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A religião agora é outra na Serasa, ou melhor, na Experian

À frente da Serasa, Francisco Valim está mudando uma cultura peculiar - tida durante décadas como o segredo de seu sucesso

Valim: a Serasa crescia, mas menos que o mercado

Valim: a Serasa crescia, mas menos que o mercado

DR

Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2011 às 11h24.

Ao longo dos últimos 17 anos, a Serasa, maior empresa de análise de crédito do país, teve um único presidente, o paulista Elcio Anibal de Lucca. Ele foi o homem escolhido pelos fundadores, um grupo de bancos como Bradesco e Itaú, para comandá-la a partir dos anos 90.

Muitos o viam, porém, como dono da Serasa - não apenas pelo tempo à frente da companhia como pela intensidade com que impregnou suas idéias na gestão. Católico fervoroso, Lucca criou rituais que envolveram os mais de 2 500 funcionários numa cultura particular. Um deles era a celebração anual dos resultados com uma missa na sede da empresa, na zona sul de São Paulo.

Em janeiro deste ano, oito meses após ter tido 70% de seu capital adquirido pela gigante inglesa Experian (os demais 30% permanecem com os bancos), Lucca foi substituído pelo gaúcho Francisco Valim. O novo presidente, que comandava a operadora de TV a cabo Net, tem pela frente a missão de mudar alguns princípios dessa cultura - como deixar a remuneração mais agressiva e dissolver a antiga estrutura da diretoria (veja quadro).

"Não quero descontinuar boas práticas, e sim aprimorá-las", diz Valim, religioso como Lucca - mas seguidor dos preceitos mórmons.

Aos 44 anos, Valim enfrenta uma tarefa diferente daquela com a qual se acostumou ao longo da carreira. Conhecido como hábil reestruturador, ele construiu sua reputação sobretudo nos últimos cinco anos, à frente da Net. Em 2002, ano anterior à sua chegada na empresa, o prejuízo foi de 958 milhões de reais.

Quando saiu, em 2007, o lucro líquido alcançou 208 milhões de reais. Desta vez, Valim não tem pela frente uma terra arrasada. Em 2006, o faturamento da Serasa foi de 691 milhões de reais e o lucro superou 103 milhões (os dados de 2007 ainda não foram divulgados). Seu desafio é acelerar esse crescimento.

Segundo o Banco Central, no ano passado o volume de crédito financiado por bancos brasileiros aumentou 32,3%, alcançando um total de 660 bilhões de reais. A Serasa, porém, não acompanhou esse crescimento - sua taxa de expansão foi de 17%. "Quando as coisas estão bem, é difícil convencer as pessoas de que as mudanças são necessárias", diz Valim.


A missão de Valim torna-se particularmente delicada porque envolve mudanças em alicerces de uma cultura peculiar - que, até agora, eram vistos como segredo de sucesso. (O criador de boa parte deles é Lucca, que se tornou presidente de assuntos corporativos da Experian para a América Latina e continua dando expediente na mesma sala que ocupava como presidente da Serasa.

Procurado por EXAME, ele não quis dar entrevista.) Valim acabou com a estrutura duplicada na diretoria, batizada por seu antecessor com o nome de foco matricial bipolar. Na prática, cada uma das cinco diretorias da empresa era ocupada por dois profissionais - um que cuidava do presente e outro do futuro. Na área de marketing, por exemplo, o paulista Ricardo Loureiro era o homem do futuro e desenvolvia novos produtos.

O espanhol Juan Carrillo, o do presente, preocupava-se em vendê-los. Em abril, a estrutura bipolar deu lugar a cinco unidades de negócios, divididas por categoria de produtos. Assim, Loureiro, ex-diretor de marketing do futuro, passou a ocupar a presidência da unidade de negócios de serviços de informação de crédito para pessoas físicas. "Minhas responsabilidades aumentaram", diz. "Passei a responder pelas perdas e pelos lucros de uma empresa."

Não foi apenas o organograma criado por Lucca que o novo presidente jogou por terra. A rotina dos vendedores também mudou. Antes cada um chegava a administrar até 100 clientes de vários portes. Hoje, cada vendedor cuida de 40, em média, todos com o mesmo perfil. Para isso, a Serasa contratou mais de 150 vendedores no último mês.

"Ficou mais fácil entender o negócio do cliente e sugerir novos produtos", diz Flávia de Oliveira, gerente da Serasa. Antes responsável por cuidar de cerca de uma centena de empresas de portes variados, Flávia divide agora seu tempo entre sete grandes varejistas. Sua freqüência de visitas a clientes como a Pernambucanas quadruplicou - de duas para oito vezes ao mês.


O teto para os bônus também deixou de existir. Cauteloso quanto à influência de prêmios individuais sobre o espírito de equipe, Lucca limitara a recompensa a 1,2 salário. No novo modelo, os limites acabaram - quem vender mais ganhará.

Aqueles que conseguirem dobrar a meta, por exemplo, vão receber dois salários extras. "Superar metas nunca foi fácil, mas agora temos mais motivos para encarar o desafio", diz Flávia.

Mesmo que a novidade tenha inebriado os vendedores, ainda é cedo para dizer se as mudanças trarão os resultados esperados. "De janeiro para cá, já fui atendido por três gerentes diferentes e só percebi que as coisas lá estão mudando", diz o diretor de um banco de médio porte. Alguns funcionários também vêem com receio as alterações na cultura da Serasa.

"Valim sabe que tem de fazer tudo com cautela e está pisando em ovos", diz um deles. A convivência entre Valim e Lucca é freqüente - eles se encontram duas vezes por mês. O atual presidente nega que haja rupturas - e, embora se declare contra o uso de símbolos religiosos no ambiente de trabalho, nem sequer ameaçou tirar os vários crucifixos espalhados pelas paredes dos escritórios.

Apesar disso, funcionários e clientes da Serasa duvidam que, se o resultado for positivo no final do ano, a comemoração será uma missa de ação de graças.

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