Revista Exame

A capital do Vale do Silício tem cultura de inovação sem paralelo

De startups disruptivas a companhias multibilionárias de tecnologia, as empresas da nova economia querem estar em São Francisco

Centro de São Francisco: novos arranha-céus são construídos para abrigar empresas de tecnologia | Steve Proehl/Getty Images /

Centro de São Francisco: novos arranha-céus são construídos para abrigar empresas de tecnologia | Steve Proehl/Getty Images /

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Da Redação

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 05h01.

Última atualização em 5 de outubro de 2017 às 05h01.

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De diversos pontos de São Francisco, na Califórnia, é possível ver um arranha-céu de 386 metros de altura, recém-erguido, que se tornou o mais alto edifício da cidade e de toda a Costa Oeste americana. A Salesforce Tower, prevista para ser inaugurada em dezembro, não é apenas o maior, mas também o mais caro prédio já construído ali: 1,1 bilhão de dólares foram gastos desde o início do projeto, em 2007. Ele foi concebido para se transformar num novo marco da cidade.

Hoje, a torre de vidro e metal em formato de obelisco é vista como um símbolo da riqueza e do poder da indústria da tecnologia, que está mudando profundamente São Francisco. O prédio vai abrigar a sede da companhia de softwares criada por Marc Benioff em 1999, e que agora fatura 10 bilhões de dólares por ano e tem 25.000 empregados em todo o mundo.

A empresa deverá utilizar menos da metade de seus 60 andares, apesar de ter comprado os direitos de nomeação da torre por 25 anos, e continuará a ocupar edifícios na região central da cidade, onde outros espigões estão em construção para hospedar de startups a companhias multibilionárias. Para os críticos puristas, é uma espécie de -“manhattanização” — uma referência à ilha de Nova York — da cidade simbolizada pela ponte Golden Gate.

A uma quadra da Salesforce Tower, o Facebook vai instalar seu primeiro escritório na cidade — a sede da rede social fica em Menlo Park, a 48 quilômetros de São Francisco. Para abrigar 3.000 funcionários, a empresa vai ocupar 40.000 metros quadrados de um prédio de 56 andares em construção, previsto para ser entregue até o fim do ano.

Google, LinkedIn e dezenas de companhias digitais expandiram a presença na cidade, alimentando a bolha imobiliária em torno da indústria de tecnologia. “São Francisco é a melhor localização para nossa sede mundial porque atrai os melhores e mais diversificados talentos de toda a região. E os melhores talentos querem estar no centro da cidade”, diz Elizabeth Pinkham, vice-presidente global para a área imobiliária da Salesforce.

Sede do Airbnb, em São Francisco: a cidade onde as empresas brigam pelos nerds | Gabrielle Lurie/Reuters

São Francisco tornou-se uma espécie de ímã para empreendedores e empresas de tecnologia que procuram mentes brilhantes, capital farto e uma cultura de inovação. Espremida numa península, a cidade, que nos anos 60 e 70 tornou-se a protagonista da contracultura e da defesa dos direitos homossexuais, tem a maior densidade de pessoas com diploma universitário nos Estados Unidos.

São 2.800 graduados por quilômetro quadrado — mais da metade da população local acima dos 25 anos tem formação universitária. E ainda falta gente: calcula-se um déficit de 14.000 profissionais nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

De fato, São Francisco pulsa com a indústria da inovação. Estima-se que quase 10 000 startups operem na cidade. O número de patentes registradas ali cresceu quase 50% de 2010 a 2015 — ante um aumento de 17% em Nova York. De acordo com o escritório americano de propriedade intelectual, quase 9 000 ideias foram patenteadas em São Francisco.

No rastro da inovação, vieram os investimentos. Os fundos de capital de risco alocaram em 2016 cerca de 23 bilhões de dólares em empresas fixadas ali, o triplo do que foi investido no restante do Vale do Silício, área que engloba cidades como Mountain View e Palo Alto. Hoje, a indústria da tecnologia é considerada a principal atividade econômica da cidade, sendo responsável por 20% da massa salarial.

Tudo isso a fez ser considerada a metrópole de maior potencial de futuro, segundo um ranking recente da consultoria americana A.T. Kearney. “A extensão e a magnitude do ecossistema de inovação de São Francisco não têm paralelo com nenhuma outra parte no mundo”, afirma Mike Hales, sócio da A.T. Kearney e líder do estudo que analisou 128 metrópoles.

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O que São Francisco tem hoje é de fazer inveja a muitas cidades. Nos últimos anos, polos tecnológicos mais ou menos bem-sucedidos surgiram em diferentes pontos do globo. Nova York, Londres, Tel-Aviv, São Paulo, Florianópolis e cidades de diferentes tamanhos estão na corrida da inovação, ainda que em estágios diferentes — até em Havana há startups que ambicionam ser o próximo Google. Isso porque o florescimento da economia digital tem se provado uma das melhores vias para uma cidade e sua força produtiva se reinventarem.

O economista americano Edward Glaeser, da Universidade Harvard, autor do livro O Triunfo da Cidade, de 2010, costuma dizer que as cidades são um aglomerado de gente propício à circulação de ideias. É nessa fricção que problemas econômicos, sociais e ambientais são resolvidos. E a indústria de tecnologia é a que talvez melhor transforme ideias inovadoras em qualidade de vida e progresso. Os usuá-rios do aplicativo Waze sabem o que significa pegar uma rota sem trânsito e chegar mais cedo em casa.

Mas nem sempre foi assim em São Francisco. A cidade foi por muito tempo uma coadjuvante de luxo no Vale do Silício. Era a metrópole descolada ali do lado, com uma vida cultural excitante e uma sociedade liberal, mas a inovação de fato acontecia fora de seu perímetro, nos subúrbios em direção à sem graça São José, a 80 quilômetros. (Os fãs de São Francisco costumam fazer galhofa: “São José, uma cidade de 1 milhão de habitantes e nenhuma alma”.)

Nos anos 90, menos de 1% da força de trabalho de São Francisco estava empregada na indústria de tecnologia. Foi nessa época que novas empresas de ponta surgiram no Vale, famoso pela indústria de equipamentos eletrônicos, constituída duas décadas antes, e muitas nasceram dentro da Universidade Stanford.

Empresas como Google e Facebook criaram suas sedes e se multiplicaram em localidades como Mountain View e Palo Alto. Elas precisavam de espaço para abrigar funcionários e infraestrutura — ao estilo de um campus universitário. Ao longo dos anos, a indústria de tecnologia cresceu numa velocidade que a construção civil não conseguiu acompanhar. E o Vale ficou caro.

O desenvolvimento da computação em nuvem, que dispensa o armazenamento de dados em servidores gigantescos, mudou tudo. Para muitas empresas, especialmente as menores, disputar espaço nos subúrbios deixou de fazer sentido. Um laptop e uma boa conexão de internet eram de que elas precisavam.

A crise também ajudou. Com a recessão de 2008, a oferta de escritórios desocupados aumentou rapidamente e, em 2011, o prefeito Ed Lee criou um programa de incentivos fiscais para as empresas que se instalassem na área central da São Francisco. A cereja do bolo foi o surgimento de startups disruptivas que rapidamente atingiram valor de mercado bilionário — as chamadas unicórnios, como Uber, Airbnb, Dropbox e Pinterest.

“O centro de gravidade do Vale do Silício mudou de Palo Alto e arredores para São Francisco”, diz Paul Graham, um dos mais tradicionais investidores do Vale e um dos fundadores da aceleradora Y Combinator. “A competição por programadores tem levado empresas para a cidade, porque essa turma prefere a excitação da metrópole ao tédio dos subúrbios.”

O que acontece hoje em São Francisco é um fenômeno compartilhado com outras cidades globais, como São Paulo e Rio de Janeiro, que passam por um processo de consolidação. Elas atraem mais talentos (incluindo imigrantes), mais dinheiro, mais negócios e mais oportunidades econômicas. “As metrópoles oferecem diversidade, energia criativa, ruas vibrantes e abertura para novas ideias que atraem a indústria da tecnologia”, diz Richard Florida, economista especialista em questões urbanas e professor na Universidade de Toronto, no Canadá.

Um estudo recém-publicado por pesquisadores da Universidade Northwestern, de Chicago, trata justamente da geografia da inovação. Analisando 1 milhão de patentes registradas de 2000 a 2010, o trabalho comparou a produção de inovação das metrópoles com a dos subúrbios americanos. A conclusão foi que, apesar da grande quantidade de patentes produzidas nos subúrbios, nos locais de maior densidade populacional surgiram mais inovações não convencionais, que requerem maior diversidade de pessoas envolvidas na pesquisa e têm um impacto econômico mais significativo.

Uber e Airbnb estão aí para provar, ambos nascidos e criados em São Francisco. “Muitas das soluções geradas pelas startups miram em qualidade de vida e formas mais eficientes de fazer as coisas do dia a dia”, diz o israelense Roy Glasberg, líder do programa global de aceleração de startups do Google, cuja sede foi visitada por EXAME no centro de São Francisco.

Evidentemente, o sucesso da economia digital também trouxe problemas. São Francisco transformou-se na cidade mais cara para viver nos Estados Unidos. A multiplicação dos milionários e bilionários da tecnologia fez os preços dos imóveis dispararem — os mais recentes membros do clube são os irmãos irlandeses John e Patrick Collison, de 26 e 28 anos, respectivamente, cada um deles com 1,1 bilhão de dólares na carteira. Eles são fundadores da empresa de pagamentos online Stripe, instalada no centro de São Francisco.

E, a cada abertura de capital de empresa da cidade, os olhos dos corretores de imóveis crescem sobre essa turma. Hoje, o preço médio de uma casa lá é de 1,3 milhão de dólares. No fim de setembro, o prefeito Ed Lee anunciou a meta de construir 5.000 casas por ano e tem pressionado os órgãos que fiscalizam a construção a reduzir pela metade o tempo de aprovação de obra, que costuma ultrapassar seis meses.

E mesmo novos projetos considerados populares, como o de construir 12.000 moradias na área de um antigo estaleiro no sul da cidade, oferecem apartamentos de um quarto a partir de 500.000 dólares — o que não dá para dizer que seja uma pechincha.

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