Parque híbrido de energia solar e eólica da Enel no interior de Pernambuco: a oportunidade de crescer nos rincões do país impõe desafios (Germano Lüders/Exame)
Renata Vieira
Publicado em 22 de novembro de 2018 às 05h38.
Última atualização em 22 de novembro de 2018 às 11h01.
Na região leste da Chapada Diamantina, uma das maiores atrações turísticas da Bahia, está a pacata Morro do Chapéu. A cidade, a 400 quilômetros da capital Salvador e com pouco mais de 35.000 habitantes, é conhecida também pela produção de morangos, uvas e flores. Ao lado do comércio, a pequena agricultura responde por boa parte da renda local. Há cerca de um ano, porém, a economia morrense ganhou um novo motor.
Localizada a cerca de 1.000 metros de altitude, a cidade registra rajadas de vento suficientes para movimentar as 86 turbinas aerogeradoras instaladas pela multinacional italiana Enel no alto de suas chapadas. Elas compõem seis usinas eólicas entre Morro do Chapéu e o município vizinho Cafarnaum. Com capacidade instalada de 172 megawatts, as usinas produzem energia suficiente para abastecer 300.000 famílias.
A Região Nordeste concentra hoje boa parte da geração de energia elétrica proveniente de fontes eólica e solar do Brasil — e a Enel é líder do segmento. Desde 2014, a empresa tem a maior capacidade instalada de painéis solares do país, recentemente acrescida da Usina de Nova Olinda, no Piauí, maior parque solar em operação na América do Sul. A Enel também está à frente na geração eólica, se considerado seu portfólio de projetos em construção.
Fundada em 1962, e de controle italiano, a multinacional de energia Enel se constituiu formalmente no Brasil em 2005, quando decidiu unificar numa holding local as operações adquiridas em anos anteriores. Mais recentemente, o Brasil ganhou relevância entre os 34 países em que o grupo opera, e uma das razões é o potencial de expansão em energias renováveis por aqui. O grupo tem cerca de 86 gigawatts sob sua gestão em todo o mundo — e metade disso vem da geração de energia a partir de fontes verdes, sobretudo na Europa e no norte da África. Em 2017, a Enel investiu no Brasil a cifra recorde de 9 bilhões de reais. No mesmo ano, metade de todo o crescimento da multinacional em energia renovável se deu aqui.
Mais recentemente, a empresa expandiu seu horizonte na seara da distribuição. Um marco foi a compra de 95,88% de participação na Eletropaulo, em junho, por 5,5 bilhões de reais, que a levou ao posto de maior companhia do setor no país. “Acreditamos que as fontes renováveis possam livrar o país do risco de racionamento de energia”, diz Nicola Cotugno, presidente da Enel no Brasil.
Em 2017, a capacidade de geração de energia eólica no Brasil ultrapassou a marca dos 14 gigawatts — potência equivalente à de Itaipu, maior usina hidrelétrica do país. Hoje, há 568 parques eólicos em 12 estados, suficientes para atender o consumo médio de 80 milhões de pessoas. A força dos ventos chega a abastecer 14% do sistema interligado nacional. No Nordeste, a fatia chega a 70%. Estima-se que, em 2030, a fonte eólica responderá por até 20% de nossa matriz elétrica.
O mercado de geração solar também avança. A capacidade instalada, incluindo usinas centralizadas e a geração distribuí-da em residências e comércio, cresceu 90 vezes nos últimos cinco anos. Em 2017, o Brasil tornou-se o décimo maior gerador de energia solar do mundo. Até 2022, serão investidos quase 22 bilhões de reais por aqui, já contratados por meio de leilões de energia solar. A projeção é que essa fonte represente até 10% da matriz elétrica brasileira em 12 anos — hoje, ainda não passa de 1%.
Explorar as oportunidades existentes representa um desafio com diversas facetas. Boa parte dos locais favoráveis para esse tipo de geração está nos rincões do país, onde predomina uma realidade social bem diferente da que a empresa encontra na matriz. A poucos quilômetros do parque eólico na Bahia, num dos vários sobrados coloridos que preenchem o centro de Morro do Chapéu, está o salão da Sociedade Filarmônica Minerva. É ali que a orquestra de sopros da cidade, fundada há 112 anos, ensaia seu repertório.
Composto de crianças a partir de 6 anos, adolescentes e idosos, o grupo tornou-se presença garantida em quase todos os festejos locais. Há dois anos, no entanto, as atividades estiveram prestes a ser interrompidas. Sem fonte de renda além das contribuições mensais de antigos associados, não havia recursos para contratar professores nem para comprar instrumentos. Nos mesmos arredores, na comunidade quilombola Queimada Nova, boa parte das mulheres sobrevive da colheita manual da cebola, vendendo por apenas 1 -real 20 quilos do legume. Como esses, a Enel mapeou centenas de casos de vulnerabilidade social espalhados nos estados brasileiros em que atua: Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Piauí. Do ponto de vista técnico, a operação de parques eólicos e solares, bem como de redes de transmissão e distribuição de energia, em nada depende do bem–estar das comunidades ao redor. Mas é ao lado delas que a Enel vai operar sob contratos que se estendem por 20 anos. O entendimento acerca da relevância de parcerias que gerem impacto positivo para o negócio e seu entorno passa pelo conceito de valor compartilhado, que vem guiando a estratégia de sustentabilidade da Enel nos últimos quatro anos.
Com o apoio da Enel, a Sociedade Filarmônica Minerva conseguiu contratar um professor de música e ampliar o número de vagas. O projeto agora é parte de uma rede fundada pela empresa para fortalecer o ensino de música a crianças e jovens em todo o Brasil, batizada de Sinfonia do Amanhã. De 2016 para cá, 26 projetos integraram a rede. Em Queimada Nova, a colheita da cebola deixou de ser a única via de renda de um grupo de mulheres quilombolas. Depois de participar de oficinas de culinária, elas começaram a produzir biscoitos — e cada pacote, feito em um forno industrial, vale o mesmo que um saco de 20 quilos de cebola colhida sob o sol. “Nosso objetivo é criar uma cozinha comunitária capaz de fornecer os biscoitos para Morro do Chapéu inteiro, inclusive para as escolas públicas”, diz Sirlene Santos, assistente social e líder comunitária.
Hoje, cerca de 40% de todos os projetos tocados pela Enel no Brasil se encaixam na premissa do valor compartilhado — quando há benefício social e também corporativo. Embora não seja tão simples mensurar o retorno que o desenvolvimento local e o ganho de reputação podem gerar para os negócios, há casos em que a conta é claramente vantajosa para a empresa. É o que se verifica nas operações de distribuição em cidades do Rio de Janeiro atendidas pela Enel.
Diante da inadimplência notada em algumas áreas — sobretudo as mais pobres —, a empresa começou a trocar os refrigeradores antigos dos clientes por modelos mais eficientes, que induzem até 70% de redução no consumo de energia. Mais da metade dos beneficiados registrou uma redução de quase 20% no consumo, tornando a conta de luz mais fácil de ser paga. Ao mesmo tempo, a arrecadação com esses clientes cresceu 8 pontos percentuais. Iniciativa parecida se deu em escolas de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. É o caso da Escola Municipal Maestro Heitor Villa Lobos, que há pouco mais de um mês recebeu 16 painéis fotovoltaicos e teve mais de 300 lâmpadas trocadas por iluminação do tipo LED, mais duradoura e eficiente no consumo de energia.
A economia prevista é de 6 megawatts por ano, uma redução de 46% no consumo da escola no mesmo período. “Pagando menos na conta de luz, sobra recurso para investir em educação”, afirma Elizia Correia de Paula, diretora da instituição. A instalação dos painéis veio acompanhada de um programa de cultura, educação e sustentabilidade para alunos e professores que durará um ano. “Não é razoável cortar o fornecimento de uma escola por inadimplência e, ao mesmo tempo, é possível usar recursos incentivados de maneira inovadora”, diz Márcia Massotti, executiva da Enel. Ela se refere aos recursos do programa de eficiência energética da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que determina que 0,5% da receita líquida das distribuidoras seja investido em ações que promovam o uso racional de energia e que, em geral, é empregado em melhorias de iluminação em unidades consumidoras.38
O futuro: só fontes limpas
Desde 2005, a Enel conta com uma rede de quase 500 líderes locais nos nove estados em que atua. São pessoas e instituições que, embora não tenham nenhum vínculo formal com a empresa, foram identificadas como peças-chave para o diálogo com as comunidades. Diálogo esse que passa pelo entendimento de profundas e relevantes diferenças sociais entre as várias cidades em que opera. “Não se trata de construir um parque para as crianças em cada cidade, mas de escutar as necessidades de cada local”, afirma Cotugno, que acaba de assumir o cargo de presidente no Brasil após uma temporada no comando da empresa no Chile.
No caso do Rio de Janeiro, os nove grupos de líderes comunitários têm papel determinante para a execução de tarefas tão simples quanto fundamentais para a empresa — a manutenção de postes, fiação e transformadores nas favelas cariocas. Não raramente, a entrada de qualquer um que não seja morador é vetada após certo horário — e pode virar um risco para os funcionários da Enel descumprir determinados esquemas de funcionamento. Para garantir o acesso seguro a esses lugares e a manutenção adequada da rede, a Enel treinou líderes para saberem identificar situações de emergência, como um fio de alta tensão que se solta da linha de transmissão. E criou grupos de WhatsApp para que eles possam se comunicar rapidamente com as equipes técnicas responsáveis por aquela localidade.
Ao conseguir entrar em determinada área e resolver o problema rapidamente, a companhia evita multas por corte de fornecimento, que, por sua vez, podem gerar índices ruins de qualidade de atendimento nos órgãos de defesa do consumidor. Com isso, também reduz o custo operacional de atender, por exemplo, centenas de ligações sobre o mesmo incidente. O contexto é desafiador: o Rio de Janeiro é o estado que concentra o maior índice de furto de energia registrado pela Enel no Brasil: 22% da eletricidade fornecida ali é desviada.
Só em 2017 a Enel contabilizou 252 projetos sociais — diretamente promovidos ou apoiados pela companhia — e quase 7 milhões de pessoas beneficiadas. Na ponta do lápis, cerca de 2,4 milhões de reais foram gerados para as comunidades de seu entorno. Ao que tudo indica, o tamanho desse leque de ações vai crescer junto com as operações. Hoje, cerca de 43% da geração da Enel se concentra em pequenas centrais hidrelétricas. O restante se divide entre a geração eólica e a geração solar, somadas a uma pequena fatia de geração térmica a gás no Ceará.
Até 2050, a Enel pretende operar uma mescla de fontes de energia 100% renováveis. Na Itália, antigas usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis, como o carvão, já foram desativadas e estão dando lugar a projetos de renováveis. No Brasil, o plano é o mesmo. Em 32 anos, as fontes de energia serão 100% limpas. Eis um ganha-ganha que, para a Enel, já se provou bem-sucedido.