Revista Exame

A empresa de 65 mil famílias

3ª maior produtora de aves e suínos do Brasil, a Aurora deverá faturar inéditos R$ 10 bilhões. A demanda chinesa ajuda — mas a empresa investe para crescer

Mario Lanznaster: aos 79 anos, ele é apenas o terceiro presidente nos 50 anos de história da Aurora   (Suellen Santin/Exame)

Mario Lanznaster: aos 79 anos, ele é apenas o terceiro presidente nos 50 anos de história da Aurora (Suellen Santin/Exame)

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Da Redação

Publicado em 7 de novembro de 2019 às 05h46.

Última atualização em 12 de novembro de 2019 às 11h22.

engenheiro-agrônomo Mario Lanznaster, de 79 anos, é um dos mais discretos e menos conhecidos presidentes do grupo de 100 maiores empresas do Brasil. Calça jeans e chave pendurada no cinto, ele comanda o frigorífico catarinense Aurora, um colosso que deverá faturar 10 bilhões de reais em 2019. Lanznaster é o segundo filho mais velho de uma família de 15 irmãos de Presidente Getúlio, em Santa Catarina, que vivia da plantação de fumo.

Lanznaster decidiu que esse não era o futuro que ele queria. Passou alguns anos como seminarista, foi convocado para servir no Exército, mas acabou se tornando o primeiro membro da família de origem ítalo-austríaca a cursar o ensino superior, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As habilidades de datilografia, herança dos tempos do seminário, ajudaram-no a pagar as contas durante a faculdade.

Em 1968, ele foi contratado para prestar assistência rural em uma cooperativa de suinocultura de Chapecó, no oeste catarinense. Ali nascia a base do que viria a ser o terceiro maior conglomerado industrial do setor de carnes do Brasil: a Aurora Alimentos. Fundada em 1969, reúne 11 cooperativas, emprega mais de 29 000 pessoas diretamente e tem 65 000 famílias rurais cooperadas. Lanznaster, há 12 anos no cargo, é apenas o terceiro presidente da história da companhia. Todos formados em casa. “Temos de manter a disciplina e a rigidez. O agricultor respeita essa cultura”, diz Lanznaster.

A Aurora inaugurou em outubro, em Chapecó, sua nova unidade processadora de carne suína, a maior do país. O investimento de 268 milhões de reais permitiu dobrar a capacidade de abates para 10 000 por dia. Com isso, as unidades de suínos da empresa podem abater um total de 25 000 cabeças por dia. A Aurora também atua no mercado de aves — com 1 milhão de abates por dia — e, desde 2007, na produção de leite — com 1,5 milhão de litros diários.

No total, a companhia fabrica mais de 800 produtos, entre eles cortes de carne, lasanhas e iogurtes. A previsão da Aurora é crescer 10% em 2019 e outros 20% no ano que vem para alcançar um faturamento de 12 bilhões de reais. O avanço poderia ser maior, segundo Lanznaster, mas a principal barreira de expansão da empresa é a oferta de milho no oeste catarinense. Trazer o insumo de outros estados custaria caro e reduziria a competitividade. Levar a produção para regiões distantes também não faz sentido para uma empresa gerida por seus cooperados.

Como cooperativa central, a empresa administra outras 11 cooperativas em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Cada uma delas tem uma cota da companhia. Os lucros não reinvestidos são distribuídos às famílias cooperadas. Há um conselho de administração, mas, no caso de decisões mais complexas, as filiadas podem promover assembleias para colher os votos dos cooperados.

É um sistema que exige disciplina e confiança para funcionar. “Se algum cooperado não cumpre com a cota diária, ele é punido. O cooperativismo depende disso para dar certo”, diz Lanznaster. Em outras empresas de carnes e suínos, como a BRF, que também tem operação industrial em Chapecó, as famílias integradas na cadeia produtiva seguem os padrões da empresa e recebem pelos lotes fornecidos, mas não têm participação nem recebem lucros.

Mario Fries, cooperado há 34 anos da Cooperalfa, uma das filiadas da Aurora, afirma que o sistema de cooperativas remunera melhor que a integração tradicional. Hoje, sua propriedade em Guatambu, cidade vizinha a Chapecó, tem cerca de 80 hectares e 1 000 matrizes produtivas de suínos, que entregam quase 42 000 leitões por ano. Em sua fazenda, Fries emprega 14 funcionários, todos com carteira assinada, tem uma granja, gado e plantação de grãos.

Assim como suas concorrentes, a Aurora tem na exportação uma das principais fontes de receita. Atualmente, exporta para mais de 60 países e a unidade de Chapecó é a única do Brasil habilitada a embarcar carne in natura para o exigente mercado dos Estados Unidos.

Para a Aurora, assim como para a BRF e para a JBS, este é o melhor ano das últimas décadas. O motivo vem do outro lado do mundo: uma peste está dizimando o rebanho suíno da China, responsável por mais da metade do consumo de carne de porco no mundo. De acordo com estimativas da Agrifatto Consultoria de Agronegócio, a chamada peste suína africana, altamente contagiosa, deverá levar à liquidação de 70% a 80% do rebanho chinês, de 340 milhões de cabeças, até o ano que vem.

Nesse cenário, os preços da carne de porco na China quase triplicaram em 12 meses. Na avaliação de especialistas, o problema ainda pode perdurar durante pelo menos três anos. “Esta crise vai redesenhar o mercado global de carne suína. A China não conseguirá se recuperar tão cedo e essa será uma excelente oportunidade para o setor no Brasil”, diz Lygia Pimentel, diretora executiva da Agrifatto.

Os traços desse novo desenho já podem ser vistos no desempenho das ações dos frigoríficos brasileiros na bolsa. Os papéis da BRF valorizaram 60% nos últimos 12 meses; os da JBS, 170%. A representatividade da China no setor de proteína animal brasileiro passou de 8% do total de embarques, em 2005, para 26%, em 2019, atingindo até 46% da carne suína. Nessa toada, as exportações deverão chegar a uma fatia recorde de 25% para a Aurora em 2019.

Em 4 de novembro, a China anunciou a habilitação de sete novas unidades industriais de Santa Catarina para exportação de miúdos de suínos, entre elas duas da Aurora, em continuidade ao processo de recomposição dos estoques chineses. Conforme apurou EXAME, outras 22 unidades frigoríficas brasileiras serão vistoriadas em breve e poderão ser habilitadas a exportar para a China.

Supermercado na China: o preço da carne de porco triplicou em um ano | Hao Qunying/getty Images

Embora o otimismo tenha contagiado o setor de carnes no Brasil, Lanznaster reconhece que o súbito aumento da demanda é pontual. “Os chineses querem comprar tudo o que estiver disponível e eles pagam bem. Mas nós estamos preparados para quando o mercado se acomodar”, afirma.

Para continuar crescendo, a Aurora conta com uma retomada mais forte do mercado doméstico, onde vai enfrentar uma competição cada vez mais intensa. Nos últimos anos, a Aurora expandiu seu portfólio para além dos produtos vendidos in natura. Assim, chegou às centenas de produtos que atualmente compõem seu portfólio, que vão desde carnes até produtos industrializados, como os achocolatados e as pizzas congeladas.

A Aurora tem estratégias de preços diferentes para cada segmento em que atua. Em linguiças frescas, por exemplo, negócio em que é líder de mercado, bate de frente com marcas como Sadia e Perdigão. Em outras linhas em que tem menos tradição, é mais agressiva em preços. Atua também no chamado segmento de “combate”, com a marca Peperi.

A Aurora é o terceiro maior conglomerado frigorífico do Brasil, atrás apenas da BRF e da JBS, dona da Seara, que continuam expandindo sua atuação no país de maneira significativa. As apostas do setor vão desde alimentos com menos adição de sódio até carnes vegetais.

Para a Aurora, a diversificação acontece de forma mais lenta, com mais aversão ao risco do que empresas cobradas por entregar resultados trimestrais. Por outro lado, a Aurora tem a seu favor uma operação enxuta e eficiente com executivos naturalmente comprometidos com objetivos de longo prazo — a diretoria é renovada por meio de eleições entre os cooperados. Aos 79 anos, Lanznaster não vê motivos para sair de cena. 


OS MILHARES QUE ATENDEM MILHÕES

Mais de 14 milhões de brasileiros participam de cooperativas, que, juntas, faturaram 260 bilhões de reais em 2018 | Juliana Estigarríbia

Cooperativa de crédito: a inspiração vem de países como a França | Sergio Cardoso

O frigorífico Aurora é um dos mais reluzentes exemplos de uma organização societária em alta no Brasil e no mundo: o cooperativismo. A lógica é semelhante em qualquer lugar: uma união de pessoas para ganho de escala e competitividade, na compra de insumos de forma conjunta, acesso a diferentes tecnologias e venda em volumes maiores. Todos são sócios do negócio e definem juntos os gestores. Esse sistema econômico sustenta uma parcela importante da economia brasileira.

Desde 2010, o número de pessoas que aderiram ao modelo no país cresceu 62%, segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Ao final do ano passado, o setor contabilizou uma receita de 260 bilhões de reais e 14,6 milhões de cooperados. O cooperativismo foi responsável por 100% das exportações de 36 municípios brasileiros. O crescimento se deve a fatores como crise financeira e queda no emprego formal, mas, em grande parte, ao avanço do agronegócio no Brasil. Esse é o ramo com o maior número de cooperativas atualmente no país: 1 613, seguido de transporte (1 351), trabalho (925), crédito (909) e saúde (786).

Embora o agronegócio represente a maior parte do conjunto de cooperativas do Brasil, o segmento de saúde é um dos que mais têm penetração das cooperativas. “Na saúde, as cooperativas respondem por mais de 30% do serviço consumido no país e representam uma fonte de renda para milhares de profissionais”, afirma Clara Maffia, gerente técnica da OCB. O sistema cooperativo de saúde brasileiro é considerado o maior do mundo, por atender mais de 25 milhões de brasileiros.

Ao todo, são 786 cooperativas e 206 000 cooperados. A Unimed é a maior cooperativa de saúde do Brasil e do mundo, com mais de 300 regionais e mais de 100 000 médicos espalhados pelo país. Os problemas enfrentados nos últimos anos por algumas dessas cooperativas refletem dificuldades inerentes ao cooperativismo: a gestão descentralizada dificulta mudanças e a adoção de inovações.

A gestão de cooperativas envolve participantes que, em tese, têm o mesmo poder de decisão. Cooperativas centrais — como é o caso da Aurora Alimentos — reúnem as singulares, que compõem as assembleias onde ocorrem as votações. Se não há uma cooperativa central, pré-assembleias podem ser realizadas com os cooperados. Para democratizar ainda mais o processo de decisão, a OCB está trabalhando para aprovar uma lei que permite a realização de assembleias virtuais.

Um nicho em alta é o financeiro. O cooperativismo é uma alternativa cada vez mais buscada para substituir os grandes bancos em serviços como a oferta de crédito para profissionais liberais ou microempresas. Na crise recente que assolou a economia, o número de cooperados na área cresceu 42% de 2014 a 2018. Hoje, as cooperativas respondem por 5% do sistema financeiro brasileiro, e a tendência é de alta.

Na França, o cooperativismo de crédito chega a 60% do total; nos Estados Unidos, a 40%. Além de uma atualização da lei, que é da década de 70, Clara Maffia pontua que o cooperativismo precisa ser mais divulgado para chegar a um maior número de brasileiros. No mundo há 1,2 bilhão de cooperados, a maioria no setor de consumo. As 300 maiores cooperativas do planeta faturam juntas mais de 2 trilhões de dólares por ano.

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