Dilma com Lula: promessa de continuar tudo igual (Valter Campanato/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 25 de agosto de 2011 às 15h49.
As eleições presidenciais de 2010 deixam o Brasil, ao mesmo tempo, diante de um fenômeno e de uma complicação. O fenômeno, que jamais tinha acontecido antes e só muito dificilmente ocorrerá outra vez, é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convenceu 47,5 milhões de brasileiros a votar numa absoluta nulidade, sua candidata Dilma Rousseff, para ocupar o cargo mais importante do país.
A complicação é o fato, justamente, de que ela é uma nulidade — não porque seus adversários dizem que é, ou porque realmente seja, mas porque ela mesma, por sua própria vontade, tomou a decisão pensada, calculada e deliberada de se anular.
Na verdade, fez questão fechada de tentar provar ao eleitorado, durante toda a campanha, que se for eleita para a Presidência da República vai apenas cumprir as ordens que receber de seu antecessor — seu patrono, guia e criador, que, por sua parte, fez o possível e o impossível para demonstrar a mesma coisa.
Era como se ambos estivessem dizendo ao eleitor: "Não se preocupem com nada; basta teclar o número da Dilma na tela de votação e você estará mantendo Lula como presidente; ela não tem nenhuma opinião, posição, convicção, ideia, vontade, crença, postura ou seja lá o que for que possa, mesmo indiretamente, apresentar a mínima diferença em relação ao chefe". Pode?
Não só pode como foi exatamente o que ocorreu. O mais extraordinário, em toda essa comédia, é que a perspectiva de colocar na Presidência do Brasil uma cidadã que abdicou da sua própria identidade tem sido considerada pelo mundo político brasileiro, e tudo o que gira em torno dele, como a coisa mais normal do mundo.
Sim, pode ocupar o gabinete principal do Palácio do Planalto alguém que se apresenta ao público como um autômato — qual é o problema? Na verdade, isso tem sido visto como um fabuloso sucesso de marketing eleitoral, prova de sabedoria de campanha e superior demonstração de esperteza política.
Se confirmar a vantagem que obteve no primeiro turno e realmente chegar lá, Dilma, pelo grosso do que se viu e se disse até agora, não será considerada uma aberração — ao contrário, promete ser vista como a coroação da carreira política do presidente da República. É claro que uma coisa dessas terá consequências; não se sabe exatamente quais seriam, mas ninguém terá o direito de se surpreender se elas vierem.
Encontra-se à disposição do público em geral, a esse respeito, uma série de pistas que permitem imaginar o tamanho e a natureza da complicação mencionada acima. Para ficar numa amostra só, tome-se o jogo dos sete erros que se armou em torno do primeiro ponto de debate do segundo turno — qual é, afinal, a posição da candidata do governo quanto à atual legislação brasileira sobre o aborto.
Dilma, em 2007, disse o seguinte: "Acho que tem de haver descriminalização do aborto. No Brasil, é um absurdo que não haja". Em 2009, ela continuava com a mesma opinião; dizia que "não pode" haver justificativa para impedir a "legalização" do aborto. Na visão de um mortal comum, não há dúvida de que a candidata oficial é contra a legislação que considera o aborto crime; se afirmou que isso é "um absurdo", só pode ser contra.
Eis que, de repente, o assunto é ressuscitado — e os sábios da campanha, com ou sem razão, passam a achar que a posição que Dilma tinha até outro dia sobre o tema pode lhe custar votos nesta reta final. Pronto: não está mais aqui quem falou. Para efeito de campanha eleitoral a candidata diz agora que é "pessoalmente contra" a proposta de descriminalizar o aborto.
Como assim, "pessoalmente"? E quando era a favor — era a favor "impessoalmente"? Como tomará as decisões concretas que se espera de um presidente, se for eleita? Como "pessoa"? Como "não pessoa"? Vai chamar Lula para resolver?
É onde estamos no momento. Um governante não pode ter posição sobre tudo, é claro. Mas realmente não se vê como algo possa melhorar se ele não tem posição sobre nada. Do nada costuma sair o nada.