Revista Exame

A complexidade de produzir bons rótulos segundo a dama do vinho e o senhor terroir

Susana Balbo trabalhou na Catena Zapata, fundou sua própria vinícola e é uma das maiores autoridades no assunto

Susana Balbo: primeira mulher enóloga formada na Argentina (Joel Kwiecinski/Divulgação)

Susana Balbo: primeira mulher enóloga formada na Argentina (Joel Kwiecinski/Divulgação)

Gilson Garrett Jr.
Gilson Garrett Jr.

Repórter de Lifestyle

Publicado em 25 de janeiro de 2024 às 06h00.

“Fazer vinho é relativamente simples. Só os primeiros 200 anos são difíceis.” A afirmação pronunciada pela baronesa ­Philippine de Rothschild resume bem a complexidade de produzir bons rótulos. Solo, clima e intervenção do enólogo são algumas das variáveis nesse processo e bem conhecidas por Susana Balbo, a primeira mulher enóloga formada na Argentina e que há mais de 40 anos se dedica à produção da bebida.

Ela trabalhou na célebre Bodega Catena Zapata, e em 1999 fundou uma vinícola que leva o seu nome, a primeira construída por uma mulher. No Brasil, seus vinhos chegam pela importadora Cantu.

Como está o mercado do vinho para as mulheres?

Tive desafios enormes quando comecei. Precisei trabalhar muito para mostrar que era capaz, e isso não foi fácil. Ainda não vejo muitas mulheres dentro da carreira e menos ainda donas que fundaram a própria vinícola. Acredito que as mulheres têm uma sensibilidade maior na produção dos vinhos e conseguem entregar bebidas com sabores mais expressivos.

Por que os brasileiros gostam tanto de vinho argentino?

Os brasileiros se sentem em casa aqui, o que faz com que a visita aos vinhedos argentinos seja uma experiência emocionalmente marcante. Acredito que nós pensamos muito no mercado do Brasil, que gosta de muita madeira. Os vinhos argentinos também combinam bastante com a comida brasileira. Uma crítica que faço aos vinhos chilenos é que eles são mais voltados para o mercado dos Estados Unidos.

Muitos produtores têm antecipado a colheita das uvas em quase um mês por causa das mudanças climáticas. Como isso tem afetado a produção da vinícola?

Mendoza tem clima de deserto, com influência tanto do Pacífico quanto do Atlântico. Na última vindima tivemos um calor mais persistente, o que levou ao amadurecimento mais rápido da uva. Isso nos levou a fazer um manejo diferente para alargar o ciclo de desenvolvimento da fruta. Estamos trabalhando com produtores na Europa que estudam mudanças genéticas nas videiras para enfrentar o calor, e isso é uma vantagem competitiva.

Há alguma região que você vê como oportunidade na produção de vinhos com essas mudanças?

O aquecimento climático está permitindo à Europa produzir vinhos mais parecidos com os produzidos na Argentina, no Chile e no Brasil, com um paladar de mais frutas. E isso educa o consumidor a provar mais rótulos feitos no Novo Mundo. Essas alterações estão permitindo, ainda, vinhos mais redondos e palatáveis, competindo com regiões de prestígio, como a Borgonha, na França.


...e o senhor terroir

Pedro Parra: consultor da vinícola italiana Argiano (Arquivo Pessoal/Divulgação)

O chileno Pedro Parra é especialista nessa palavra não tão fácil de explicar, mas fundamental para a produção de vinhos

O chileno Pedro Parra é conhecido no meio como “senhor terroir”, reconhecido por ser o maior especialista nessa palavra não tão fácil de explicar, mas tão importante na hora de produzir grandes bebidas. Ele é consultor de dezenas de vinícolas do mundo, incluindo a italiana Argiano, que elaborou o Brunello Di Montalcino 2018, eleito o melhor vinho do mundo em 2023 pela prestigiada revista americana Wine Spectator.

O que é terroir e por que é tão importante?

Os vinhos são como música: muitas pessoas cantam bem, mas os grandes cantores têm algo a mais. Esse algo a mais do cantor vem do treinamento, da voz, do tom, da genética. Um cantor é grande quando gera um som pessoal. Um terroir é grande quando gera uma assinatura, uma tipicidade pessoal. E essa tipicidade vem da terra, sempre da localidade, nunca do homem.

Como definir um bom terroir?

Um bom terroir é uma interpretação boa do solo. Existem fatores em comum que determinam um bom terroir: pedras, drenagem, porosidade, espaço para raízes, espaço para a água, com clima nem muito chuvoso nem muito ensolarado. Esse é o segredo dos grandes terroirs.

O vinho chileno tem esse som especial?

O vinho chileno, como o Malbec argentino, canta bem, mas não canta especial. A pergunta que se precisa fazer é por quê. Encontrar um terroir que saiba cantar é um processo longo, precisa de tempo. Tanto Chile quanto Argentina são países jovens fazendo vinho. Ambos estão no caminho de encontrar a sua música. Há muitos produtores que estão bem perto de encontrar esse algo especial. Eles estão no mesmo estágio de outras regiões dos Estados Unidos, como Napa Valley, Oregon e Sonoma.

Nesse grupo também está o Brasil, em especial com os espumantes?

Sim, claro. É como um Messi ou um Pelé: é raro, mas é possível de encontrar. A Europa já encontrou com o tempo, o resto está procurando. Todos os grandes vinhos do mundo, cerca de 95%, vêm da Europa. Nós aqui na América do Sul precisamos de tempo. A França levou 200 anos para encontrar. Acredito que com a tecnologia esse tempo pode ser menor.

As mudanças climáticas estão afetando produtores tradicionais, como a França. É uma oportunidade para o Brasil?

É uma oportunidade para novos terroirs, que antes, por causa do clima, talvez não pudessem produzir bons vinhos. É um novo jogo, uma transformação importante da qual muitas pessoas não estão conscientes. Outras já estão muito conscientes, como na Califórnia, nos Estados Unidos, e estão investimento muito. Produtores da Borgonha, na França, estão indo produzir vinho lá.

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