Tudo fica a preço de banana nos sites de compras coletivas
O que aprender com a disputa entre os sites de compras coletivas que se tornaram febre no comércio eletrônico ao oferecer produtos e serviços com descontos de até 90%
Da Redação
Publicado em 9 de junho de 2011 às 18h27.
Por trás do fenômeno dos sites de compras coletivas que se tornaram febre no Brasil (e no mundo) nos últimos meses, há um velho princípio do mundo dos negócios — quem compra em volumes maiores tem mais poder de barganha.
O que a internet acrescentou a essa velha prática comercial foi a capacidade que redes sociais como Facebook e Twitter têm para atrair grandes grupos de consumidores, fechar um único pedido e obter um bom desconto, que em alguns casos pode chegar a até 90% sobre o preço original.
No Brasil, estima-se que, em menos de um ano, mais de 1.000 sites de compras coletivas tenham entrado no ar, movimentando em torno de 300 milhões de reais em 2010. (Neste ano, a previsão é que o faturamento do setor ultrapasse 1 bilhão de reais.)
A grande maioria deles segue os passos do Groupon, site de compras coletivas criado há pouco mais de dois anos nos Estados Unidos pelo empreendedor Andrew Mason, jovem de 30 anos que estudou música antes de se tornar programador. Em dezembro, Mason recusou uma oferta de 6 bilhões de dólares do Google por sua empresa, e agora planeja abrir o capital do Groupon nos Estados Unidos até o final deste ano.
Mas quais são os riscos de investir num setor que surge tão repentinamente? Seriam as compras coletivas uma moda passageira ou uma nova forma de organizar o comércio eletrônico? Exame PME apresenta cinco empreendedores brasileiros que estão liderando a corrida — em faturamento e em número de usuários — para se manter relevantes no mercado. Entender suas estratégias pode servir de exemplo para pequenos e médios empresários envolvidos por mercados em consolidação.
Um peixe ganha território
Em março do ano passado, o economista Julio Vasconcellos, de 29 anos, dedicou boa parte de seu tempo a observar o desempenho de seu negócio por meio dos dados que surgiam numa tela de computador. Vasconcellos acabara de colocar no ar o Peixe Urbano, um dos primeiros sites de compras coletivas a operar no Brasil.
“Num daqueles primeiros dias, fiquei surpreso quando vendemos 120 sessões de massagem num spa em Ipanema, no Rio de Janeiro, em menos de 4 horas”, diz. “Eu estava fascinado com a evolução das vendas, que não paravam de aumentar minuto a minuto.”
Diante de seus olhos, Vasconcellos via emergir o mercado brasileiro de sites de compras coletivas, que, na época, dava seus primeiros passos. Menos de dois meses antes, ele voltara dos Estados Unidos, onde vivia há mais de uma década, decidido a inaugurar no Brasil algo parecido com o Groupon, responsável por acender o estopim na explosão desse tipo de site no mercado americano.
“Quando vi a euforia dos americanos em torno do Groupon, achei que o conceito tinha tudo para dar certo aqui também”, afirma ele. De acordo com estimativas do mercado, o faturamento do Peixe Urbano teria chegado a 50 milhões de reais no ano passado.
Vasconcellos trouxe para o negócio dois amigos com quem já trabalhara nos Estados Unidos — o engenheiro de software Alexander Tabor, de 30 anos, e o administrador Emerson Andrade, de 36, ambos com experiência em empresas de internet.
Não demorou muito para eles perceberem que sair na frente não chega a ser uma grande vantagem num setor em que há relativamente poucas barreiras para a entrada de novos concorrentes. “A tecnologia para pôr um site desses no ar é muito conhecida e acessível a quase todo mundo que entende de comércio eletrônico”, diz Gastão Mattos, consultor em comércio eletrônico.
Prova disso é que, entre março e junho do ano passado, mais de 200 novos sites semelhantes ao Peixe Urbano foram lançados — pouco mais de dois novos competidores por dia, em média. Alguns, batizados com nome de animais ou com a palavra “urbano”, deixando claro de onde veio a inspiração.
O que fazer para prosperar e se fortalecer num setor em que tantos concorrentes surgem de um dia para o outro?
Vasconcellos decidiu investir na expansão da empresa para o maior número de cidades onde acredita que as ofertas do site podem ser um negócio viável. Hoje, entre os principais sites de compras coletivas no Brasil, o Peixe Urbano é o que está presente em mais localidades.
Além das capitais, o site opera nos principais polos regionais do interior do país, num total de 35 cidades em 20 estados — desde os municípios da região do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, até o interior de Mato Grosso e do Nordeste. A meta de Vasconcellos é levar o Peixe Urbano a pelo menos 60 cidades até o fim do ano. “Quero chegar a todos os municípios que tiverem entre 200.000 e 400.000 habitantes”, diz ele.
A estratégia de ocupação de terreno do Peixe Urbano leva em consideração uma das principais características dos sites de compras coletivas — a de ser, no fim das contas, um negócio fortemente local. Muitos dos anunciantes de uma empresa como o Peixe Urbano são pequenos negócios regionais.
Quem compra suas ofertas com desconto quase sempre precisa ir até o estabelecimento retirar seu produto. Quanto maior o número de locais em que o site atuar, mais ofertas por dia poderá oferecer aos consumidores — e, nesse tipo de negócio, volume de vendas é uma característica fundamental, uma vez que a receita do site vem de uma comissão sobre cada venda fechada. “Para manter o negócio saudável é importante desbravar novos mercados”, diz Vasconcellos.
Ganhar território rapidamente é uma das formas que uma pequena ou média empresa em expansão pode usar para ganhar força no mercado — a expansão amplia o mercado, fortalece a marca e, na maioria dos casos, dá poder de barganha ao empreendedor para negociar com fornecedores.
O risco dessa estratégia é acelerar demais, a ponto de drenar recursos e comprometer o fôlego financeiro do negócio. Para financiar a expansão do Peixe Urbano, Vasconcellos conta com os recursos aplicados no negócio em 2010 por três investidores — o apresentador de TV Luciano Huck, o fundo americano Benchmark Capital, fundado há 15 anos no Vale do Silício e que tem participação em empresas como eBay e Twitter, e o fundo brasileiro Monashees. “Estamos com caixa para aumentar nossa presença em todas as regiões do país”, afirma Vasconcellos.
Meu sócio estrangeiro
Ter um grande sócio pode não garantir o sucesso de um negócio — mas ajuda um bocado a transformar uma empresa emergente num concorrente de respeito. A trajetória do Clube Urbano, site de compras coletivas criado em junho do ano passado pelo engenheiro Felix Scheuffelen, de 29 anos, é um exemplo disso.
Filho de alemães e nascido em São Paulo, Scheuffelen trabalhava na Alemanha até o início do ano passado. Na época, começava a pensar em voltar para o Brasil e abrir o próprio negócio quando recebeu uma proposta para ser sócio do Groupon no país. “Achava que seria ótimo morar definitivamente no Brasil”, diz ele. “Mas a sociedade com o Groupon melhorou ainda mais as minhas expectativas.”
A proposta do Groupon tinha algumas condições. Scheuffelen receberia 15 milhões de dólares para investir na abertura do negócio — em contrapartida, assumiria o compromisso de pôr o site no ar em um mês, ou o negócio poderia gorar. Por muito pouco ele não perdeu o prazo.
Ao chegar ao Brasil, Scheuffelen descobriu que o endereço http://www.groupon.com.br já havia sido registrado por outra empresa. Às pressas, ele criou o nome Clube Urbano — em novembro do ano passado, a empresa conseguiu comprar o endereço correto e, desde então, o site vem usando as duas marcas.
A trajetória do Clube Urbano é um bom exemplo de como empreendedores em mercados emergentes podem muitas vezes se beneficiar aliando-se a empresas maiores e mais consolidadas. O contato com o Groupon surgiu por meio do antigo emprego de Scheuffelen. Antes de voltar para o Brasil, ele trabalhou num fundo de investimento alemão que tinha participação no CityDeal, um dos principais sites de compras coletivas da Europa, comprado pelo Groupon em maio do ano passado.
Scheuffelen contou aos executivos da empresa seus planos de abrir o próprio negócio no Brasil. “Eles ficaram interessados e me propuseram a sociedade”, afirma. Embora tenha saído do país aos 5 anos de idade, quando seus pais voltaram para a Alemanha, Scheuffelen conhecia o mercado brasileiro. Na última década, passou várias temporadas entre o Rio de Janeiro e São Paulo, como estudante ou fazendo estágio em grandes empresas.
No ano passado, as receitas do Clube Urbano teriam chegado a 30 milhões de reais, atrás apenas do Peixe Urbano. “Meu objetivo para 2011 é assumir a liderança do mercado brasileiro de compras coletivas na internet”, diz Scheuffelen. Caso consiga atingir sua meta, ele ajudará a consolidar o Brasil como o segundo maior mercado do mundo para o Groupon, atrás apenas dos Estados Unidos.
Com isso, o Clube Urbano tem grande chance de receber mais recursos de seu sócio estrangeiro, hoje presente em 35 países nos quatro continentes. A operação local da empresa pode aumentar o valor de mercado do Groupon, que planeja abrir seu capital nos Estados Unidos até o fim do ano — parte desses recursos deve ser investida na expansão do grupo no Brasil.
Nos próximos meses, Scheuffelen planeja aumentar as vendas do Clube Urbano aproveitando o poder de negociação de seus sócios com grandes marcas internacionais. “Em breve, quero vender roupas de grifes americanas pelo site”, diz ele. “Também estou fechando pacotes de viagens com agências dos Estados Unidos para destinos como Orlando e Nova York.”
Antes que a febre passe
Um dos riscos de investir num mercado repentinamente tomado pela euforia dos consumidores é que, em algum momento, a febre passe e poucos competidores sobrevivam. O engenheiro Paulo Veras, de 38 anos, acredita que essa hora pode chegar para os sites de compras coletivas. Ele é dono do Imperdível, de São Paulo, que no ano passado faturou 10 milhões de reais, segundo estimativas do mercado.
“Nas grandes cidades, já tem donos de restaurantes e lojas que não querem mais nem ouvir falar em anunciar nesse tipo de site”, diz ele. “O assédio dos competidores a esses anunciantes foi enorme nos últimos meses, e já começa a ficar difícil atrair boas ofertas para o site.”
Não há como saber se os sites de compras coletivas podem se mostrar apenas uma moda passageira ou se vieram realmente para ficar. Para não sucumbir caso a hora da verdade esteja próxima, Veras tem se dedicado a tornar o Imperdível referência entre determinado tipo de consumidor — no caso, os clientes de alto poder aquisitivo.
Especializar-se em um nicho de mercado é uma estratégia comum para muitas pequenas e médias empresas de todos os setores, que geralmente têm poucos recursos para atuar bem em todas as frentes de negócios.
A decisão de se concentrar apenas no público de alta renda foi tomada em agosto do ano passado. Foi quando o Imperdível passou a direcionar seu marketing na internet para sites e redes de relacionamento frequentados por consumidores com esse perfil. Desde então, as receitas do portal vêm crescendo mais de 50% ao mês.
O novo foco também contribuiu para que o valor médio de vendas por cliente quadruplicasse desde a inauguração do site, passando de 25 reais para quase 100 reais.
Veras montou o negócio em maio de 2010, com mais três sócios — o publicitário Pedro Guimarães, ex-presidente da Conspiração Filmes, uma das maiores produtoras de vídeo do país, e os economistas Patrick Freuler e Thiago Arruda, ex-consultores da americana McKinsey. Por cinco anos, Veras foi diretor da Endeavor no Brasil, organização mundial de incentivo ao empreendedorismo.
Nesse período, ele acompanhou a trajetória de centenas de pequenas e médias empresas que recebiam apoio da Endeavor e mantinha contato com os mentores desses empreendedores, como os empresários Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira, da Ambev, e Jorge Gerdau. “Com o Imperdível, estou conseguindo pôr em prática o que aprendi no dia a dia da Endeavor”, afirma Veras.
Agora, ele planeja manter a expansão do Imperdível com a compra de concorrentes menores. Num primeiro movimento de consolidação, no final do ano passado, o Imperdível comprou o site Deu Samba, que atuava em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Niterói e em Manaus. “Estamos avaliando a aquisição de até cinco concorrentes regionais em 2011”, diz ele.
Foco num só mercado
Em dezembro do ano passado, o Oferta Única foi o quarto site brasileiro de compras coletivas a bater a marca de 1 milhão de usuários cadastrados. O feito foi comemorado pelo economista Antonio Mouallem, de 34 anos, sócio do empreendimento ao lado do publicitário Rodrigo Monzoni.
“A maioria de nossos competidores contou desde o início com uma arma de que nós não dispomos: o capital de investidores”, diz Mouallem. Até agora, os sócios do Oferta Única têm bancado a expansão com capital próprio — além do site, os dois são donos de uma empresa que administra a distribuição de benefícios como vale-transporte e vale-alimentação para outros negócios.
O caso do Oferta Única é um exemplo de como pequenos ou médios negócios podem enfrentar a concorrência, mesmo que tenham menos recursos disponíveis que seus rivais. Para crescer, Mouallen tem adotado uma estratégia diferente da maioria de seus principais competidores.
“Como não temos dinheiro sobrando para expandir o site para muitas outras cidades ao mesmo tempo, decidimos concentrar nossa força em São Paulo”, afirma ele. Não é uma escolha aleatória — no mercado, estima-se que os consumidores paulistanos respondam por pelo menos 40% dos negócios em sites de compras coletivas no Brasil.
Ao se debruçar com mais atenção sobre um único mercado, Mouallen acredita ter descoberto um enorme potencial de crescimento que seus rivais deixaram de lado.
“Os outros sites de compras coletivas desprezavam os consumidores de menor poder aquisitivo, como os moradores das zonas leste e norte de São Paulo”, afirma ele. “Mas trata-se de um consumidor ávido por descontos, com poder aquisitivo crescente e que, aos poucos, passa a ter computador e internet em casa.”
Para se aproximar desses clientes, o Oferta Única dividiu a cidade de São Paulo em regiões — Leste, Oeste, Sul e Norte. Quem entra no site pode pedir para ver as ofertas de produtos com descontos na região mais próxima de sua casa. “Com isso, conquistamos anunciantes em bairros da periferia, aonde os outros sites não chegam”, diz ele.
“Desde que passamos a regionalizar as ofertas, as vendas na cidade de São Paulo triplicaram.” Em 2010, a empresa obteve 15 milhões de reais em receitas, segundo estimativas. Os sócios do Oferta Única agora querem testar a divisão das cidades em outras grandes capitais brasileiras, como o Rio de Janeiro, que concentra 25% dos negócios em sites de compras coletivas.
Na corrida do ouro, ele vende picaretas
No final de 2009, o administrador de empresas Marcelo Macedo, de 35 anos, recebeu a ligação de um amigo que passava férias em Nova York, o publicitário Paulo Humberg. Ele relatara a experiência bem-sucedida de testar um site americano de compras coletivas.
Humberg, ex-executivo de empresas de comércio eletrônico, como Shoptime, e fundador do outlet virtual BrandsClub, queria saber se Macedo achava viável adaptar o modelo de negócios no Brasil, baseado em sua experiência como executivo do banco Morgan Stanley. Naquele mesmo dia, Macedo diz ter tido duas certezas.
“Antes de mais nada, achei aquele negócio o máximo e não via a hora de copiar o modelo no Brasil”, afirma ele. “Mas também percebi que era tão simples e rápido montar um site de compras coletivas que seria preciso se preparar para enfrentar muitos concorrentes nesse setor.”
Nos meses seguintes, Macedo e Humberg foram em busca de investidores para pôr no ar o próprio site de compras coletivas. Eles conseguiram 17 milhões de reais do fundo de investimento suíço Global Group Buying, que investe em outros sites de compras coletivas em países da Europa, da Ásia e da Oceania.
Com o dinheiro, Macedo pediu demissão do banco para pôr o ClickOn no ar em maio do ano passado. Ele também convidou mais dois sócios para cuidar das áreas de marketing e comercial — respectivamente, o paulistano João Ramirez e o maranhense Roberto Meira.
Em 2010, as receitas do site foram estimadas em 25 milhões de reais — no final do ano, havia mais de 4 milhões de usuários cadastrados no ClickOn para receber as ofertas.
As previsões de Macedo estavam se cumprindo. Havia, sim, um mercado de compras coletivas pela internet prosperando no Brasil — mas ao mesmo tempo surgiam cada vez mais concorrentes. Por isso, recentemente, os sócios do ClickOn passaram a pôr em prática uma nova estratégia de crescimento na tentativa de se consolidar no mercado. Além do próprio site, eles começaram a formar sociedades com outras empresas que estão entrando no negócio das compras coletivas.
É um formato de negócios em que o ClickOn fica responsável por toda a operação do site — desde a negociação com os estabelecimentos que exibem suas ofertas na internet até o atendimento ao cliente — e a empresa parceira entra com a marca e seu cadastro de clientes.
O modelo foi em parte inspirado na americana Amazon, que aluga sua infraestrutura em tecnologia e presta serviços de marketing e logística para outras lojas de comércio eletrônico. “Já fechei contrato com duas grandes companhias que em breve vão lançar seus sites de compras”, diz Macedo. Dessas empresas, o ClickOn cobra um valor fixo mensal pela operação do site, além de comissão sobre as vendas.
De certa forma, a lógica de Macedo tem a ver com a velha história da corrida do ouro: os vendedores de picaretas quase sempre se saem muito bem. Agora, a experiência do ClickOn no Brasil está servindo de testes para seus sócios, que pretendem levar um modelo semelhante para outros mercados latino-americanos — começando por Argentina, Colômbia e México, países onde Macedo e seus investidores abriram um site de compras coletivas chamado ClickOnero em novembro.