Revista Exame

A Apple voltará a inovar, afirma Walter Isaacson

Walter Isaacson, autor da biografia de Steve Jobs, fala sobre a lentidão da Apple em anunciar novos produtos e a dificuldade que as empresas têm de substituir seus fundadores. E sugere: Bill Gates deveria voltar à Microsoft


	Walter Isaacson, jornalista e biógrafo, é presidente do The Aspen Institute, organização dedicada à formação de líderes
 (Getty Images)

Walter Isaacson, jornalista e biógrafo, é presidente do The Aspen Institute, organização dedicada à formação de líderes (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 26 de outubro de 2013 às 20h03.

São Paulo - O escritor americano Walter Isaacson tem em seu currículo a biografia de célebres personagens da história contemporânea — do secretário de Estado americano Henry Kissinger ao gênio da física Albert Einstein. Mas foi seu livro mais recente, sobre a vida do fundador da Apple, Steve Jobs, publicado em outubro de 2011, que o tornou conhecido globalmente.

Steve Jobs foi o livro mais vendido na loja online Amazon em 2011 — nenhuma biografia até hoje vendeu tantos exemplares em tão pouco tempo. Por dois anos, Isaacson fez 40 entrevistas com Jobs, a última meses antes de o fundador da Apple morrer, em outubro de 2011.

Numa espécie de overdose gerada pelo sucesso do livro, Isaacson passou os últimos dois anos ignorando o que a Apple fazia. “Não queria correr o risco de virar um daqueles especialistas eternos em Apple”, diz. O escritor interrompeu esse ciclo de afastamento em setembro, quando assistiu ao lançamento do iPhone 5S, versão mais recente do smartphone, que, por sinal, não o empolgou.

Isaacson, que vem a São Paulo em novembro participar do HSM Expomanagement, falou a ­EXAME sobre a Apple na era pós-Jobs e sobre a dificuldade que as empresas têm de substituir seus fundadores. “A Apple manterá sua magia por anos mesmo sem Jobs. No caso da Microsoft, que parece incapaz de fazer produtos que mexem com o imaginário dos consumidores, a volta de Bill Gates não faria mal.” 

EXAME - Muitos analistas de tecnologia dizem que a Apple perdeu parte de sua “aura inovadora” com a saída de Jobs. O senhor concorda?

Walter Isaacson - Olhando para os últimos lançamentos, é a impressão que fica. Mas, se analisarmos a evolução dos produtos criados por Jobs, é preciso esperar um pouco para chegar a essa conclusão. O espaço entre os lançamentos do iPod, do iPhone e do iPad foi de três ou quatro anos.

Tim Cook está à frente da companhia há pouco mais de dois anos. Ainda acredito que o relógio inteligente e a TV, que devem ser lançados em breve, vão se tornar rapidamente objetos de desejo. A Apple voltará a inovar.

EXAME - Nas mais de 40 entrevistas que o senhor fez com Jobs, em algum momento ele mostrou preocupação com o que ocorreria com a Apple?

Walter Isaacson - Ele tinha consciência de que havia montado um excelente time de executivos, como o presidente Tim Cook e Jony Ive, responsável pelo design dos produtos. No momento em que Jobs partiu, a Apple tinha os melhores executivos que uma empresa de tecnologia poderia ter. Isso o deixava bastante tranquilo em relação ao futuro.

EXAME - Mas executivos importantes anunciaram a saída da Apple nos últimos meses. Isso não coloca o legado de Jobs em risco?

Walter Isaacson - Perguntei a Jobs certa vez qual era o produto mais importante da história da Apple. Achei que ele falaria do iPhone, que revolucionou o mercado de celulares, ou dos Macs, que ele lançou em seu retorno à Apple, em 1997. Mas ele me disse: “Fazer produtos incríveis é difícil. Mais difícil ainda é construir uma companhia com capacidade de fazer produtos incríveis sempre”.


Foi esta sua maior invenção: uma empresa que tem em seu DNA a capacidade de identificar a intersecção entre arte e tecnologia. Essa cultura permanecerá por muito tempo, mesmo com even­tuais trocas de comando.

EXAME - Qual a principal lição de Jobs?  

Walter Isaacson - Pode parecer simplista, mas a principal lição para as empresas é que você precisa ter muita paixão pelo que faz para conseguir criar um produto real­mente incrível. Ainda como reflexo da crise global, algumas companhias continuam focadas no lucro no próximo trimestre.

Essa obsessão faz com que executivos pulem algumas etapas necessárias para criar produtos que façam a diferença na vida das pessoas. Jobs dizia sempre para quem trabalhava com ele: “Siga seu instinto e crie produtos pelos quais você se apaixone”. Com essa atitude, os lucros aparecem naturalmente.

EXAME - Quem é o empreendedor que mais se assemelha a Jobs hoje?

Walter Isaacson - Se tivesse de apontar um único nome, diria que quem está seguindo os passos de Jobs hoje é Elon Musk, o bilionário criador do sistema de pagamentos PayPal. Agora, ele está à frente de vários projetos que revolucionarão a vida das pessoas.

São empresas do presente, como a Tesla Motors, que fabrica carros elétricos, e a SpaceX, especializada em tecnologia espacial. E também do futuro: como o Hyperloop, um modelo teórico de trem que atingiria uma velocidade de 1 200 quilômetros por hora.

EXAME - Essas invenções de Musk não são futuristas demais se comparadas às de Jobs?

Walter Isaacson - O que Musk nos mostra é que já estamos vivendo o futuro. Se as invenções dele causarão o mesmo impacto do iPhone, é cedo para dizer. Mas vejo na paixão que ele sente por seus produtos algo muito próximo à que Jobs tinha por seus iPods e iPads.

EXAME - Qual é o desafio para os executivos que substituem fundadores marcantes como Jobs, na Apple, e Bill Gates, na Microsoft?

Walter Isaacson - É sempre difícil essa substituição. Mesmo que um executivo tenha uma boa experiência, dificilmente terá a mesma disposição para brigar por uma ideia criada por outra pessoa. Basta ver os casos recentes de empresas que recorreram a seus fundadores para voltar a inovar. Jobs é um exemplo mais antigo.

Mais recentemente, Michael Dell voltou à sua empresa e está tentando recolocar a fabricante de computadores nos trilhos. Larry Page, do Google, foi outro que voltou e está tendo êxito.


EXAME - Por essa lógica, Gates seria a solução para a Microsoft voltar a seus tempos de glória? 

Walter Isaacson - Há uma parte de mim que espera que Gates volte a assumir o comando da Microsoft, pelo menos por um tempo, agora que Steve Ballmer anunciou sua aposentadoria. A Microsoft é uma máquina de fazer dinheiro, mas não cria mais produtos considerados excitantes. Gates poderia ajudar a traçar uma estratégia mais inteligente.

EXAME - O que jovens como Page, no Google, e Mark Zuckerberg, no Facebook, devem fazer para garantir a continuidade de seus legados?

Walter Isaacson - Jobs admirava Page e Zuckerberg pela capacidade que ambos tiveram de construir companhias com visão de longo prazo. Eles não fizeram um produto para rapidamente levantar uma montanha de dinheiro.

Ambos trabalham para manter a máquina de inovação de suas empresas funcionando independentemente de quem estiver à frente delas. Ainda acho que Zuckerberg e Page têm dez ou 15 anos para  encontrar um sucessor para eles. Não é uma preocupação para agora.

EXAME - O senhor é o biógrafo de Albert Einstein. Quais as semelhanças entre Jobs e Einstein?

Walter Isaacson - Todas as pessoas sobre as quais escrevi, especialmente Einstein e Jobs, eram criativas não só incrementando o conhecimento que já existia. Eles conseguiram olhar para outros ângulos e se rebelar contra formas antigas de pensar. Isso foi fundamental antes de qualquer inovação que tenham criado.

Obviamente, Einstein foi um gênio de uma ordem maior que Jobs. Mas ambos sabiam fazer o que Jobs­ sempre disse que era a coisa mais importante a ser feita e que virou slogan da Apple: “Pensar diferente”.

EXAME - No Brasil, alguns artistas estão causando polêmica ao defender que biografias só devem ser publicadas com autorização prévia. O que o senhor acha disso?

Walter Isaacson - Há espaço para biografias autorizadas e não autorizadas. Mas jornalistas e historiadores não devem ser censurados ou impedidos de escrever sobre o que desejam. No meu caso, é importante ressaltar que nas biografias que escrevi — mesmo com a colaboração dos personagens, como foi com Jobs — mantive o controle editorial sobre o livro.

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