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Odeio quem deve e não paga

Há clientes que, além de não propor nenhuma alternativa para resolver a situação, agem como se a culpa de eles não terem o dinheiro fosse minha

É preciso ter uma reserva de dinheiro ou crédito para poder crescer nos negócios (Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 17 de janeiro de 2013 às 05h00.

São Paulo - O ano era 1990, e eu tinha 18 anos. Naquela segunda-feira fechei contrato com um novo cliente para vender canetas para brindes, pelo qual receberia o equivalente a 10.000 dólares à vista na entrega. Eu precisava de 3.000 dólares para comprar matéria-prima — só que, como eu era muito novo, não tinha nenhum crédito na praça.

Penso daqui, procuro dali, até que, como por milagre, encontro minha irmã Elaine saindo do banco. Ela tinha aquela quantia. Só que o dinheiro era para pagar, na sexta-feira, uma reforma na casa dela. Relatei minha situação. Disse que era só produzir a mercadoria, entregar e receber — tudo isso antes de sexta. Ela emprestou.

Corri para comprar o material, acelerei a produção, paguei hora extra. Na quarta, fiz a entrega e recebi o cheque. Depositei. Dois dias depois, o cheque voltou. Fiquei aflito. Eu dependia daquele dinheiro para honrar a palavra com minha irmã. Liguei para o cliente. Expliquei que tinha compromissos financeiros urgentes naquele dia. Me disseram que o dono estava viajando e que era só reapresentar o cheque no banco.

Fui até a casa da Elaine. Envergonhado, disse que não podia pagá-la como o combinado. Nunca escutei tantos xingos, e com razão. Chorei, tentei empréstimos com amigos. Nada. Fui até a empresa devedora, briguei, ameacei. Nada. Minha irmã teve de pedir um empréstimo no banco para fazer o pagamento dela.

Na semana seguinte, o cheque voltou de novo. Motivo: conta encerrada. Nunca recebi desse cliente, e levei meses para pagar minha irmã. Não sei o que faz alguém gastar 10.000 dólares em brindes se não tem como pagar.


Odeio quem deve e não paga — e me odiei também. Detesto aqueles que acham normal dizer que não têm como pagar — como se eu fosse culpado por estar cobrando. Passados mais de 20 anos, escuto as mesmas desculpas: que o dono está viajando, que a nota não chegou.

Outros contam que estão com problema de fluxo de caixa — algo que está para o departamento financeiro assim como a virose está para a medicina. E há os que alegam ter levado calote do cliente. Se respondo que não dá para esperar, escuto que, em nome da parceria, preciso ajudá-lo num momento difícil. E eu, quem me ajuda? Quem ajudou lá no passado, tirando minha irmã?

Aquele episódio me ensinou que é preciso ter uma reserva ou crédito para não correr o risco de se expor dessa forma. Se, mesmo assim, o pior acontecer, não é para enviar um e-mail.

Você pessoalmente deve procurar seu credor, explicar a situação e sempre, sempre, sempre, propor alternativas — como devolver a mercadoria, pagar a dívida com um serviço ou produto ou fazer um parcelamento (com juros e nunca maior do que três vezes).

E jamais mande alguém em seu lugar. Você é o dono, você é quem deve. Nesse momento, não existe diferença entre pessoa física e jurídica. Um conhecido meu, falido, costumava dizer: "Eu quebrei, mas foi só na jurídica". Será isso possível mesmo?

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São Paulo - O ano era 1990, e eu tinha 18 anos. Naquela segunda-feira fechei contrato com um novo cliente para vender canetas para brindes, pelo qual receberia o equivalente a 10.000 dólares à vista na entrega. Eu precisava de 3.000 dólares para comprar matéria-prima — só que, como eu era muito novo, não tinha nenhum crédito na praça.

Penso daqui, procuro dali, até que, como por milagre, encontro minha irmã Elaine saindo do banco. Ela tinha aquela quantia. Só que o dinheiro era para pagar, na sexta-feira, uma reforma na casa dela. Relatei minha situação. Disse que era só produzir a mercadoria, entregar e receber — tudo isso antes de sexta. Ela emprestou.

Corri para comprar o material, acelerei a produção, paguei hora extra. Na quarta, fiz a entrega e recebi o cheque. Depositei. Dois dias depois, o cheque voltou. Fiquei aflito. Eu dependia daquele dinheiro para honrar a palavra com minha irmã. Liguei para o cliente. Expliquei que tinha compromissos financeiros urgentes naquele dia. Me disseram que o dono estava viajando e que era só reapresentar o cheque no banco.

Fui até a casa da Elaine. Envergonhado, disse que não podia pagá-la como o combinado. Nunca escutei tantos xingos, e com razão. Chorei, tentei empréstimos com amigos. Nada. Fui até a empresa devedora, briguei, ameacei. Nada. Minha irmã teve de pedir um empréstimo no banco para fazer o pagamento dela.

Na semana seguinte, o cheque voltou de novo. Motivo: conta encerrada. Nunca recebi desse cliente, e levei meses para pagar minha irmã. Não sei o que faz alguém gastar 10.000 dólares em brindes se não tem como pagar.


Odeio quem deve e não paga — e me odiei também. Detesto aqueles que acham normal dizer que não têm como pagar — como se eu fosse culpado por estar cobrando. Passados mais de 20 anos, escuto as mesmas desculpas: que o dono está viajando, que a nota não chegou.

Outros contam que estão com problema de fluxo de caixa — algo que está para o departamento financeiro assim como a virose está para a medicina. E há os que alegam ter levado calote do cliente. Se respondo que não dá para esperar, escuto que, em nome da parceria, preciso ajudá-lo num momento difícil. E eu, quem me ajuda? Quem ajudou lá no passado, tirando minha irmã?

Aquele episódio me ensinou que é preciso ter uma reserva ou crédito para não correr o risco de se expor dessa forma. Se, mesmo assim, o pior acontecer, não é para enviar um e-mail.

Você pessoalmente deve procurar seu credor, explicar a situação e sempre, sempre, sempre, propor alternativas — como devolver a mercadoria, pagar a dívida com um serviço ou produto ou fazer um parcelamento (com juros e nunca maior do que três vezes).

E jamais mande alguém em seu lugar. Você é o dono, você é quem deve. Nesse momento, não existe diferença entre pessoa física e jurídica. Um conhecido meu, falido, costumava dizer: "Eu quebrei, mas foi só na jurídica". Será isso possível mesmo?

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