Cobre, chumbo, carvão e alumínio: a Glencore domina a negociação de algumas das principais commodities (Reprodução/Stock.Xchng)
Da Redação
Publicado em 16 de junho de 2011 às 12h00.
Sempre que uma empresa que domina seu mercado decide abrir o capital na bolsa de valores, dividindo seu destino com novos investidores, o público tem razões para desconfiar: o mercado em que essa companhia atua está perto do pico?
A resposta, muitas vezes, é sim — e os acionistas da empresa, por sua capacidade única de perceber para onde as coisas caminham, estão, na verdade, saindo na hora certa.
A situação lembra uma daquelas cenas de filmes de aventura, estilo Indiana Jones, em que o herói, com pouco tempo para fugir de uma ameaça premente, esgueira-se no último segundo pela fresta derradeira do portal que se fecha, deixando os problemas para trás. Foi assim em 2007, quando o Blackstone, maior fundo de private equity do mundo, abriu o capital.
A oferta inicial, feita no auge da bolha de crédito, foi um sucesso, mas o setor entrou em colapso nos meses seguintes. O preço da ação caiu de 35 para 4 dólares. Em 1999, o banco Goldman Sachs levantou 3,7 bilhões de dólares em seu IPO, meses antes do colapso do mercado de ações com o estouro da bolha pontocom. O mesmo fantasma surge agora, às vésperas da estreia na bolsa da companhia suíça Glencore.
O que diabos é essa tal Glencore?, muitos perguntarão. Trata-se de uma das maiores e mais poderosas empresas do setor de commodities em todo o mundo. Não é à toa que, mesmo com esse poder todo, a Glencore seja desconhecida — por décadas, a companhia foi protegida por um sigilo obsessivo.
Quando alguns números foram finalmente divulgados em seu website há alguns anos, por pressão do mercado, os analistas do setor imprimiram as páginas às pressas, convencidos de que as informações haviam sido publicadas por engano.
Os executivos da companhia, sediada na cidade suíça de Baar, raramente dão entrevistas. Convidado a falar sobre o IPO, o escritório no Rio de Janeiro limitou-se a informar que “é política da empresa não falar com a imprensa”.
Fundada em 1974, a Glencore compra e vende dezenas de produtos, como petróleo, zinco, cobre e trigo. O quadro na página ao lado dá a medida da relevância que a companhia tem nesses mercados. “Em dimensão e setores cobertos, não existe nada parecido no planeta”, diz Stuart Burns, fundador da consultoria de commodities Aptium Global.
Além do poder na comercialização, a Glencore é acionista de gigantes do setor, como a mineradora Xstrata. Em 2011, após anos de especulação, seus sócios decidiram que era a hora de abrir o capital nas bolsas de Londres e Hong Kong. A operação, que acontecerá no fim de maio, será uma das maiores da história.
Deve levantar 11 bilhões de dólares — o valor de mercado da Glencore será de algo como 60 bilhões de dólares, impulsionado pelo espantoso crescimento de 39% nos lucros em 2010. Com o IPO, o presidente da empresa, Ivan Glasenberg, terá um patrimônio calculado em 9,6 bilhões de dólares, quase o triplo do obtido pelos fundadores do Google em sua abertura de capital.
Mais transparência
O poder de atração da Glencore se explica, basicamente, pelo fato de que Glasenberg e sua turma sabem, melhor que ninguém, vender e comprar commodities. E, se eles decidiram vender agora, será que é mesmo a hora certa de comprar? As suspeitas ganharam força no fim da primeira semana de maio, quando uma súbita desvalorização nas principais commodities assustou os investidores.
E não faltam analistas prevendo que a queda vai continuar a partir de agora. Um deles é o Goldman Sachs. Em abril, o banco recomendou que os investidores se afastassem de commodities como petróleo, cobre e platina, advertindo que o crescimento global mais lento pode pressionar os preços.
Para afastar a impressão de que estão fugindo de um incêndio, os principais executivos da Glencore se comprometeram a não vender suas ações por cinco anos. Eles afirmam que o objetivo do IPO é simplesmente levantar dinheiro para crescer por meio de aquisições. O principal alvo é a própria Xstrata, listada na bolsa de Londres e da qual a Glencore já detém uma fatia de 34%. Uma fusão criaria uma empresa de commodities à altura das gigantes BHP Billiton e Rio Tinto.
O argumento da Glencore é coerente. Há duas décadas, a comercialização de commodities garantia grandes margens de lucro às líderes, que gozavam de acesso a informações exclusivas sobre mercados nos quais tinham presença física. Sabendo o que aconteceria com a safra de café de um país, por exemplo, a companhia podia comprar ou vender posições no mercado futuro antes da concorrência.
Essa margem de manobra diminuiu com a tecnologia e a universalização do acesso à informação. A solução foi ampliar a atuação em outros segmentos, como extração e processamento. “Isso faz muito mais sentido do que um suposto estouro de bolha, já que as commodities ainda têm muito a avançar graças à demanda de países como a China”, diz Burns, da Aptium Global.
Ele também afirma que a abertura de capital é positiva porque a reservada empresa agora terá, finalmente, de prestar contas ao mercado. Que a transparência vai aumentar, é inescapável. Se o maior IPO do ano é sinal de que vem crise por aí, só o vaivém das commodities vai dizer.