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Um degrau de cada vez na Even

Carlos Eduardo Terepins abriu uma pequena construtora nos anos 70, quando havia poucas possibilidades de carreira para um engenheiro recém-formado. Hoje ele é sócio de uma empresa que faturou quase 2 bilhões de reais no ano passado

Terepins: "Acredito na integração do homem com a natureza" (Daniela Toviansky)
DR

Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2011 às 05h00.

O engenheiro civil Carlos Eduardo Terepins, de 57 anos, é um daqueles empreendedores que não ergueram suas empresas a partir de um planejamento detalhado — pelo contrário. Quando ele acabou a faculdade, nos anos 70, o mercado de trabalho para a sua profissão estava péssimo, e o jeito foi juntar amigos com o mesmo problema para abrir um negócio próprio.

Hoje Terepins é dono da Even, construtora com capital aberto em bolsa que faturou quase 2 bilhões de reais no ano passado. Neste depoimento a Exame PME, ele fala de seus limites como gestor, conta como superou as crises das últimas duas décadas e que chegou a fazer escambo para manter a empresa viva durante o confisco do dinheiro dos brasileiros no governo Collor.

Sou de uma família de judeus europeus que imigraram para o Brasil no início do século 20 e se estabeleceram em São Paulo. Eram pessoas empreendedoras. Meu avô foi dono de uma loja de móveis no bairro do Bom Retiro, onde havia uma grande comunidade judaica, e meu pai fundou uma empresa têxtil. Cresci em uma cultura que valoriza o empenho e a independência profissional.

Na escola, sempre gostei de matemática. Por isso, ao terminar o colegial, equivalente hoje ao ensino médio, decidi cursar engenharia civil. Quando terminei a faculdade, em 1976, não havia muitas oportunidades de carreira na área. Não existiam tantas grandes construtoras como hoje, porque o mercado era muito menor. Além disso, a fase das grandes obras públicas de infraestrutura da década de 60 já havia acabado.

Ficou difícil para um engenheiro recém-formado como eu encontrar um emprego promissor. Um ano após terminar o curso de engenharia, me juntei a três amigos que estavam numa situação parecida e abri uma construtora. Não era necessário muito capital e havia investidores interessados em custear as obras, vistas como um negócio rentável e seguro.


Naquela época, muita gente investia em imóveis como uma alternativa para proteger o dinheiro da inflação alta, que chegava a ser de quase 100% ao ano. Assim, mesmo uma construtora muito jovem e com poucos recursos como a nossa conseguia fazer quatro ou cinco lançamentos de edifícios de apartamentos por ano.

Conseguimos achar boas oportunidades em terrenos localizados em bairros de classe média da capital paulista, como Vila Mariana e Perdizes. Hoje esses locais estão bem valorizados, mas no final da década de 70 ainda estavam se desenvolvendo.

As grandes dificuldades começaram a surgir nas décadas seguintes, quando o Brasil passou a enfrentar uma crise atrás da outra. Lembro que, no início dos anos 80, praticamente não havia financiamento para uma família comprar um imóvel. Outro período complicadíssimo foi o começo dos anos 90, quando o governo Collor confiscou boa parte das aplicações dos brasileiros.

Sem dinheiro no mercado, foi preciso encontrar alternativas para que a empresa não parasse. Para concluir as obras que já estavam em andamento, fiz escambo com alguns fornecedores. Em troca de aço e concreto para terminar os prédios, eu entregava a eles alguns apartamentos que estavam em obras.

Começou a acontecer comigo algo comum entre empreendedores que se veem à frente de um negócio próprio — a gestão de uma pequena ou média empresa consome tanto tempo e energia que, quando percebemos, estamos nos dedicando menos ao que realmente gostaríamos de fazer. No meu caso, eu queria ficar mais livre para sentar à prancheta e planejar novas obras, que era o que eu fazia melhor.

Tomei a decisão de profissionalizar a gestão. Comecei a trazer gente do mercado para assumir funções estratégicas. Algumas dessas pessoas ficaram com a função de começar a controlar firmemente os custos e a planejar os lançamentos de novos edifícios levando em conta o prazo e a rentabilidade dos investimentos.


Por volta do ano 2000, os tempos bicudos haviam ficado para trás. A empresa estava sólida, e comecei a pensar em dar passos mais ousados. Percebi que era a hora de trabalhar para que a construtora se expandisse com mais velocidade. A economia brasileira estava estável e os bancos começavam a ampliar as linhas de crédito para a compra de imóveis.

Com isso, muitos brasileiros que até então eram obrigados a pagar aluguel passaram a poder comprar uma casa própria financiada.

Foi nessa época que surgiu a oportunidade de fusão com uma incorporadora de São Paulo, com a qual já fazíamos alguns trabalhos em parceria. Dessa operação surgiu a Even.

Acomodar os interesses dos sócios das duas empresas num único negócio acabou sendo mais difícil do que eu imaginava. Por isso, achei melhor nos afastarmos do comando, deixando a gestão do dia a dia com profissionais do mercado. Para que isso fosse possível, comecei a contratar jovens gerentes que trabalhavam na concorrência.

Fui atrás das melhores pessoas que havia em construtoras maiores que a Even. Para trazê-las, ofereci salários maiores e a chance de exercer funções de destaque numa empresa em franco crescimento.

A chegada desses novos profissionais foi salutar para os negócios. Eles ajudaram a desenvolver na Even uma cultura de crescimento mais agressivo. Em 2004, somente dois anos após a fusão, a empresa já havia triplicado de tamanho.

Pouco tempo depois, muitos investidores começaram a ficar interessados na Even. Em 2005, fui procurado por representantes do Spinnaker Capital, fundo de capital de risco londrino que aplicou 72 milhões de reais na Even. Na época, a construtora pertencia a cinco sócios, remanescentes da fusão. Com a entrada do fundo, dois deles quiseram sair do negócio.


Capitalizada, a empresa começou a crescer ainda mais rapidamente. Em 2007, um ano após a chegada do fundo, as receitas da Even mais que dobraram. Depois de tantos anos de trabalho, eu estava à frente de uma grande empresa. Mas nem por isso acreditei que poderia me acomodar. Outros concorrentes estavam recebendo investimentos e eu não podia ficar parado. O mercado estava em plena fase de consolidação, com as construtoras se tornando cada vez mais robustas.

Em abril de 2007, achei que era hora de abrir o capital da Even. Captamos 460 milhões de reais ao lançar ações na bolsa de valores. Por isso, quando a crise de 2008 chegou, estávamos capitalizados para enfrentá-la. Não sofremos grandes abalos. Foi possível até criar uma espécie de seguro, que garantia a quem perdesse o emprego a possibilidade de deixar de pagar as prestações por seis meses. Com medidas como essas, mantivemos nossa saúde financeira.

Hoje, dedicamos boa parte do tempo procurando novas tecnologias para que nossos projetos resultem em edifícios que aproveitem bem os recursos naturais do meio ambiente, como água e luz natural. Fazemos isso não só porque o mercado exige que a Even siga por um caminho sustentável mas também porque faz parte de uma cultura de integração do homem com a natureza na qual eu mesmo acredito.

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O engenheiro civil Carlos Eduardo Terepins, de 57 anos, é um daqueles empreendedores que não ergueram suas empresas a partir de um planejamento detalhado — pelo contrário. Quando ele acabou a faculdade, nos anos 70, o mercado de trabalho para a sua profissão estava péssimo, e o jeito foi juntar amigos com o mesmo problema para abrir um negócio próprio.

Hoje Terepins é dono da Even, construtora com capital aberto em bolsa que faturou quase 2 bilhões de reais no ano passado. Neste depoimento a Exame PME, ele fala de seus limites como gestor, conta como superou as crises das últimas duas décadas e que chegou a fazer escambo para manter a empresa viva durante o confisco do dinheiro dos brasileiros no governo Collor.

Sou de uma família de judeus europeus que imigraram para o Brasil no início do século 20 e se estabeleceram em São Paulo. Eram pessoas empreendedoras. Meu avô foi dono de uma loja de móveis no bairro do Bom Retiro, onde havia uma grande comunidade judaica, e meu pai fundou uma empresa têxtil. Cresci em uma cultura que valoriza o empenho e a independência profissional.

Na escola, sempre gostei de matemática. Por isso, ao terminar o colegial, equivalente hoje ao ensino médio, decidi cursar engenharia civil. Quando terminei a faculdade, em 1976, não havia muitas oportunidades de carreira na área. Não existiam tantas grandes construtoras como hoje, porque o mercado era muito menor. Além disso, a fase das grandes obras públicas de infraestrutura da década de 60 já havia acabado.

Ficou difícil para um engenheiro recém-formado como eu encontrar um emprego promissor. Um ano após terminar o curso de engenharia, me juntei a três amigos que estavam numa situação parecida e abri uma construtora. Não era necessário muito capital e havia investidores interessados em custear as obras, vistas como um negócio rentável e seguro.


Naquela época, muita gente investia em imóveis como uma alternativa para proteger o dinheiro da inflação alta, que chegava a ser de quase 100% ao ano. Assim, mesmo uma construtora muito jovem e com poucos recursos como a nossa conseguia fazer quatro ou cinco lançamentos de edifícios de apartamentos por ano.

Conseguimos achar boas oportunidades em terrenos localizados em bairros de classe média da capital paulista, como Vila Mariana e Perdizes. Hoje esses locais estão bem valorizados, mas no final da década de 70 ainda estavam se desenvolvendo.

As grandes dificuldades começaram a surgir nas décadas seguintes, quando o Brasil passou a enfrentar uma crise atrás da outra. Lembro que, no início dos anos 80, praticamente não havia financiamento para uma família comprar um imóvel. Outro período complicadíssimo foi o começo dos anos 90, quando o governo Collor confiscou boa parte das aplicações dos brasileiros.

Sem dinheiro no mercado, foi preciso encontrar alternativas para que a empresa não parasse. Para concluir as obras que já estavam em andamento, fiz escambo com alguns fornecedores. Em troca de aço e concreto para terminar os prédios, eu entregava a eles alguns apartamentos que estavam em obras.

Começou a acontecer comigo algo comum entre empreendedores que se veem à frente de um negócio próprio — a gestão de uma pequena ou média empresa consome tanto tempo e energia que, quando percebemos, estamos nos dedicando menos ao que realmente gostaríamos de fazer. No meu caso, eu queria ficar mais livre para sentar à prancheta e planejar novas obras, que era o que eu fazia melhor.

Tomei a decisão de profissionalizar a gestão. Comecei a trazer gente do mercado para assumir funções estratégicas. Algumas dessas pessoas ficaram com a função de começar a controlar firmemente os custos e a planejar os lançamentos de novos edifícios levando em conta o prazo e a rentabilidade dos investimentos.


Por volta do ano 2000, os tempos bicudos haviam ficado para trás. A empresa estava sólida, e comecei a pensar em dar passos mais ousados. Percebi que era a hora de trabalhar para que a construtora se expandisse com mais velocidade. A economia brasileira estava estável e os bancos começavam a ampliar as linhas de crédito para a compra de imóveis.

Com isso, muitos brasileiros que até então eram obrigados a pagar aluguel passaram a poder comprar uma casa própria financiada.

Foi nessa época que surgiu a oportunidade de fusão com uma incorporadora de São Paulo, com a qual já fazíamos alguns trabalhos em parceria. Dessa operação surgiu a Even.

Acomodar os interesses dos sócios das duas empresas num único negócio acabou sendo mais difícil do que eu imaginava. Por isso, achei melhor nos afastarmos do comando, deixando a gestão do dia a dia com profissionais do mercado. Para que isso fosse possível, comecei a contratar jovens gerentes que trabalhavam na concorrência.

Fui atrás das melhores pessoas que havia em construtoras maiores que a Even. Para trazê-las, ofereci salários maiores e a chance de exercer funções de destaque numa empresa em franco crescimento.

A chegada desses novos profissionais foi salutar para os negócios. Eles ajudaram a desenvolver na Even uma cultura de crescimento mais agressivo. Em 2004, somente dois anos após a fusão, a empresa já havia triplicado de tamanho.

Pouco tempo depois, muitos investidores começaram a ficar interessados na Even. Em 2005, fui procurado por representantes do Spinnaker Capital, fundo de capital de risco londrino que aplicou 72 milhões de reais na Even. Na época, a construtora pertencia a cinco sócios, remanescentes da fusão. Com a entrada do fundo, dois deles quiseram sair do negócio.


Capitalizada, a empresa começou a crescer ainda mais rapidamente. Em 2007, um ano após a chegada do fundo, as receitas da Even mais que dobraram. Depois de tantos anos de trabalho, eu estava à frente de uma grande empresa. Mas nem por isso acreditei que poderia me acomodar. Outros concorrentes estavam recebendo investimentos e eu não podia ficar parado. O mercado estava em plena fase de consolidação, com as construtoras se tornando cada vez mais robustas.

Em abril de 2007, achei que era hora de abrir o capital da Even. Captamos 460 milhões de reais ao lançar ações na bolsa de valores. Por isso, quando a crise de 2008 chegou, estávamos capitalizados para enfrentá-la. Não sofremos grandes abalos. Foi possível até criar uma espécie de seguro, que garantia a quem perdesse o emprego a possibilidade de deixar de pagar as prestações por seis meses. Com medidas como essas, mantivemos nossa saúde financeira.

Hoje, dedicamos boa parte do tempo procurando novas tecnologias para que nossos projetos resultem em edifícios que aproveitem bem os recursos naturais do meio ambiente, como água e luz natural. Fazemos isso não só porque o mercado exige que a Even siga por um caminho sustentável mas também porque faz parte de uma cultura de integração do homem com a natureza na qual eu mesmo acredito.

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