Tractian: fundada em 2019, a empresa usa inteligência artificial para simplificar a vida dos gestores de manutenção de equipamentos de empresas como Ambev e Suzano (Vinicius Maciel/Divulgação)
Carolina Ingizza
Publicado em 19 de fevereiro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 19 de fevereiro de 2021 às 08h16.
O "Shazam das equipes de manutenção": é assim que a aceleradora americana Y Combinator descreve a startup brasileira Tractian. A comparação inusitada faz sentido. Assim como o aplicativo de música usa inteligência artificial para identificar qual canção está tocando no ambiente, a empresa brasileira usa o som de cada máquina para encontrar problemas na linha de produção.
A tecnologia própria, desenvolvida pelos fundadores Igor Marinelli e Gabriel Lameirinhas, chamou atenção da aceleradora americana, do fundo brasileiro Norte Ventures e de alguns investidores-anjo do mercado de tecnologia, que aportaram juntos cerca de 2 milhões de reais na rodada de captação pré-seed do negócio.
Na prática, a Tractian oferece para as empresas um "band-aid inteligente", que é colado em cada uma das máquinas que precisam ser monitoradas nas fábricas das companhias clientes. O sistema da startup acompanha as vibrações de cada um dos equipamentos e, quando identifica uma mínima alteração no padrão, avisa os gestores de manutenção, evitando que a produção seja interrompida.
Segundo a startup, cada alerta tem 75% de efetividade na identificação de falhas e pode economizar cerca de 84.000 reais para as empresas. Hoje, há 500 sensores espalhados nas fábricas de 30 clientes, entre eles Ambev, Suzano e Embraer.
“As falhas nos equipamentos são um problema grande para as empresas e hoje não têm uma solução muito clara. As outras ferramentas disponíveis no mercado são caras e não tem muita assertividade”, diz José Pedro Cacheado, sócio da Norte Ventures.
Com o novo aporte impulsionando as vendas, a meta da Tractian para 2021 é ambiciosa: instalar pelo menos mais 3.000 band-aids inteligentes até o final do ano. Para isso, o foco está nas pequenas e médias indústrias, mais carentes de tecnologia que as grandes corporações.
Outra parte do capital está reservada para a expansão do time da startup, especialmente nas áreas de engenharia. A projeção é que o número de funcionários dobre até dezembro, chegando a 30 pessoas.
Marinelli e Lameirinhas se conheceram na faculdade de engenharia de computação. Além do desejo de empreender, o que os uniu foi o fato de que seus pais foram gestores de manutenção de fábricas. Familiarizados com a rotina desse tipo de profissional, eles decidiram investigar para ver se uma nova tecnologia poderia facilitar o trabalho e reduzir custos.
O primeiro protótipo da solução ficou pronto em meados de 2019, quando os fundadores se depararam com um novo desafio: como convencer as indústrias brasileiras a ouvir a proposta de dois jovens de 20 e poucos anos para problemas de décadas da sua operação?
A solução foi trazer bons profissionais. Em um dos processos de prospecção de clientes, a dupla conheceu o advogado Leonardo Vieira, que se apaixonou pelo projeto e decidiu se juntar ao time como cofundador para tocar a frente comercial. Depois, Renan Simionato e Bruno Felix assumiram as diretorias de marketing e tecnologia, respectivamente.
Com o time estruturado, as vendas cresceram e nem mesmo a pandemia atrapalhou o negócio. Como a instalação do sensor pode ser feita pela própria fábrica e os custos são baixos (cerca de 300 reais por mês por band-aid), a Tractian conseguiu passar de 5 clientes no começo de 2020 para 30 no final do ano.
Apesar do sucesso com as indústrias, as negociações com investidores brasileiros não foram tão simples. "Como temos poucos cases de startups bem sucedidas trabalhando com a indústria no Brasil, os fundos de venture capital ficavam receosos", diz Marinelli.
Com o aporte da Y Combinator e da Norte Capital, os sócios estão confiantes de que a maré vai mudar. "A YC valida a tese de que o nosso mercado é grande o suficiente e tem potencial", diz o fundador.
Fora do Brasil, existem algumas empresas com propostas de negócio similares à da Tractian. Uma delas é a israelense Augury, que usa o som, a vibração e a temperatura das máquinas para prever falhas. Em outubro do ano passado, a companhia levantou 55 milhões de dólares em uma rodada série D liderada pelo fundo israelense Qumra Capital. A varejista Amazon também tem trabalhado com inteligência artificial para melhorar a produtividade das fábricas e a segurança dos trabalhadores.
Com companhias maiores e mais capitalizadas disputando o mercado, a Tractian acredita que precisa crescer rapidamente para não perder o timing do negócio. "Enquanto não estivermos nas 500.000 pequenas e médias indústrias do Brasil, não vamos sossegar", diz Marinelli.