Revista Exame

4 ideias para tirar o atraso na educação

Sem educação de qualidade, o Brasil não vai conseguir se desenvolver - e um choque positivo na sala de aula está ao alcance do próximo presidente

A exceção: alunos de escola municipal de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, uma das melhores do país e exemplo que precisa se tornar regra

A exceção: alunos de escola municipal de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, uma das melhores do país e exemplo que precisa se tornar regra

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 15h55.

O americano Eric Hanushek é um dos pesquisadores de educação mais respeitados da atualidade. Doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology e professor da Universidade Stanford, Hanushek dedica-se a estudar os efeitos da educação no desempenho econômico dos países.

Sua obsessão em discutir o tema à luz do rigor científico o levou a conceber uma forma de calcular o impacto da educação no produto interno bruto de cada país. A pedido de EXAME, Hanushek aplicou a fórmula ao caso brasileiro. Os resultados são animadores. A simulação tem como premissa que o Brasil será capaz, ao longo dos próximos 20 anos, de elevar as notas dos estudantes do ensino básico ao padrão de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Se esse objetivo for alcançado - missão considerada perfeitamente possível por Hanushek e uma dezena de especialistas ouvidos por EXAME -, o PIB brasileiro começará a crescer mais rapidamente antes mesmo de a reforma terminar. Supondo que a melhoria da educação começasse em 2012, o ganho adicional acumulado no PIB em 2034 seria de 5% - em valores de hoje, isso representaria uma geração extra de riqueza da ordem de 100 bilhões de dólares.

A melhor parte da história é que, após as duas primeiras décadas, quando todos os alunos brasileiros já estariam recebendo uma educação melhor, o acúmulo de riquezas ganharia velocidade. Cinquenta anos depois do início da reforma, a economia teria acumulado um ganho extra de 40%. Para que se tenha uma ideia do que tal salto representa, se tivéssemos dado um choque educacional semelhante no passado, nosso PIB hoje seria não de 2 trilhões de dólares, mas de quase 3 trilhões - próximo ao da Alemanha.

"Os jovens que estão recebendo educação ruim hoje terão menos sucesso profissional individualmente. Mas não é só isso: juntos, eles reduzem a capacidade de crescimento do país", afirma Hanushek. "A boa notícia é que o contrário também é verdade: quando a educação melhora, o ganho é tanto individual quanto coletivo."


Riqueza coletiva

Com o objetivo de elencar as providências para que as escolas brasileiras deem o salto de qualidade almejado, EXAME ouviu mais de uma dezena de especialistas nacionais e estrangeiros. Entre eles, a economista americana Barbara Bruns, especialista em educação do Banco Mundial, que está coordenando uma pesquisa global sobre programas de remuneração por desempenho para professores.

Nos dois últimos anos, Barbara se dividiu entre Washington, Recife, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Os resultados da avaliação dos programas de meritocracia farão parte do livro Achieving World Class Education in Brazil - The Next Agenda (Alcançando uma Educação de Padrão Mundial no Brasil), a ser publicado nos próximos meses. Entre as constatações de Barbara, uma surpreende: "O Brasil é um dos laboratórios de experiências educacionais mais extraordinários da atualidade", diz ela.

Segundo a pesquisadora, que já havia analisado as escolas brasileiras no final da década de 80 e em meados da de 90, os avanços nos últimos 15 anos são notáveis - embora a distância ainda seja enorme não só em relação a países ricos mas também aos de renda média. "O Brasil tem iniciativas entre as mais inovadoras do mundo. É preciso agora avaliar cada uma delas para disseminar as que realmente dão resultado", diz Barbara. A seguir, quatro medidas que devem ser colocadas em prática se quisermos alcançar um nível de educação compatível com um país que deseja chegar ao desenvolvimento.

1 - Acabar com a bagunça curricular

Nove entre dez alunos de escolas públicas não cumprem o currículo previsto para o ano letivo em que se encontram. Também é comum que estudantes da mesma série, mas de classes vizinhas, estudem conteúdos diferentes ao longo do ano. Ambas as situações são consequência de duas realidades que imperam no sistema público de ensino: a falta crônica de planejamento e a visão de que a sala de aula é terreno exclusivo do professor, pouco acostumado à supervisão de diretores e pais de alunos.


"A sala de aula é uma espécie de caixa-preta, que precisa ser aberta", afirma a secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cláudia Costin. A estruturação do currículo escolar - com a definição do conteúdo que deve ser ensinado em cada série - é uma das medidas fundamentais para melhorar a qualidade de ensino no Brasil. Um estudo da Fundação Lemann, dedicada a testar e desenvolver tecnologias de ensino para a educação pública, mostra que alunos de escolas públicas que adotam sistemas de ensino estruturados (que possuem roteiros detalhados do que deve ser ensinado aula a aula) aprendem mais que os de escolas sem currículo definido.

O currículo estruturado ajuda a aumentar o aproveitamento da aula - o aluno perde menos tempo copiando da lousa - e a corrigir falhas na formação dos professores, a maior parte deles egressa do grupo dos 30% com pior desempenho no ensino médio.

"A formação dos educadores precisa ser melhorada, mas esse é um problema que não tem remédio imediato e precisa ser contornado", afirma Illona Becskeházy, diretora da Fundação Lemann. Nesse sentido, os sistemas de ensino ajudam com cadernos que orientam o educador no preparo das aulas.

A obrigação de seguir o roteiro também impede que o professor pule lições e faz com que ele se esforce para aprender os conteúdos que não domina. No final das contas, a estruturação do currículo aumenta o controle do trabalho do professor, tanto pelo diretor e por outros professores quanto pelos pais. "Quando todo mundo sabe o que deve ser ensinado e o que deve ser aprendido, fica mais fácil supervisionar, medir e corrigir a rota", diz Cláudia Costin.

O mesmo para todos

Em 2008, a rede carioca de escolas municipais unificou o conteúdo da 1a à 9a série. O currículo foi detalhado e dividido por ano e, em seguida, por bimestre, de maneira que todas as escolas passassem a ensinar o mesmo conteúdo ao mesmo tempo. A etapa seguinte foi a criação de apostilas para cada disciplina, tanto para os alunos quanto para os professores.

O trabalho no Rio foi feito por professores da própria rede, sob a coordenação de especialistas contratados para cada disciplina. Atualmente, um grupo de 180 profissionais está finalizando a Educopédia, espécie de biblioteca digital com jogos, vídeos e outras atividades interativas para complementar os currículos do 6o ao 9o ano. O desafio é tornar as aulas mais atraentes para os alunos mais velhos, que começam a entrar na pré-adolescência.


Apesar de parecer uma medida óbvia, a unificação curricular ainda é tema sensível no meio escolar. Sob o discurso de que a escola deve preservar culturas locais, muitos educadores escolhem aulas que dão menos trabalho. Resultado: os estudantes saem do ensino médio com lacunas no repertório escolar que lhes será exigido não só nos vestibulares mas também no mercado de trabalho.

"O aluno da favela da Rocinha tem de aprender fração, porcentagem e a história das grandes navegações tanto quanto os alunos das escolas mais caras do Rio de Janeiro", afirma Cláudia. Talvez essa seja a mais eficiente maneira de promover justiça social.

2 - Diagnosticar, planejar, medir

Há dois consensos entre especialistas em educação. Primeiro: o Brasil investe pouco em educação. Segundo: não adianta colocar mais dinheiro nas redes de ensino sem que elas passem por uma mudança profunda de gestão. "Investir mais sem mudar a maneira de administrar é quase o mesmo que jogar dinheiro no lixo", afirma Cláudio Ferraz, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O estado de Minas Gerais foi o primeiro a adotar o planejamento estratégico com sistemas de avaliação de desempenho de alunos e de metas de melhoria do ensino. Em 2006, um teste constatou que 31% das crianças mineiras com 8 anos tinham baixíssima proficiência em leitura. De lá para cá, o processo de alfabetização da rede pública foi reformulado e a taxa caiu para 12%.

"Só com bons diagnósticos e clareza de aonde se quer chegar é que conseguimos definir as ações cotidianas. São esses passos curtos que nos levam às transformações de longo prazo", afirma Vanessa Guimarães, secretária de Educação de Minas Gerais.

Em Pernambuco, chama a atenção a prestação mensal de contas exigida pelo governador Eduardo Campos. Por trás da reunião há um detalhado sistema de informações que parte da sala de aula. São indicadores que vão do número de faltas de professores e alunos ao percentual de classes que estão em dia com o currículo por série (que foi unificado em 2007).

A apresentação feita pelo secretário de Educação ao governador inclui até a exibição de fotos que mostram as reformas em escolas. O levantamento da situação é realizado por 1 500 técnicos de gestão, treinados para coletar as informações e alimentar um banco de dados. Parte dos dados é extraída diariamente do livro do professor, elaborado para que eles preencham exatamente o que a secretaria quer monitorar. "A boa gestão depende do acompanhamento sistemático de informações de qualidade", diz Nilton Mota, secretário de Educação de Pernambuco.


3 - Pagar mais aos melhores

Na última década, pesquisadores começaram a quantificar a importância individual dos professores no processo de aprendizado dos estudantes. Uma das conclusões é que alunos de professores ruins terminam o ano sabendo metade ou menos do conteúdo que deveriam dominar. "Professor bom é aquele que faz a classe aprender muito.

Professor ruim é aquele que faz a classe aprender pouco", diz o economista Eric Hanushek. Segundo ele, premiar os melhores é um caminho obrigatório para estimular que os bons profissionais permaneçam na sala de aula e os ruins saiam dela, movimento absolutamente necessário para melhorar o ensino de uma escola e de um país.

Ainda não são claras as características que distinguem um professor bom de um ruim. O que se sabe é que a eficiência de um educador pouco tem a ver com títulos acadêmicos ou com o tempo de experiência que ele possui. Sabe-se, entretanto, que bons educadores sempre apresentam alto domínio do conteúdo que ensinam - apesar de parecer óbvio, boa parte não conhece a matéria que deveria ensinar aos alunos.

Um bom programa de valorização por mérito deve passar pela avaliação dos alunos e também pelo domínio que o educador tem do conteúdo da disciplina a ser ensinada. Os estados de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco e a cidade do Rio de Janeiro implantaram sistemas de bonificação para professores e funcionários de escolas cujos alunos atingem as metas de aprendizagem definidas por suas secretarias de Educação.

Em São Paulo, o governo estadual criou também um plano de carreira que permite ao professor aumentar o salário em 25% por ano caso faça uma prova baseada no conteúdo da disciplina que ensina. Para conseguir o aumento, o professor tem de ficar entre os 20% mais bem colocados no estado. Ao longo da carreira, ele pode dobrar a remuneração máxima que atingiria antes da criação do programa.

A professora Ângela Maria Martins foi um dos 96 000 professores que fizeram voluntariamente a primeira Prova de Promoção de São Paulo, em janeiro. Educadora há 22 anos, Ângela reconhece que se sentiu desconfortável quando o governo divulgou a novidade em 2009. "Fiquei incomodada, não nego." Aprovada com a nota 9,3, ela passou a receber 2 400 reais por mês, ante os 1 980 anteriores.

"Ainda é pouco? É. Mas antes eu não tinha a menor chance de ter um aumento desses numa tacada só", diz ela. Em março, Ângela já havia recebido o bônus por desempenho: quase três salários como prêmio por sua escola ter ultrapassado a meta definida pelo governo paulista no ano passado. "Aos poucos, vamos entendendo que professor também tem de mostrar resultado. Se é assim em qualquer empresa, por que seria diferente conosco?", diz Ângela.


4 - Transformar o diretor em gestor escolar

Nas escolas públicas brasileiras, é comum que alunos e pais só percebam a presença do diretor do colégio quando o estudante se mete em alguma confusão. No geral, esse profissional fica enfurnado dentro de uma sala, dedica a maior parte do tempo a atividades burocráticas e pouco chama para si a responsabilidade sobre o desempenho de professores e alunos da escola.

Para o sucesso de qualquer proposta séria de reforma educacional, esse quadro precisa mudar. Estudos mostram que, depois do professor, o diretor é a figura com maior impacto no processo de aprendizagem. Em Singapura, somente profissionais com alto desempenho na universidade podem se candidatar à carreira de gestor escolar.

A entrada na carreira acontece após um curso preparatório de seis meses com foco em administração e liderança, dado pelo Ministério da Educação. No Brasil, geralmente o diretor é formado em pedagogia ou em alguma disciplina de ensino, sem nenhum preparo em gestão.

As primeiras medidas estruturadas para elevar o padrão do gestor escolar são recentes no Brasil. Em Pernambuco, a Secretaria de Educação está iniciando um programa de treinamento com 180 horas de duração. O conteúdo é pautado em planejamento, liderança, monitoramento de indicadores, métodos de avaliação e conhecimento das políticas estaduais e federais relacionadas.

O programa prevê a criação de um banco de dados com diretores certificados - tanto o treinamento quanto a certificação serão feitos por entidades externas. A primeira etapa (o curso de 180 horas) será realizada por 9 800 servidores. Somente profissionais que concluírem o curso poderão se candidatar à vaga de gestor escolar - em Pernambuco, os diretores são eleitos por professores, pais e alunos.

Os  1 800 com melhor colocação no curso ganharão um MBA de um ano. "Já temos alguns professores com características inatas de gestão. Mas precisamos desses profissionais em todas as escolas, senão não existe plano estratégico que dure", afirma o secretário de Educação de Pernambuco, Nilton Mota.

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