Revista Exame

A revolução do whey: veja o que está por trás desse fenômeno no Brasil

O boom de produtos com proteína do soro do leite, antes majoritariamente importados, impulsiona a tecnologia da produção do ingrediente no Brasil

Fábrica da linha Piracanjuba Whey, em Bela Vista de Goiás, que produz 11 opções de bebidas prontas e dois suplementos de whey protein em pó (Piracanjuba/Divulgação)

Fábrica da linha Piracanjuba Whey, em Bela Vista de Goiás, que produz 11 opções de bebidas prontas e dois suplementos de whey protein em pó (Piracanjuba/Divulgação)

Publicado em 29 de outubro de 2024 às 06h00.

Última atualização em 4 de novembro de 2024 às 16h34.

Para além das tradicio­nais lojas de suplementos esportivos, hoje encontra-se whey protein em qualquer supermercado, farmácia e empório de produtos naturais. E o whey em pó, queridinho dos praticantes de musculação, não é mais a única opção nas prateleiras. Bebidas e snacks proteicos diversos, prontos para consumo, são variações que ganharam popularidade nos últimos anos, alcançando um público amplo, interessado em alimentação saudável, que vai muito além dos frequentadores de academia.

Só de 2021 para 2023, o consumo de whey e outros concentrados de proteína cresceu 25% no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad). Conforme relatório da Mordor Intelligence, o país é, de longe, o maior mercado consumidor de proteína do soro do leite na América do Sul, sendo responsável por quase 60% do total, e a projeção é que continue crescendo a uma taxa anual de 8% entre 2024 e 2029.

A “febre” das bebidas proteicas

Fabricantes tradicionais no setor lácteo tiveram papel essencial nesse salto da categoria, especialmente com as linhas de bebidas, como a Danone, que tem a YoPRO, e a Piracanjuba, com a Piracanjuba Whey.

De acordo com Marcelo Bronze, diretor de marketing da Danone Brasil, em cinco anos de existência, a YoPRO já é uma das três maiores marcas da empresa no país. “A democratização do consumo da proteína, não mais restrita a atletas e hoje entendida como nutriente importante na rotina de alimentação de quem busca alternativas saudáveis para o dia a dia, é a grande alavanca de crescimento”, diz.

Com a demanda em alta, a marca, que tem 24 opções de bebidas lácteas de alta proteína, tem se movimentado para trazer novidades. Alguns exemplos são produtos que unem proteína com cafeína para dar mais energia nas atividades físicas, diferentes formatos, como as barras proteicas feitas em parceria com a empresa Nutrata, e a colaboração com a Havanna para o lançamento de itens com o sabor do doce de leite argentino.

Ana Paula Forti, diretora de processamento da Tetra Pak Brasil: de olho em ideias e tendências para cocriar, com os clientes, o protótipo de bebidas (Germano Lüders/Exame)

A Piracanjuba Whey, outra linha entre as mais vendidas do segmento, também não para de crescer. “Dobramos de volume de 2023 para 2024, e vamos continuar crescendo aceleradamente para os próximos períodos”, afirma Lisiane Campos, diretora de ­marketing do Grupo Piracanjuba. Além de 11 opções de bebidas prontas, com sabores e teores de proteína diferentes, a marca tem no portfólio dois suplementos de whey protein em pó.

O boom do whey nacional

A mudança no mercado consumidor obviamente explodiu a demanda pela proteína do soro do leite, mas essa não é a história toda: o novo cenário também revolucionou a dinâmica do segmento, impulsionando o investimento na tecnologia de produção de whey dentro do Brasil.

Essa proteína, que pode ser concentrada, isolada ou hidrolisada (leia o box para entender as diferenças), é extraída da parte aquosa do leite durante o processo de fabricação do queijo. Sua produção requer o investimento em uma planta industrial específica, com tecnologia avançada, e em um processo complexo de coleta e manuseio de grandes volumes de soro.

Apesar de o Brasil já ter a tecnologia para fabricar o whey há anos, como anteriormente esse mercado era de certa forma nichado, produzir em escala por aqui não era viável, levando praticamente todas as indústrias a optar pela importação, para manutenção de custos e competitividade no mercado nacional. Enquanto isso, o soro produzido por aqui tinha outras destinações, como a área de nutrição animal.

Entretanto, tudo mudou com o boom de novos produtos à base de whey protein. “Com o aumento exponencial da demanda interna, houve uma grande mobilização do mercado brasileiro para a produção local de whey, promovendo a evolução do setor e incentivando investimentos em plantas de produção nacionais”, explica Bronze.

O movimento está trazendo uma série de benefícios para a indústria alimentícia, que incluem maior disponibilidade de matéria-prima, redução de custos, agilidade nas operações, mais estabilidade dos preços (sem as oscilações cambiais da importação) e aprimoramento do setor com avanços tecnológicos e estudos focados nas necessidades brasileiras.

Tecnologias para bebidas

Um ator de destaque nesse novo cenário é a Tetra Pak, que, além de fabricante global de embalagens cartonadas, é especialista em soluções para o processamento de concentrados proteicos, oferecendo produtos, maquinário e serviços customizados.

De acordo com Ana Paula Forti, diretora de processamento da Tetra Pak Brasil, no caso da produção de bebidas proteicas, são duas as formas de obter o whey: concentrando a proteína diretamente do soro líquido, obtido na fabricação de queijos, ou adquirindo o whey protein em pó para formular a bebida. Para atender diferentes tipos de clientes, a empresa oferece ambas as tecnologias.

Cada alternativa envolve maquinário, processo e custo distintos. “No trabalho com o produto líquido, pode ser realizada a ultrafiltração por membranas, que traz maior previsibilidade no custo da bebida. Já a utilização da formulação de pós com líquido, embora traga um resultado muito parecido, está sujeita às variações cambiais, visto que existem diferentes fornecedores de matéria-prima no mercado”, detalha.

Da formulação ao envase

A maioria dos produtos à base de whey prontos para beber que estão no mercado brasileiro hoje é atendida pela Tetra Pak, incluindo as linhas de Piracanjuba e Danone. “De forma geral, nós acompanhamos o crescimento dessa categoria aqui no Brasil desde o início. Isso faz parte do trabalho estratégico que temos com nossos clientes, observando tendências e associando tecnologias de processo, embalagem certa para o sucesso do produto e serviços”, comenta a executiva.

Para a Piracanjuba, a companhia é a fornecedora das embalagens cartonadas e de maquinário , mas com a Danone a parceria vai além do fornecimento e do envase das embalagens de YoPRO. “As duas empresas trabalham em conjunto no desenvolvimento de ideias de inovação e modelos de crescimento das categorias de bebidas prontas para beber”, conta Bronze.

Para esse tipo de trabalho, a Tetra Pak Brasil tem um Centro de Inovação ao Cliente (CIC), localizado em Monte Mor, São Paulo, onde discute novas ideias e tendências com o cliente para cocriarem o protótipo da bebida em uma planta piloto, cuja estrutura possui todos os equipamentos de uma linha de produção em escala reduzida, além de máquinas de envase do produto. “Depois dessa fase, o cliente tem todas as informações técnicas, inclusive testes de formulações, para a produção de uma bebida que atenda às expectativas do consumidor brasileiro”, conta Forti.

O mercado global de bebidas proteicas é estimado em 1,68 bilhão de dólares, e deve atingir 2,43 bilhões de dólares em cinco anos

Made in Brazil

Com o longo histórico de importações, muita gente, erroneamente, ainda torce o nariz quando se fala em whey nacional, como se fosse algo incipiente e de qualidade necessariamente inferior. Ao contrário, atualmente o whey brasileiro rivaliza com as melhores marcas internacionais.

A empresa Sooro Renner, por exemplo, que já produz whey protein no país há cerca de 20 anos, relata que no início era realmente difícil competir com a proteína importada. Porque, mesmo sendo um importante produtor de queijos, havia uma dificuldade por aqui em produzir e manusear um soro de qualidade — diferentemente de países como Estados Unidos, onde esse insumo já estava mais presente no mercado.

Hoje, no entanto, com progressos significativos em tecnologia e processos, esse não é mais um grande desafio. Os fabricantes nacionais de whey possuem muito mais recursos e matéria-prima de qualidade para trabalhar, o que resulta em produtos de pureza comparável às melhores marcas de fora. A própria Sooro Renner é uma amostra dessa evolução: há cinco anos, foi a primeira indústria da América Latina a produzir em larga escala whey protein isolado 90% e, para atender ao mercado em crescimento, a companhia dobrou sua produção com uma nova planta industrial em Marechal Cândido Rondon, no oeste paranaense.

Espaço para crescer

É por avanços assim que as perspectivas para o segmento de whey protein são otimistas. Ainda é um mercado pequeno — apenas 5% do Brasil já tem presença de produtos com alto teor de proteína, segundo Lisiane Campos, da Piracanjuba —, mas em acelerado crescimento. Por isso, ninguém quer perder a oportunidade de alcançar esse público consumidor, cada vez mais interessado em nutrição e saúde, além de conveniência.

“Proteína é um macronutriente essencial para a alimentação. A oferta de um produto prático, que pode ser levado para qualquer lugar, ajuda as pessoas a aumentar o aporte proteico ao longo de um dia”, ressalta a diretora de ­marketing.

No caso do Grupo Piracanjuba, estão sendo feitos investimentos que visam quadruplicar o market share da companhia em bebidas com alto teor de proteína. Na Danone, Marcelo Bronze afirma que, pelo grande potencial de avanço em penetração nos lares brasileiros, esse é um mercado extremamente estratégico para a empresa hoje. “Temos o compromisso de seguir liderando esse crescimento de forma sustentável por meio de produtos e inovações sob a marca YoPRO.”

Na Tetra Pak, a visão é a mesma, de que há muito espaço para crescer. “Principalmente na diversificação, tanto com o aumento de produtos existentes quanto com a ampliação da oferta de sabores. Para apoiar nossos clientes nisso, a Tetra Pak continua investindo em inovação tecnológica, avaliação de mercado por meio de pesquisas e em nossa equipe”, conclui Ana Paula Forti.


De rejeito a ingrediente valioso

Extraído de um subproduto da fabricação de queijos, o whey protein é um belo exemplo de como o conhecimento e a tecnologia podem reinventar uma cadeia produtiva

Mixer industrial de proteína da Tetra Pak, que, além de fabricar embalagens, oferece produtos, maquinário e serviços customizados para setores como o lácteo (Tetra Pak/Divulgação)

Poucas décadas atrás, o soro do leite, substância de altíssimo valor nutritivo, era um inconveniente rejeito da indústria de laticínios. De 80% a 90% do leite usado para produzir queijos é soro; ou seja, são usados em média 100 litros de leite para fazer 10 quilos de queijo, gerando uma sobra de 80 a 90 litros de soro — com todo o queijo feito no Brasil, dá para imaginar o enorme volume produzido. Vista por muito tempo como algo sem utilidade, a substância era em sua maioria descartada, poluindo o meio ambiente.

No entanto, ao longo dos anos, por meio de estudos, o potencial do soro do leite foi enfim descoberto e explorado. Foi então que nasceu o whey protein, que é o nome em inglês para a proteína concentrada do soro do leite. Extraído por meio de processos industriais como filtração e evaporação, é um suplemento rico em aminoácidos essenciais e outros compostos biológicos agora muito valorizado no ramo da nutrição.


Concentrado, isolado ou hidrolisado

O whey protein pode ser encontrado em três categorias, que se diferenciam basicamente pela concentração de proteína e pela forma como a substância se apresenta

A parceria da Danone com a Tetra Pak leva inovação para o setor de bebidas proteicas (Danone/Divulgação)

Concentrado

O teor de proteínas fica entre 35% e 80%. Pode conter pequenas quantidades de gorduras e lactose (açúcar presente naturalmente no leite), sendo absorvido pelo organismo mais lentamente que os demais tipos.

Isolado

Possui maior grau de pureza e concentração de proteínas, que passa dos 90%. A porcentagem de lactose e gordura é baixíssima, de 0,5% a 1%. Graças a um processamento específico, tem maior velocidade de absorção.

Hidrolisado

Com um processo chamado hidrólise, as proteínas são quebradas em pedaços menores, facilitando a digestão e acelerando ainda mais a absorção. Pode ser obtido a partir do concentrado ou do isolado.

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