Revista Exame

A Lego faz 70 milhões em três dias com um filme

Com uma bilheteria dessas apenas na estreia nos Estados Unidos, o filme Uma Aventura Lego se pagou já no primeiro fim de semana de exibição. A produção representa o auge da retomada da marca, após a maior crise de sua história

O anti-herói Emmet (centro) em cena do filme da Lego: 37 dos 46 personagens são bonecos do portfólio da empresa (Divulgação / EXAME)

O anti-herói Emmet (centro) em cena do filme da Lego: 37 dos 46 personagens são bonecos do portfólio da empresa (Divulgação / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 23 de março de 2014 às 07h57.

São Paulo - Nada parece animar a pacata vida do jovem Emmet, habitante de uma cidade toda construída com blocos de Lego. Até que ele é confundido com um herói capaz de salvar o mundo de um impiedoso vilão.

A trama é o ponto de partida da animação Uma Aventura Lego, em cartaz nos cinemas do mundo desde o início de fevereiro. A produção, realizada pelo estúdio americano Warner, chegou ao primeiro lugar das bilheterias por três semanas nos Estados Unidos. No Brasil, liderou o ranking durante uma quinzena.

Em 100 minutos de exibição, uma multidão de personagens entra em cena, desde os criados só para o filme até outros conhecidos, como Batman e Lanterna Verde, dublados por atores como Morgan Freeman e Liam Neeson. As cenas foram gravadas com bonecos reais com efeitos de computação gráfica, o que exigiu cinco anos até a conclusão.

Mas foram necessários só três dias de exibição para que o filme pagasse todo seu custo de produção, estimado em 60 milhões de dólares. "Nossas melhores expectativas foram superadas", diz Soren Torp Laursen, presidente da Lego para as Américas.

Apesar do sucesso do anti-herói Emmet, a verdadeira protagonista do filme é a própria fabricante de brinquedos dinamarquesa. O resultado nas bilheterias marca o ápice da recuperação de uma empresa que beirou a falência há uma década. Ao mesmo tempo, eleva a outro patamar a tática de inserção de produtos no cinema.

Ao todo, 46 personagens aparecem na trama — 21 deles já faziam parte do portfólio da Lego. Outros 16 começaram a chegar às lojas depois da estreia. Uma sequência já está programada para maio de 2017. “As chances de errar eram enormes, mas a Lego realizou o mais ousado projeto de marketing de uma empresa num longa-metragem”, diz Jason Squire, professor de negócios do cinema, da Universidade do Sul da Califórnia.


A estratégia de inserir produtos em filmes existe desde os anos 20, quando companhias de cigarros já pagavam aos astros de Hollywood para aparecer em cena. Hoje, recrutar anunciantes para os filmes se tornou algo tão corriqueiro quanto a seleção dos atores. Para a última versão de Super-Homem, lançada no ano passado, por exemplo, foram fechados mais de 100 contratos de merchandising que renderam 160 milhões de dólares.

“É o momento em que a atenção da audiência está 100% voltada para o que está na tela”, afirma Rodrigo Puga, analista da consultoria paulista de marketing TopBrands. Nos últimos anos, as marcas de brinquedos ajudaram a levar essa estratégia às últimas consequências — e transformaram o produto no próprio filme.

Um dos primeiros a embarcar nessa proposta foi a americana Hasbro, com o lançamento de Transformers, em 2007, no qual os protagonistas são os robôs homônimos, parte de sua linha de brinquedos desde os anos 80. O filme rendeu 67,6 milhões de dólares em bilheteria na estreia e deu força para o lançamento de uma área exclusivamente dedicada à criação de conteúdo para TV e cinema, a Hasbro Studios.

Em 2009, já com produção da Hasbro Studios, a companhia lançou o filme G.I. Joe — A Origem de Cobra, que faturou em seu primeiro fim de semana 54 milhões de dólares. A Lego levou mais tempo para imitar a estratégia, porém obteve um resultado melhor — e superou em 16 milhões o maior sucesso da concorrente. Em 2013, a Hasbro perdeu o posto de segunda maior fabricante de brinquedos do mundo para a rival dinamarquesa.

A princípio os executivos da Lego relutaram em embarcar no projeto, proposto inicialmente pela Warner em 2009. Foram necessárias várias viagens dos americanos até a sede da companhia, na cidade de Billund, para discutir os detalhes da produção. A cautela se explica.

Naquele momento, a companhia — ainda nas mãos da família que a fundou, em 1932 — acabava de sair da maior crise de sua história. Após registrar um prejuízo de 300 milhões de dólares em 2004, a empresa entrara no azul nas mãos de um novo presidente, o executivo Jorgen Vig Knudstorp, ex-diretor da consultoria de estratégia McKinsey.


Para encontrar um novo caminho para a Lego, Knudstorp introduziu antropólogos em famílias americanas e alemãs por vários meses, dois de seus principais mercados. Eles conversaram com pais e brincaram com crianças — uma experiência que virou tema do livro The Moment of Clarity (algo como “Momento de clareza”, sem versão para o português), lançado em fevereiro deste ano pelos especialistas Christian Madsjerb e Mikkel Rasmussen, sócios-fundadores da consultoria dinamarquesa Red, que aplica conceitos das ciências humanas ao mundo dos negócios.

Como resultado, descobriram que muitos consumidores mirins tinham tempo disponível para lazer, e que o desafio de montar brinquedos os estimulava — algo que contrariava a ideia de que eles só queriam jogos eletrônicos. A saída escolhida foi aumentar o vínculo emocional entre o público e os bonecos, historicamente um exército sem nome e personalidade.

A maior sacada nessa nova fase foi o lançamento das chamadas minifiguras, que representam personagens conhecidos. Agora existem 12 linhas, como a do seriado animado Os Simpsons, que juntas representam 30% do faturamento global da Lego. Em paralelo, a empresa também lançou personagens com uma história de vida. É o caso da linha Lego Friends, em que cada boneco tem um nome e uma profissão. Hoje há sete linhas como essa. A partir de 2010, alguns deles viraram protagonistas de seriados exibidos pela TV a cabo, inclusive no Brasil. O longa- metragem surgiu como um desdobramento dessa estratégia.

À medida que os resultados apareceram, a matriz passou a investir em mercados que ficaram fora do radar durante a crise, como o brasileiro —que não figura nem entre os 50 maiores da companhia no mundo. Para atender varejistas locais, as novas coleções passaram a chegar em 90 dias — antes demoravam o dobro.

“Nos últimos 12 meses, nossas vendas de Lego aumentaram 30%”, diz Mario Honorato, diretor de marketing da RiHappy, maior varejista de brinquedos do país. A primeira loja própria local da Lego abriu as portas em São Paulo em 2011. Hoje são três e há planos de inaugurar mais duas neste ano. 

A matriz também pretende enviar até 20 executivos para acelerar os negócios no Brasil, hoje nas mãos da distribuidora paulista M.Cassab. “Queremos aproveitar o sucesso do filme para crescer em mercados emergentes”, diz Laursen. Mais uma peça fundamental na construção da nova fase da Lego.

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