Foz do rio Itajaí (SC): aqui, um porto público, o de Itajaí, e um privado, o Portonave, concorrem lado a lado (Flávio Berger/Exame)
Da Redação
Publicado em 17 de julho de 2014 às 16h27.
São Paulo - O Brasil mais que quadruplicou seu volume de comércio exterior do início da década passada para cá. A movimentação de contêineres no país cresceu à razão de 10% ao ano. A soma das exportações e importações alcançou 482 bilhões de dólares em 2013.
O aumento da corrente comercial atraiu a atenção de empresas nacionais e estrangeiras e, ao longo desse período, um processo de competição ganhou corpo entre portos e terminais, que são as principais vias de entrada e saída de mercadorias no país.
O início dessa competição se deu bem antes que a regulamentação da nova Lei dos Portos fosse sancionada, no ano passado, pela presidente Dilma Rousseff, com o objetivo de resolver gargalos e tornar o produto nacional mais competitivo lá fora.
A batalha se dá, sobretudo, entre os terminais de contêineres localizados no Sul e no Sudeste — regiões que movimentam 70% desse tipo de carga no país. “Nos últimos anos, a disputa no setor ficou mais pesada”, diz Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP). “Ela agora vai de Santos a Montevidéu.”
Três fatores contribuíram para o movimento mais recente. O primeiro: Santos, maior porto da América Latina, chegou bem perto de sua capacidade máxima operacional nos últimos anos. “As cargas começaram a procurar outros caminhos”, afirma Mauro Salgado, diretor comercial da Santos Brasil, maior terminal privado do porto paulista.
De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a participação de Santos na movimentação total de contêineres nos portos do país caiu de 40%, em 2010, para 36%, no ano passado.
Somados os números do Embraport — um terminal privado que começou a funcionar em meados do ano passado e é contabilizado separadamente pela Antaq, por estar fora da área do porto organizado —, a fatia chegou a 38,5% em 2013.
A segunda razão de mudança no setor foram os benefícios fiscais concedidos por Santa Catarina e Espírito Santo até o fim de 2012, no episódio que ficou conhecido como “guerra dos portos” e também colaborou para que os desvios de rota ocorressem durante certo tempo.
Mas o terceiro motivo de influência é o que pode ser mais importante e duradouro: surgiram dois novos concorrentes no litoral de Santa Catarina — Portonave e Itapoá. Ambos são portos privados, administrados sem as amarras costumeiras dos portos públicos, como o de Santos e o da cidade gaúcha de Rio Grande.
As novas opções mostraram-se atraentes para empresas de navegação, exportadores e importadores que, em certos casos, preferem percorrer uma distância um pouco maior, por terra ou por mar, para tentar economizar o tempo de desembaraço de mercadorias nos terminais.
O Portonave, controlado pela Triunfo Participações e Investimentos, concessionária de rodovias e do aeroporto paulista de Viracopos, deu início às atividades em 2007. Localizado na foz do rio Itajaí, na cidade de Navegantes, está de frente para um concorrente: o o porto de Itajaí, gerido por uma autarquia da prefeitura da cidade com o mesmo nome.
O Portonave recebeu 700 milhões de reais em investimentos na montagem de sua estrutura e na compra de equipamentos. No ano passado, somaram-se à lista três portêineres — máquinas que levam 50 contêineres por hora a um navio, enquanto equipamentos de bordo, mais antigos, embarcam apenas oito contêineres por hora.
Segundo Osmar Ribas, diretor do Portonave, ali chegam cargas de clientes da Região Centro-Oeste e do interior de São Paulo, devido ao aperto que se formou em Santos. Mesmo assim, a maioria das empresas atendidas ainda é do oeste catarinense, onde há concentração de exportadores de carne de frango.
Para receber esses produtos, que representam metade da carga movimentada, foi criada a Iceport, uma câmara frigorífica de armazenagem e manipulação. Com os atrativos, o Portonave ampliou sua participação e alcançou 7,5% do volume de contêineres movidos no Brasil. Enquanto isso, o vizinho Itajaí perdeu 1 ponto em três anos, caindo para 4,5% de participação no mercado.
Situado mais ao norte no litoral catarinense, Itapoá tem como principais sócios o grupo Battistella e a companhia de navegação Aliança, controlada pela alemã Hamburg Süd. Em funcionamento desde junho de 2011, seu investimento soma até agora meio bilhão de reais.
Em três anos, Itapoá conquistou 5% de participação no total de contêineres movidos no Brasil. “Já alcançamos nossa capacidade máxima de movimentação de carga”, diz Marcus Harwardt, diretor comercial de Itapoá. “Queremos captar 400 milhões de reais para dar início à segunda fase, de ampliação do porto.”
Com os dois novos portos, Santa Catarina passou a movimentar o equivalente a quase metade do volume de Santos. Apesar disso, o porto paulista ainda é líder em capacidade, e seus operadores privados pretendem retomar o terreno perdido. Mas isso deve levar tempo.
“Será preciso convencer os clientes de que o porto resolveu seus gargalos”, diz Salgado, da Santos Brasil. Mesmo dentro de Santos a concorrência aumentou. Em julho de 2013, foi inaugurado fora da área pública o Embraport, terminal cujos acionistas principais são o grupo Odebrecht e a empresa árabe Dubai Ports World, que investiram 2,3 bilhões de reais no empreendimento.
A disputa mais acirrada por cargas está só no começo. “É um laboratório do que vai acontecer no Brasil daqui para a frente”, diz Luiz Antonio Alves, presidente do terminal TCP, de Paranaguá, que tem como maior acionista o fundo de investimento Advent.
Quando os problemas de regras da Lei dos Portos forem resolvidos, há perspectiva de que sejam destravados investimentos que poderão superar 50 bilhões de reais em uma década. Parte será empregada por companhias que obtiveram autorização da Secretaria dos Portos da Presidência da República para construir 20 terminais.
Mais empresas aguardam a possibilidade de disputar 159 áreas que ficam nos portos organizados — as primeiras da lista estão em Santos e no Pará. Outros 44 bilhões de reais poderiam sair do caixa de 85 empresas ligadas à ABTP para ampliar e modernizar as estruturas arrendadas que elas gerenciam. Fazer isso tudo realmente ocorrer é uma batalha que o país precisa vencer.