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Após anos de prejuízo, a rede de vestuário Lojas Marisa aposta em — surpresa! — moda e atrai a atenção de investidores. Será que o pior já passou?

Pimentel, presidente da Marisa: investimento na qualidade das peças   (Leandro Fonseca/Exame)

Pimentel, presidente da Marisa: investimento na qualidade das peças (Leandro Fonseca/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 12 de março de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de março de 2020 às 05h30.

Em novembro, os executivos da varejista de vestuário Lojas Marisa precisaram tomar uma decisão que havia muito tempo não se apresentava para a empresa: dispensaram investidores interessados em comprar ações da companhia.

A Marisa, que passou os últimos quatro anos distante do mercado de capitais por “não ter muito o que contar”, nas palavras de seu presidente Marcelo Pimentel, captou 515 milhões de reais numa emissão subsequente de ações (chamada follow-on) e atraiu muito mais compradores do que o número de papéis disponíveis. “Não me esqueço de uma reunião em que tivemos de ­decidir quem ficaria de fora. A demanda foi equivalente a oito vezes a oferta. Foi impressionante ver o interesse do mercado”, afirma Pimentel, que está na empresa desde 2017 e assumiu a presidência em julho.

Veterano do setor de varejo, com passagens pelo Walmart e pelo grupo DPSP, que controla as drogarias São Paulo e Pacheco, o executivo acompanhou de perto a mudança na visão que o mercado de capitais tem da companhia. Entre 2013 e 2018, a ação da Marisa caiu 87% na bolsa de valores B3 por causa de um desempenho financeiro sofrível. Com investimentos em peças de roupa mais bonitas e duráveis, ajustes para deixar as lojas funcionais e melhorias no e-commerce, o papel subiu 209% desde junho de 2018, e a varejista hoje vale 3,1 bilhões de reais. Mas ainda precisa provar que a transformação não foi só visual.

A Marisa vem surfando uma onda que tem beneficiado as varejistas brasileiras de forma geral: a expectativa de melhora da economia e um aumento do consumo. Por causa desse otimismo, a Via Varejo, de eletroeletrônicos, subiu 168% na bolsa no ano passado e a rede de roupas Renner avançou 51%, ante uma alta de 28% do Ibovespa. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, as vendas do varejo aumentaram 3,9% em 2019, terceiro ano consecutivo de alta. Para 2020, a expectativa é de elevação de 5,3%. Ainda não se sabe, porém, qual será o impacto da epidemia global de coronavírus na atividade. A expectativa de crescimento do PIB em 2020, que era de 2,3% em meados de fevereiro, caiu para menos de 2% na segunda semana de março, de acordo com dados da pesquisa Focus, do Banco Central, com analistas de mercado.

Mas o interesse pela Marisa não é feito só de razões macroeconômicas. O plano que a varejista traçou para sair do buraco vem dando sinais de resultado. Fundada em São Paulo em 1948 pelo empresário Bernardo Goldfarb, a empresa se consolidou como uma varejista de roupas íntimas com lojas em todas as regiões do país. Na última década, buscou reforçar sua presença no mercado mais amplo de moda, competindo com grandes redes, como Renner e C&A. Porém, a estratégia teve vários erros. Focada nas consumidoras da classe C, a Marisa manteve os preços baixos, o que comprometeu a qualidade de seus produtos. “Com a evolução das redes sociais, a consumidora jovem passou a ter mais acesso à moda, ficou mais antenada. As concorrentes se mexeram para ter produtos mais ligados às tendências e a Marisa ficou com produtos baratos, mas pouco atraentes”, afirma Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da consultoria em varejo GS&Consult. O resultado foi que essa cliente, que trabalha fora, faz faculdade à noite e tem vida social no fim de semana começou a deixar as lojas da marca. Quem ficou foi a dona de casa, que em geral consome menos. “Nós perdemos uma cliente importante, que é jovem, trabalha,­ estuda à noite. Essa mulher tem muita necessidade de moda”, afirma o presidente Pimentel.

Magazine Luiza: modelo de integração entre lojas físicas e comércio online | Germano Lüders

O início da mudança veio em 2016, quando a gestão começou a se profissionalizar. Márcio Goldfarb, filho do fundador, deixou a presidência da companhia após 26 anos para atuar no conselho de administração. Em seu lugar assumiu o executivo Marcelo Araújo, que saiu em 2018. Pimentel passou a ocupar o posto em julho do ano passado. A primeira providência da Marisa para reconquistar suas clientes foi tornar os produtos mais atraentes. As peças começaram a seguir mais as tendências de moda, ainda que de forma adaptada para o perfil de suas consumidoras, que não trocam o guarda-roupa com frequência. Em vez de lançar uma peça em tom neon, por exemplo, a empresa prefere apenas pincelar a cor nos detalhes. Fornecedores foram revistos, e o controle de qualidade dos produtos ficou mais rígido. O processo fez com que os preços aumentassem. No entanto, pesquisas internas da companhia indicam que a consumidora está vendo uma melhor relação custo- benefício de comprar na Marisa. Para convencer a cliente a retornar às suas lojas, a rede investiu em promoções no primeiro semestre de 2019. “Era necessário que a cliente levasse a roupa para casa, testasse o caimento, colocasse na máquina de lavar. E vimos que no segundo semestre essa mesma cliente começou a voltar. Essa recorrência é o grande sinal de que nossa estratégia está dando certo”, diz Pimentel. O próximo passo foi reorganizar as lojas, que estavam confusas e dificultavam o momento da compra. Depois veio o treinamento para os funcionários, o que não acontecia havia quatro anos. Essa providência resolveu problemas como a fila para pagar as compras nas lojas. Agora, todos os funcionários podem atuar no caixa nos horários de maior movimento.

Depois de resolver essas questões básicas, a companhia começou a olhar para as últimas tendências estratégicas no varejo, como a integração das lojas físicas com a online. Essa união do varejo tradicional com o digital é uma das fortalezas do Magazine Luiza, que subiu 26 vezes na bolsa nos últimos três anos e atualmente vale 73 bilhões de reais. Para tentar alcançar as concorrentes, em 2017 a Marisa reformou seu site, que era ultrapassado e dificultava as compras. No ano seguinte, as vendas via e-commerce cresceram 35% e subiram mais 58% nos nove primeiros meses de 2019. Com a plataforma funcionando, a varejista pôde oferecer serviços como a opção de comprar no site e retirar na loja. Até o final do primeiro trimestre de 2020, a meta é que 300 das 355 lojas da Marisa contem com essa facilidade. A Marisa também tem buscado parcerias com grandes market­places. No final de 2019, abriu uma loja no Mercado Livre. No mês passado, fechou acordos semelhantes com a B2W e a Zattini. No segundo trimestre, espera fechar também com o Magazine Luiza. Numa segunda fase dos investimentos na estratégia multicanal, a companhia vai implementar a entrega a partir do estoque de cada loja, reduzindo o prazo e o custo do frete.

Semana de Moda de Paris 2020: a consumidora está mais atenta a tendências | Jonas Gustavsson/ Sipa USA/ Fotoarena

Com essas medidas em prática, o jogo começou a virar para a Marisa em 2018, quando a rede obteve 28 milhões de reais de lucro após três anos seguidos de prejuízo. Em 2018, o negócio de vestuário gerou 270 milhões de reais de caixa, ou 150 vezes o montante de 2016, enquanto a unidade financeira, de crédito às clientes, teve geração de caixa de 148 milhões, 17% menos do que três anos antes. Os indicadores da eficiência do negócio principal da companhia melhoraram, mas a situação da empresa continua frágil. A receita da Marisa não cresce desde 2016, a dívida bruta aumentou de 1 bilhão para 1,5 bilhão de reais e, nos três primeiros trimestres de 2019, o prejuízo da varejista foi de 145 milhões de ­reais. Os resultados consolidados do ano passado serão divulgados em 19 de março. “O nome Marisa ainda é forte, mas a administração tem de provar que agora acertou na estratégia”, afirma Bruce Barbosa, sócio da casa de análise de investimentos Nord Research.

Sabendo disso, a Marisa corre para aproveitar a maré positiva. A rede vai usar os 515 milhões de reais levantados na venda de ações em novembro para reduzir a dívida. Pagando menos juros, quer começar a reformar as lojas e investir mais em tecnologia. Se tudo der certo, deve voltar a se expandir após cinco anos de retração — a rede fechou 62 lojas desde 2014. A pressa se justifica. Na moda, uma empresa é sempre tão boa quanto sua última coleção.

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