolhidos que o governo adotou nos últimos dois anos. Só em 2012 a bondade somou 45 bilhões de reais — como já se sabe, sem os efeitos acalentados em Brasília. Se os contemporâneos de Sales vivessem hoje, é possível que preferissem a obrigatoriedade do patriotismo em troca de um pouco de sossego do Fisco.

Deputados e senadores estão discutindo as propostas do que tem sido chamado de novo pacto federativo. Um dos pontos centrais é a unificação das alíquotas de ICMS em todo o país. Seria uma alternativa para fazer a tão protelada reforma tributária de maneira fatiada, como se convencionou falar.

Como o ICMS é um imposto cobrado pelos estados, a unificação pode pôr fim à famigerada “guerra fiscal” — na qual os tiros são as ofertas de redução de impostos para atrair empresas.

O governo federal, autor da proposta, defende que a unificação das alíquotas em 4% não só acabaria com a guerra fiscal como simplificaria o cálculo do imposto e daria segurança aos investidores — hoje eles podem ser penalizados quando incentivos oferecidos por um estado são questionados na Justiça por outro estado.

O ministro Guido Mantega, da Fazenda, tem feito um esforço pessoal para emplacar a proposta, que enfrenta a resistência dos estados.

Mantega fez encontros com governadores e foi ao Senado explicar as medidas. Na agenda do governo federal, o próximo passo é unificar as alíquotas do PIS e da Cofins. Se a simplificação desses três tributos vingar, será dado um passo largo para melhorar a vida dos contribuintes. 

Show do bilhão em multas

Enquanto o debate sobre uma reforma segue difícil, o Brasil conserva o sistema tributário mais intrincado do mundo. De acordo com o Banco Mundial, aqui são gastas, em média, 2 600 horas por ano pelas empresas para tarefas como o preenchimento de guias e formulários — tempo que corresponde a dez vezes a média mundial.

Se cada empresa destacasse um funcionário para cuidar da tarefa, ele gastaria quase quatro meses na prestação de contas. Isso se labutasse sem nenhuma folga em todo o período — e também sem dormir.


Passar pela maratona burocrática sem um único erro é um trabalho de Hércules. Está nesse emaranhado — e não na sonegação — boa parte da origem dos 116 bilhões de reais em multas, um volume recorde, cobradas pela Receita Federal no ano passado.

Em janeiro, em um intervalo de poucos dias, Natura, Fibria, Santos Brasil e MMX informaram que a Receita cobrava delas, entre impostos atrasados e multas, a soma de 6 bilhões de reais.

Só a MMX, mineradora do grupo controlado pelo empresário Eike Batista, recebeu uma conta de 3,7 bilhões de reais. O valor somaria o imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro líquido não pagos em 2007.

Esta última pode ser incluída na lista de cobranças esdrúxulas que mereciam uma explicação do Fisco. O valor do débito é quase cinco vezes o lucro líquido divulgado pela empresa naquele ano, que foi de 766 milhões de reais.

A MMX tinha dois anos de operação, e a maior parte do balanço tratava de custos, despesas e investimentos. As quatro empresas faziam parte de uma leva de 317 que seriam au­tuadas na maior operação de recuperação de impostos já feita pela Receita.

O Fisco esperava recolher 84 bilhões de reais. Vai saber quantas outras dívidas não foram submetidas ao estranho parâmetro de multiplicação aplicado ao débito da MMX.

Estamos tão habituados a episódios desse tipo que eles nos parecem banais. Mas, para os investidores estrangeiros, que convivem com sistemas tributários mais sensatos, eles são incompreensíveis.

No último congresso da International Fiscal Association (IFA), realizado em Boston, em outubro do ano passado, a relação conflituosa entre o Fisco e as empresas brasileiras monopolizou o debate.

“Na principal conferência, com 1 300 pessoas na plateia, só se perguntava por que o Brasil trata seus contribuintes de maneira tão agressiva”, diz Raquel Preto, diretora do Instituto dos Advogados de São Paulo e representante brasileira no congresso da IFA, criada há 75 anos. O Brasil cobra até 150% de multa sobre o valor do imposto devido. 

Reformar o modo como o Brasil cobra impostos é tão urgente quanto improvável. “Um país só muda seu sistema tributário após uma guerra ou uma ruptura institucional”, diz Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal no governo Fernando Henrique Cardoso.

“É preciso ter em mente que nunca haverá um sistema perfeito.” Há iniciativas que podem nos inspirar. O Canadá tem, desde 1945, a Canadian Tax Foundation, instituição apartidária da qual fazem parte empresas, políticos e especialistas em contas públicas.

Qualquer mudança que se pense nos impostos passa antes por intenso debate entre os membros da instituição. Só depois segue para o Parlamento. Isso não quer dizer que o país esteja imune a barbeiragens.

A província francófona de Quebec tem seu próprio imposto sobre valor agregado para se diferenciar de províncias que falam inglês. Ou seja, no mundo todo o sistema tributário é imperfeito. O inaceitável é se conformar com as deficiências e não fazer nada para melhorar.

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