Avenida Faria Lima, no coração financeiro de São Paulo: boa parte do capital para expansão de um negócio, como venture capital, segue concentrado na maior cidade do país (Germano Lüders/Exame)
Leo Branco
Publicado em 27 de janeiro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 27 de janeiro de 2021 às 06h10.
Maior metrópole da América do Sul, São Paulo é também a melhor cidade do Brasil para abrir um negócio – e fazê-lo deslanchar – logo à frente de outras capitais brasileiras com forte cultura empreendedora, como Florianópolis e Vitória.
Essa é a conclusão do Índice de Cidades Empreendedoras, o ICE, um dos mais tradicionais mapeamentos do ambiente de negócios no país, organizado pela Endeavor, rede de empreendedores dedicada ao fomento do tema.
Realizado uma vez por ano, de 2014 a 2017, o estudo voltou a ser publicado em 2021. EXAME teve acesso em primeira mão ao material que será lançado oficialmente nesta quinta-feira, dia 28 de janeiro.
A versão 2021 do ICE traz novidades importantes sobre a evolução do ecossistema empreendedor do país. Pela primeira vez, as 100 maiores cidades do país estão sendo avaliadas – até então, o estudo tinha dados de 32 cidades (veja lista completa das 100 cidades ao fim da reportagem)
A expansão do ICE atende a pedidos de empreendedores e gestores públicos de cidades com forte cultura de abertura de negócios, mas sem visibilidade no ranking, a exemplo de Caruaru, no interior de Pernambuco, um dos maiores pólos têxteis do país.
Para além de cobrir mais cidades, a versão 2021 do ICE contou com novos parceiros para coleta de dados. Desta vez, técnicos da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), instituição federal de formação a gestores públicos, além de pesquisadores da Universidade de Brasília, colaboraram com a equipe da Endeavor.
Em 2021, o ICE avaliou 60 indicadores municipais, divididos em sete pilares vitais para o crescimento de um negócio:
Embora a capital paulista seja o principal destino para abertura de negócios no país, a principal mensagem da versão 2021 do ICE é de que cidades fora do eixo SP-Rio e Belo Horizonte estão cada vez mais reunindo boas condições para os empreendedores.
Um exemplo disso é que das dez melhores cidades do país para abrir empresas em 2021, quatro não são capitais -- destinos naturais aos negócios no Brasil. Em seis dos sete pilares da pesquisa ao menos metade das top 10 são não-capitais neste ano.
Algumas particularidades regionais estão ajudando a tornar a cultura empreendedora cada vez mais espalhada no país. O pilar “cultura empreendedora” reflete isso, diz Renata Mendes, gerente de advocacy da Endeavor.
Das dez cidades mais bem colocadas nesse pilar, levantado com informações de questionários online respondido por empreendedores, sete estão na região Nordeste, uma participação acima da média dos demais pilares da pesquisa. “Populações de cidades mais ao norte do país tendem a ter uma cultura empreendedora mais forte, com uma imagem mais positiva do empreendedorismo”, diz Renata.
Os motivos exatos não são claros, segundo os pesquisadores, mas algumas hipóteses podem ser formuladas. Por exemplo, o papel do poder público: nas cidades onde a atuação do governo como contratante é muito predominante,como em Brasília, penúltima colocada neste quesito, a figura do empreendedor e a prática do empreendedorismo tendem a perder relevância. O mesmo ocorre em locais em que grandes empresas respondem pela maior parte do mercado de trabalho — como é o caso do Sul e do Sudeste — diz o estudo.
A pandemia e o trabalho à distância colaboraram com o movimento de espraiamento da cultura empreendedora no país.
Uma evidência disso é o recrutamento cada vez maior de profissionais da área de tecnologia fora dos grandes centros. A aceleração da digitalização da economia causada pelo coronavírus ampliou uma disputa por mão de obra qualificada que já havia em cidades como São Paulo mesmo antes de 2020 – e deu mais visibilidade aos negócios dessas regiões, dizem os pesquisadores. Alguns exemplos dessa tendência são:
O empurrão do poder público para ajudar empreendedores gerou frutos notados pelo ICE em 2021. No pilar ambiente regulatório, cinco das dez melhores cidades deste ranking estão no Rio de Janeiro, estado com máquina pública considerada uma das mais burocráticas nas primeiras edições do índice.
Na avaliação dos pesquisadores, entre os motivos para a guinada positiva está o projeto Rio Mais Fácil 4, pelo qual a prefeitura do Rio passou a compartilhar informações com os outros órgãos responsáveis pela formalização de empresas. É uma evolução do Portal Alvará Já, que procura tornar a cidade um ambiente propício para o empreendedorismo.
Além disso, o estado realizou uma mudança no sistema de registro da Junta Comercial (Jucerja) em 2019 que ficou mais integrado à Secretaria Estadual de Fazenda e, assim, permitiu concessões de inscrições estaduais acontecessem em até uma hora -- e não mais em dias como era o comum no passado. “Há um esforço de governos locais para modernizar a máquina pública de modo a simplificar a vida dos empreendedores”, diz Fernanda de Melo Magalhães, analista de advocacy na Endeavor, citando as prefeituras de São Paulo e Vitória como outros exemplos de cidades com medidas para acelerar a burocracia na hora de fazer negócios.
Esses esforços vêm em linha com a agenda de desburocratização da máquina pública levada adiante pela Endeavor e pela Enap -- ambas oferecem cursos a gestores públicos interessados em simplificar processos. “O nosso interesse em colaborar no ICE é para termos uma análise ao estilo do estudo Doing Business, do Banco Mundial, para o nível dos municípios brasileiros”, diz Diogo Godinho Ramos Costa, presidente da Enap. “Fizemos uma pequena parceria público-privada para ampliar o acesso a esses dados.”
É claro que ainda há muitos desafios à frente para quem deseja empreender no Brasil. A desigualdade no acesso à capital é um dos principais, segundo os pesquisadores. Nesse pilar, São Paulo está à frente e oito das dez cidades mais bem colocadas são capitais.
“O venture capital passou a um novo patamar no país, com a chegada de novos fundos internacionais ao país, mas a desigualdade de investimentos continua”, diz Fernanda, fazendo referência ao fato de que boa parte dos cheques mais elevados com destino às startups brasileiras ainda vão a negócios de grandes centros como São Paulo, Rio, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre e Florianópolis.
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