Bicicletas amontoadas em Wuhan: um dos maiores players do setor na China, a Ofo, considera pedir falência (VCG/Getty Images)
Mariana Fonseca
Publicado em 19 de dezembro de 2018 às 17h04.
Última atualização em 19 de dezembro de 2018 às 17h07.
São Paulo — A startup brasileira de bicicletas e patinetes elétricos Yellow anuncia expansão após expansão — mas, para a empresa que a inspirou, a estratégia não se transformou em lucro. A Ofo, gigante de bicicletas que divide o domínio do mercado chinês de compartilhamento das magrelas com a também chinesa Mobike, considera pedir falência.
A Ofo não atingiu o sucesso operacional mesmo após ter espalhado 10 milhões de bicicletas pelo mundo, 500 vezes mais do que a Yellow. Os rumores sobre a falência da chinesa já duram meses, com a empresa negando tais especulações no mês passado. Mas o jornal britânico Financial Times publicou hoje um e-mail do fundador do negócio, Dai Wei, aos funcionários, reavivando a história.
“Eu pensei diversas vezes (...) em até dissolver a companhia e pedir falência”, afirma Wei no documento. Para manter a companhia operando, ela precisaria “transformar todo yuan em três yuans.”
Um especialista ouvido pelo Financial Times estimou que a Ofo queima 25 milhões de dólares por mês. Os problemas de caixa incluem devolver dinheiro a usuários que não conseguiram fazer suas viagens e pagar dívidas com fornecedores.
Dez milhões de consumidores da Ofo estão hoje na fila virtual para o retorno do seu dinheiro. Em setembro, um fabricante de bicicletas processou a Ofo por 10 milhões de dólares não recebidos. A chinesa afirmou que essa disputa já foi resolvida.
Não ter fluxo de caixa e muito menos lucros à vista é algo comum para as startups, especialmente nas de compartilhamento de bicicletas e patinetes. Elas dependem de uma equação que envolve captação de grandes aportes, gastos com hardware e expansão, dominação pelo volume e a expectativa de que tudo isso compense os baixos preços cobrados por viagem.
O que assusta na história da Ofo é ter players e investimentos de peso por trás. O negócio arrecadou 2,2 bilhões de dólares em aportes liderados pelas gigantes Alibaba e Didi Chuxing. Essas apostas não apresentam, até o momento, sinais de retorno concreto.
A Didi cogitou comprar a Ofo em agosto deste ano. Mas, para um analista ouvido pelo Financial Times, será difícil que ela retome essa proposta ou que outra gigante chinesa recupere a Ofo do atoleiro em que se encontra. A Didi é uma empresa investida pela Tencent, rival do Alibaba. Tencent e Alibaba estão na Ofo como investidores mas, ao mesmo tempo, nenhum deles quer entrar em uma corrida custosa pela dominação total do gigante de bicicletas.
A história pode repercutir em solo brasileiro. A Ofo e a Yellow não compartilham apenas o amarelo em suas bicicletas. A ideia da Yellow surgiu quando Eduardo Musa, que já foi presidente da fabricante de bicicletas Caloi, viajou à China.
O empreendedor viu um sistema curioso de bicicletas soltas pelas calçadas e ruas - feitas pela Ofo e pela Mobike, que dominam 90% do mercado chinês. Falando com fornecedores, percebeu como essa era “a próxima grande coisa da indústria”. Saiu da Caloi e, na mesma época, encontrou Ariel Lambrecht e Renato Freitas, dois dos co-fundadores do aplicativo de mobilidade urbana 99. Freitas, Musa e Lambrecht começaram o negócio em junho de 2017 e o lançaram pouco mais de um ano depois.
A Ofo tinha problemas nessa época, mas ainda era a queridinha dos investidores. O ano de 2017 foi o de maior conquista de capital para a chinesa. Segundo o CB Insights, foram 450 milhões de dólares do fundo DST Global e outros 700 milhões de dólares do Alibaba. Em março deste ano, o Alibaba investiu mais 866 milhões de dólares.
O dinheiro não foi suficiente para resolver os problemas da Ofo — e a pergunta que fica é se há dinheiro suficiente para bicicletas se tornarem lucro.