Revista Exame

MM 2023: como a economia cresceu nas últimas cinco décadas

De 1973 para cá, a indústria de transformação perdeu participação no PIB, enquanto os setores de serviços e agronegócio impulsionaram o crescimento econômico

Planta da Willys em São Bernardo do Campo, em 1970: “milagre econômico” (Pictorial Parade/Archive Photos/Getty Images)

Planta da Willys em São Bernardo do Campo, em 1970: “milagre econômico” (Pictorial Parade/Archive Photos/Getty Images)

Marcus Lopes
Marcus Lopes

Jornalista colaborador

Publicado em 14 de setembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 14 de setembro de 2023 às 09h28.

Em 1973, a música popular brasileira vivia um grande momento. Mesmo com a ditadura militar no calcanhar dos artistas, Raul Seixas estourava nas rádios com a canção Ouro de Tolo, e o conjunto Secos & Molhados, liderado por Ney Matogrosso, lançava seu álbum de estreia, que vendeu mais de 800.000 cópias. Nos Estados Unidos, os supermercadistas estavam entusiasmados com uma criação tecnológica que revolucionaria o setor dali em diante: o código de barras.

Carros em São Paulo, em 1974: industrialização para o mercado interno (Mario De Biasi/Mondadori/Getty Images)

Na economia nacional, o momento era animador. O Brasil vivia o auge do chamado “milagre econômico”, com crescimento anual de 14% do produto interno bruto (PIB), em 1973. O tal milagre era amparado pela fórmula aplicada pelo então ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, que tinha como base a expansão do consumo da população via crédito fácil, empréstimos externos, crescimento das empresas estatais e grandes obras civis promovidas pelo governo. Exemplo disso, em abril daquele ano, os presidentes do Brasil, Emílio Garrastazu Médici, e do Paraguai, Alfredo Stroessner, assinaram o tratado para a construção da Usina de Itaipu, uma das maiores hidrelétricas do mundo.

As estatais ocupavam um espaço tão significativo na economia e na sociedade brasileira que o primeiro levantamento de MELHORES E MAIORES, em que foram avaliados os desempenhos das maiores empresas em 1973, resultou na elaboração de dois relatórios, um com as 500 maiores empresas privadas e outro com as 50 maiores públicas. A Petrobras foi a vencedora entre as empresas governamentais no primeiro ranking elaborado pela -EXAME. O feito seria repetido em muitas edições posteriores, inclusive na deste ano, em que a empresa petrolífera, hoje de sociedade mista, é a campeã no ranking geral das maiores empresas do Brasil.

Loja de produtos importados no Ro de Janeiro: alta do dólar diante do real (Antonio Scorza/AFP/Getty Images)

Outras grandes estatais da época, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Vale do Rio Doce, atual Vale, também foram destaque em seus ramos de atuação na classificação pioneira e manteriam boas posições nos anos seguintes. A diferença é que tanto a CSN quanto a Vale do Rio Doce foram posteriormente privatizadas pelo governo federal, nos anos 1990. As grandes privatizações, que incluíram outras empresas, como a Telebras, estavam entre as medidas aplicadas para a estabilização da economia promovida pelos então presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

(Arte/Exame)

Segundo Antonio Lanzana, professor da Universidade de São Paulo (USP), a economia brasileira nos últimos 50 anos deve ser analisada a partir de três indicadores fundamentais: variação do produto interno bruto (PIB), inflação e conjuntura externa. “Em relação ao PIB, pode-se perceber a elevada volatilidade da taxa de crescimento, alternando-se períodos de euforia com recessões”, explica Lanzana.

Nocauteado pelos dois choques internacionais do preço do petróleo (1973 e 1979), que abalaram em todo o mundo as economias dependentes da importação do produto, como o Brasil, o “milagre econômico” promovido pelos militares perdeu força, e o país entrou na década de 1980 com queda nas taxas de crescimento do PIB, recessão econômica e inflação alta. A fonte do crédito barato no mercado internacional secou, já que as nações desenvolvidas também tiveram suas economias pressionadas pela crise internacional do petróleo, e o regime militar foi colocado na berlinda.

“O Geisel [general Ernesto Geisel, presidente da República entre 1974 e 1979] não compreendeu o que ocorria no mundo e continuou aumentando o endividamento do Brasil, em dólares. O resultado foi o aumento ainda maior da inflação e o desequilíbrio fiscal”, explica Paulo Paiva, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Luiz Inácio Lula da Silva faz discurso na campanha de 1989: eleito somente em 2002 (AFP/Getty Images)

A redemocratização trouxe novos e bons ares para a política, mas a economia continuou enfrentando desafios. Durante os governos José Sarney (1985-1990) e Fernando Collor (1990-1992), os problemas se agravaram com a hiperinflação, quando as taxas inflacionárias chegaram a 2.750% ao ano, a moeda desvalorizou, a dívida externa aumentou e a produtividade era baixa. Nas palavras do ex-ministro da Fazenda durante o governo Sarney, Maílson da Nóbrega, era uma época de “gogó e taxas de juro”. A garganta era para tentar convencer a população de que a economia estava sendo conduzida da melhor maneira possível, e as taxas básicas de juro — superiores a 50% — eram um analgésico na tentativa de controlar a febre da inflação galopante.

Como o Brasil recuperou a década perdida

Os anos 1980 ficaram conhecidos como a década perdida, mas o crescimento do PIB naquele período, de 56%, não foi o pior, conforme ressalta Fernando Chertman, professor de economia da Universidade da Califórnia. “Na década seguinte, o país cresceu a uma taxa de 23%, mas o período foi marcado pelo bem-sucedido Plano Real, que trouxe de volta a estabilidade de preços”, explica Chertman. O desempenho mais tímido também ocorreu no período 2010-2019, com crescimento de 33% do PIB, segundo dados do Monitor do PIB do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).

Engenheiros da Petrobras: estatais em destaque nos últimos 50 anos (Antonio Scorza/AFP/Getty Images)

“De modo geral, pode-se dizer que desde o fim da década de 1970 o Brasil tem mostrado dificuldades para crescer de forma mais robusta”, avalia Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do FGV Ibre. A opinião é compartilhada pela colega Juliana Trece, pesquisadora do instituto. “Na década de 1970, a economia brasileira teve seu auge. O crescimento acumulado naquele período foi em torno de 124%, explicado pela continuidade da industrialização substitutiva de importações dos governos militares”, diz Trece.

O Plano Real foi implementado em 1994, durante o governo Itamar Franco, e pilotado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que, no ano seguinte, sucederia ao próprio Itamar na Presidência da República. Para o economista Edmar -Bacha, que participou da equipe de criação do real, o plano de estabilização econômica foi a maior demonstração de que a política e a economia caminham juntas.

(Arte/Exame)

“Num governo democrático, não basta ser modesto e competente, como um bom dentista. É preciso saber unir a técnica à política”, explica Bacha no recém-lançado A Arte da Política Econômica (Editora Intrínseca). O livro reúne depoimentos de profissionais que participaram de grandes projetos de políticas públicas, ente eles os economistas que elaboraram o Plano Real.

A receita para o crescimento econômico

Em entrevista a MELHORES E MAIORES, Bacha explica que o livro é uma maneira de mostrar as diferenças entre trabalhar no setor privado e na administração pública. “É preciso compreender o que é o governo e como é trabalhar no governo. Quisemos mostrar as dificuldades enfrentadas quando as pessoas saem da Faria Lima e vão para Brasília”, diz o economista.

Para Bacha, um dos grandes equívocos econômicos ocorridos no país, em especial na década de 1970, foi manter a economia fechada e não ter promovido uma industrialização voltada para exportações. “A Coreia do Sul, que era um país com as mesmas características do Brasil na época, fez essa transição, e o resultado foi uma indústria exportadora forte e tecnológica”, diz Bacha.

Olhando para o futuro, especialistas apontam a necessidade de aumento da taxa de investimento e produtividade, além de maior diversificação da economia. Há 50 anos, a participação da indústria de transformação no PIB era de 25%. Hoje é de 11%, segundo dados aproximados da Fundação Getulio Vargas (FGV). A fatia do agronegócio no PIB, por sua vez, saltou de 7,5% para 24%. Já o setor de serviços elevou sua contribuição ao PIB de 50% para 65%. É importante destacar que o salto do agronegócio como um todo está relacionado a outros serviços, além da agropecuária, como seguros e venda de maquinários.

Pronunciamento de FHC: o Plano Real trouxe estabilidade para a economia (Antonio Scorza/AFP/Getty Images)

“Embora essa redução da importância relativa da indústria seja natural com o processo de desenvolvimento econômico, a velocidade observada foi maior do que em outros países”, diz Lanzana. Isso se deve, segundo ele, a diversos fatores, tais como redução de abertura comercial e maior dificuldade de acesso à tecnologia, carga tributária elevada em relação a outros setores e aumento das importações da China.

Segundo o professor da USP, a receita para a retomada do crescimento é conhecida: reforma do sistema tributário, investimentos em infraestrutura, melhoria do ambiente de negócios, qualificação da mão de obra e adoção de políticas fiscais responsáveis tendo em vista a redução dos juros reais e consistentes com a aceleração do crescimento do país. “Maior crescimento significa mais empregos, renda mais alta, maior capacidade de consumo e maior nível de bem-estar econômico”, diz Lanzana.

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